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Reportagem Renascença

Calçada da Glória, uma semana depois. “É tristeza o que vai no meu coração”

10 set, 2025 - 10:34 • João Cunha

Uma semana depois do acidente com o elevador da Glória, há cada vez mais ramos de flores, cartas, mensagens e velas para lembrar quem ali perdeu a vida. E muitos, de coração apertado, retêm-se por minutos no local do acidente.

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Calçada da Glória, uma semana depois. “É tristeza o que vai no meu coração”
Ouça a reportagem do jornalista João Cunha na Calçada da Glória, uma semana depois do acidente no Elevador

São cinco e todos japoneses. Entre o grupo, uma mulher, católica, para no fundo da Calçada da Glória, junto aos Restauradores. Passa a mão na cara e faz o sinal da Cruz. De cabeça baixa, lá continua, junto ao gradeamento onde, nos últimos dias, dezenas de pessoas deixaram um ramo de flores, uma vela, uma carta ou um dos vários pequenos peluches - 16 como o número de vítimas mortais - presos num porta-chaves.

Ali ao lado, parte da parede exterior do Palácio Foz serviu para colar dois desenhos do Elevador da Glória, com mensagens dos autores. E letras, em madeira, coladas à parede, junto ao chão, onde se lê a palavra “saudade”. E lá está um outro monte de ramos de flores. Encostada à parede, uma foto de André Marques, o guarda-freio da Carris que seguia na cabine acidentada, com a mensagem “Até sempre”.

A oração termina. A mulher levanta a cabeça e junta-se ao resto do grupo, que se prepara para entrar numa das carrinhas com guias turísticos que, ali bem perto, se preparam para sair para visitas a outros locais do país, como Fátima.

Quem também decide parar, acender uma vela que trazia numa mochila e homenagear os que partiram foi Agostinho dos Santos. Em Portugal há vários anos, este brasileiro diz que trabalha ali bem perto, na encosta que liga a Avenida da Liberdade ao Bairro Alto. No dia do acidente saiu à hora de sempre, entrou no autocarro para casa e só quando chegou ouviu a notícia do acidente com o Elevador.

“É tristeza o que vai no meu coração. Tantas pessoas que se perderam. Sabemos que saímos de casa, mas se voltamos… só Deus sabe”.

Calçada da Glória  Foto: João Cunha/RR
Calçada da Glória  Foto: João Cunha/RR
Calçada da Glória  Foto: João Cunha/RR
Calçada da Glória  Foto: João Cunha/RR

Lamenta que os familiares e amigos das vítimas tenham de viver, para sempre, com a memória dos que morreram.

“Estamos sempre a recordarmo-nos dos entes queridos que perdemos, que é muito importante. É um sofrimento na vida das pessoas”.

Apressada a descer a Calçada, entretanto reaberta a peões, Zilda Ferreira saiu de casa, na zona do Príncipe Real, fez o percurso a pé até ao jardim de São Pedro de Alcântara e daí ganha coragem para descer a Calçada da Glória, até aos Restauradores.

Chegou a usar, várias vezes, o elevador, mas por vezes “conseguia chegar lá abaixo primeiro, sobretudo quando percebia que iam cheios e ia demorar a que todos saíssem”.

Desde o dia do acidente, que acompanhou nas televisões, há uma imagem – ou melhor, um som – que a tem perturbado.

“Eu não consigo dormir bem. Principalmente o choro daquele bebé (que na altura do acidente aparece ao colo de populares, que inicialmente tentaram ajudar as vítimas) não me sai da cabeça. Ainda mexe comigo”, garante, enquanto explica que também tem filhos e netos e que se emociona.

“Cada um de nós, que tem filhos e netos – ou mesmo que não tenha - ouve aquela criança e é impossível ficar indiferente”.

Pensa depois no que estarão a passar os familiares das vítimas.

“Eu já perdi o meu pai, a minha mãe, um irmão… Sei que dói muito. Mesmo. Agora imagina quem perdeu filhos. É horrível”.

Despede-se, a caminho do trabalho, quando um italiano, em Lisboa para uma reunião de trabalho, interrompe por momentos o “jogging” matinal para, também ele, se benzer e ter um momento de oração. Encharcado pela corrida e pela chuva, miudinha, que começa a cair, diz que acompanhou, ainda em Itália, a tragédia em Lisboa. E que agora que cá estava não podia deixar de passar pelo local que, só pelas imagens, o emocionou.

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