05 jun, 2025 - 10:00 • Fábio Monteiro
A cocaína esteve envolvida em 65% das mortes por overdose registadas em Portugal em 2023 (mais do dobro da média registada na Alemanha), segundo o último Relatório Europeu sobre Drogas divulgado esta quinta-feira pela Agência da União Europeia sobre Drogas (EUDA).
O documento sublinha o crescimento do papel de Portugal nas rotas de tráfico, produção e consumo desta substância estimulante.
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O relatório indica que foram desmantelados seis laboratórios de processamento de cocaína em Portugal entre 2023 e 2024. Além disso, Portugal reportou a apreensão de quase 22 toneladas de cocaína em 2023, um valor recorde que coloca o país entre os principais pontos de entrada da droga na União Europeia.
Em declarações à Renascença, João Goulão, presidente do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), nota “a cocaína tem vindo a ganhar terreno entre as substâncias mais consumidas em Portugal."
"Neste momento, a cocaína é mais utilizada do que a heroína e contribui de uma forma muito significativa para intoxicações, algumas de gravidade importante e levando à ocorrência de overdoses."
O especialista alerta, em particular, para o consumo da cocaína-crack, “mais barata, facilmente acessível, facilmente preparada a partir de precursores baratos, o que a torna bastante mais acessível do que a cocaína branca, a cocaína dos ricos, diria, muito associada a ideias de glamour e de festas".
A análise de águas residuais confirma a tendência: Portugal está entre os países com maiores concentrações de metabolitos da cannabis e da cocaína, com Lisboa, Porto e outras cidades a registarem valores muito elevados. O relatório salienta ainda que o número de apreensões de cocaína continua a aumentar na Europa, com um total de 419 toneladas apreendidas em 2023, o sétimo recorde anual consecutivo.
Outro dado relevante é a presença de metadona em 36% das mortes por overdose em Portugal. Esta substância, usada no tratamento da dependência, aparece frequentemente em casos de policonsumo, onde a sua responsabilidade na morte não é sempre clara, mas indica um risco acrescido de interações fatais.
No caso do tabaco, a redução do consumo também se (...)
No que toca ao consumo injetável, Portugal apresenta dos níveis mais baixos da Europa, com menos de 10% dos utentes a reportar esta via de administração ao entrar em tratamento especializado, em contraste com valores superiores a 60% em países como Bulgária ou Estónia.
Na área das substâncias alucinogénias, Portugal foi o país com maior volume de apreensões de DMT (26,7 kg e 16 litros) em 2023, destacando-se de forma clara entre os Estados-membros.
"Há uma diversidade enorme de substâncias, nunca houve tantas substâncias em circulação e a serem consumidas, às vezes num contexto de policonsumo, com misturas completamente inesperadas e disparatadas, com efeitos imprevisíveis, com riscos acrescidos, substâncias com uma pureza cada vez maior. Isto levanta inúmeros desafios aos quais estamos a tentar corresponder, que era o nível das instâncias da União Europeia e que era o nível de cada um dos Estados-membros", alerta João Goulão.
Apesar de Portugal apresentar níveis medianos de consumo global, os dados apontam para uma percentagem significativa de uso problemático, muitas vezes em contextos de exclusão social e com alto risco para a saúde pública.
"Mesmo que tenhamos uma prevalência relativamente mediana no ranking, no que diz respeito ao uso total de substâncias ilícitas, temos uma percentagem muito significativa de pessoas com uso problemático dessas substâncias."
Goulão realça a importância da nova agência europeia (EUDA) para integrar a dimensão da segurança e da criminalidade no combate às drogas, destacando que "o que há aqui como tendências preocupantes tem muito a ver com o ganhar de importância da atividade criminosa relacionada com drogas e das eventuais pontes que se estabelecem com outro tipo de criminalidade."