10 jun, 2025 - 11:00 • Isabel Pacheco
Há vassouras, máquinas de lavar as ruas e camiões de recolha de lixo um pouco por todo o espaço. Estamos nos estaleiros da AGERE, a empresa municipal de recolha de resíduos de Braga que acolhe, esta terça-feira, o 85 755 t, o número de toneladas de lixo recolhida sem 2023, o espetáculo q que abre o Festival “Desejar” a decorrer até sábado em vários palcos da cidade.
Os protagonistas do espetáculo - que cruza o humano e a máquina - são cinquenta trabalhadores da empresa de recolha de resíduos. Entre eles estão Rosa e Elisabete.
Enquanto acerta os tempos dos passos de dança, Rosa, há nove anos na empresa, explica que durante o espetáculo vai se apresentar com os instrumentos que conhece bem. “São as máquinas que usamos no dia a dia. A minha é de lavar as ruas. É o que faço sempre”, conta.
Elisabete interrompe. “O espetáculo está bonito, realmente nunca imaginava, vamos ter água, vamos ter as escovas também, as varredoras a aspirar a lavar, a varrer. Vão ser várias coisas,” diz entusiasmada. Depois, acrescenta, “ e é tudo no estaleiro”.
“É o local de trabalho onde nós saímos, chegamos, tem as máquinas, onde fazemos as manutenções. E vai virar um palco”, remata.
A coreografia que se cruza a dança com a rotina dos trabalhadores é assinada pela norte americana Allison Orr, mas “pensada por todos”, sublinha Marta Moreira, a coordenadora do projeto do coletivo local Plataforma do Pandemónio.
“E uma grande criação conjunta que pega nas rotinas do quotidiano e as transforma em linguagem coreográfica, quer com os corpos das pessoas, quer com os corpos das máquinas, de tudo aquilo que eles [trabalhadores] operam normalmente. Até das vassouras”, resume Marta que revela que nada fica esquecido.
“Desde pormenores mais pequenininhos como um apanhador, um sachinho. Até a um grande camião com um braço hidráulico que recolhe contentores. E há lixo, inclusivamente, que participa no espetáculo”.
A ideia, resume o diretor do festival Desejar, Hugo Cruz , é colocar as rotinas do trabalho em diálogo com a dança e com a música.
“É a possibilidade de trazer alguma poética para o nosso dia a dia e, principalmente, para as rotinas duras e que são muito invisíveis”, sublinha. Por isso, acrescenta, “o objetivo deste espetáculo também passa por entendermos que há um conjunto de pessoas que garantem o funcionamento de uma cidade e que, sem elas, a cidade não aconteceria todos os dias e da forma como acontece”.
E é a união da vida e da arte que serve de fio condutor para os quatro dias de festival em que participam 800 cidadãos e 60 artistas onde não há lugares definidos.
“O “Desejar” é um festival que não é um festival porque nos troca as voltas. Coloca as pessoas a quem estamos tradicionalmente habituados a ver noutros lugares”. Ou seja, “ficamos sem perceber muito bem quem cria e quem consome arte. Trocamos as voltas aos lugares de espectador e de quem está a criar”, aponta Hugo Cruz dando o exemplo da performance “Bloom&Doom” que envolve 28 alunos da escola básica e a italiana Catarina Moroni e a associação de moradores do Bairro social das Enguardas a estrear na quarta-feira.
“É um trabalho em que são as crianças que vão conduzir 28 adultos num percurso e vão dar a sua perspetiva e visão da cidade. É inverter novamente os lugares porque normalmente são os adultos que conduzem as crianças. Neste projeto vamos fazer exatamente ao contrário”, explica Hugo Viana.
Ao todo são 13 as criações que dão corpo de 10 a 14 de junho ao “Desejar”, um festival que diz não “querer ser um festival”, mas um “desafio” a transformar desejos em ações para uma “democracia mais cultural”.