Ouvir
  • Noticiário das 22h
  • 15 jun, 2025
A+ / A-

10 de junho

Lídia Jorge: "Camões, tal como nós, conheceu uma época de transição, assistiu ao fim de um ciclo"

10 jun, 2025 - 12:10 • Olímpia Mairos

Na cerimónia do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a escritora falou de um “novo tempo, que está a acontecer à escala global” e alertou contra loucos no poder e fúria revisionista.

A+ / A-

A escritora Lídia Jorge, convidada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para presidir à comissão organizadora das comemorações do 10 de Junho, centrou a sua intervenção na vida e obra de Camões.

Camões nasceu e nunca mais morreu”, disse a escritora, lembrando a frase dita a propósito de Beethoven “um dia Camões nasceu e nunca mais morreu” e “provam-no a forma como tem sido representado nos últimos 500 anos”.

Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui

Segundo a presidente da Comissão Organizadora do 10 de Junho de 2025, “Camões, tal como nós, conheceu uma época de transição, assistiu ao fim de um ciclo”.

“Os Lusíadas expressa corajosas verdades dirigidas ao rosto dos poderes que elogia”, disse Lídia Jorge.

No seu discurso, a escritora falou também de um “novo tempo, que está a acontecer à escala global”.

“O poder demente aliado ao triunfalismo tecnológico faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a Terra redonda é disputada por vários pescoços em competição, como se mais uma vez se tratasse de um berloque. E os cidadãos são apenas público, que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores. E os seus ídolos são fantasmas”, alertou.

“É contra isso e por isso que vale a pena que Portugal e as comunidades portuguesas usem o nome de um poeta por patrono”, vincou.

Para Lídia Jorge “Lagos, a cidade dos sonhos do infante de que Sagres é a metáfora promove a consciência do que somos capazes de fazer uns aos outros”.

“Consta que em pleno século XVII, 10% da população portuguesa teria origem africana. Essa população não nos tinha invadido. Os portugueses os tinham trazido arrastados até aqui. E nos miscigenámos. O que significa que por aqui ninguém tem sangue puro. A falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade”, destacou.

“Cada um de nós é uma soma. Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou”, advertiu.

Mas para Lídia Jorge, a consciência dessa aventura antropológica “talvez mitigue a fúria revisionista que nos assalta pelos extremos nos dias de hoje um pouco por toda a parte”.

“Agora que percebemos que estamos no fim de um ciclo, e que um outro se está a desenhar, e a incógnita existencial sobre o futuro próximo, ainda desconhecido, nos interpela a cada manhã que acordamos sem sabermos como irá ser o dia seguinte a pergunta é esta: Quando ficaram em causa os fundamentos institucionais, científicos, éticos, políticos e os pilares de relação de inteligência homem-máquina, entrar em um novo paradigma que lugar ocuparemos nós como seres humanos? O que passará a ser um humano?”, questionou.

A terminar o discurso, a presidente da Comissão Organizadora do 10 de Junho afirmou que “nós, portugueses, não somos ricos, somos pobres e injustos, mas ainda assim derrubámos uma longuíssima ditadura, e terminámos com a opressão que mantínhamos sobre diversos povos e com eles estabelecemos novas alianças, e criámos uma comunidade de países de língua portuguesa e fomos capazes de instaurar uma democracia e aderir a uma união de países livres e prósperos que desejam a paz”.

"Assim sendo, por certo que ainda não temos as respostas, mas perante as incógnitas que nos assaltam, sabemos que temos a força. Leio Camões, aquele que nunca mais morreu e comovo-me com o seu destino, porque se alguma coisa tenho em comum com ele, que foi génio e eu não sou, é a certeza de que partilho da sua ideia de que um ser humano é um ser de resistência e de combate. É só preciso determinar a causa certa”, concluiu.

Lídia Jorge, romancista e contista, nasceu no Algarve, em 18 de junho de 1946, em Boliqueime, no concelho de Loulé. Autora de livros como “A Costa dos Murmúrios” e “O Vento Assobiando nas Gruas”, recebeu vários prémios pelo seu romance “Misericórdia”. Marcelo Rebelo de Sousa nomeou-a conselheira de Estado em 2021, no início do seu segundo e último mandato.

Ouvir
  • Noticiário das 22h
  • 15 jun, 2025
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Sara
    10 jun, 2025 Lisboa 22:01
    O dia de Portugal, e pessoas que não respeitam Portugal e os portugueses, foram só destilar o ódio, não souberam enaltecer, ou dar valor aos portugueses, que pena não falarem assim do deputados e do governo, corrupção sem parar, portugueses que pagam milhares de impostos para não ter direitos,.portugueses que foram obrigados a emigrar, portugueses que morreram devido aos maus tratos nos lares, hospitais fechados, obras não fiscalizadas, portuguesas que não têm filhos , por o estado só ajuda os outros, empresários que pagam uma ninharia de salários a imigrantes,.imigrantes que estão em Portugal e não descontam, é assim os chamados inteligentes em que lhes dão tempo de antena só para dizer porcaria.
  • Humberto Baião
    10 jun, 2025 Évora 18:36
    UMA NO CRAVO OUTRA NA FERRADURA, isto já não ´é uma democracia, e o Estado Novo nunca foi uma ditadura. Nem comnmparemos a imigração de antanho com a de agora, esta fruto da incompetência de quem nos tem governado nas últimas 5 décadas.
  • Joao Proença
    10 jun, 2025 Sesimbra 13:28
    Este homem nao tem nada a ver com a cultura… cultura nao tem nada que ver com festivais de musica… ganhem juizo…

Destaques V+