25 set, 2025 - 08:00 • Rita Vila Real
Ser cuidador informal de doentes com doenças raras é uma realidade que afeta a qualidade de vida, a saúde física e mental de quem tem por missão cuidar sem pedir nada em troca.
As conclusões são de um estudo realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública em parceria com a União das Associações das Doenças Raras de Portugal (RD Portugal).
Fátima Pereira é um exemplo de cuidadora informal que vive com a missão de apoiar os filhos que sofrem de uma doença rara, um percurso que, diz, cumpre "sem manual de instruções".
Tudo começou enquanto os seus filhos andavam na escola. "Foi mais ou menos a meio do primeiro ciclo", recorda Fátima.
"Depois de muitos exames", surgiu o diagnóstico de Síndrome de Sanfilippo, doença genética rara e progressiva que se reflete em danos neurológicos agravados e problemas físicos. "Pintaram-me um quadro muito grave. Disseram que o muito de vida que eles podiam ter era até aos 18, 19, 20 anos".
A partir desse momento, "cada dia tornou-se uma aprendizagem". Fátima diz que "cada coisa que acontecia" era algo de novo. "Íamos lidando com elas o melhor que se podia e o melhor que se sabia."
Quando descobriu a condição rara dos filhos, Fátima deixou de trabalhar para tomar conta deles. Conseguiram o apoio de uma CERCI, depois de passarem alguns anos na escola primária. "A partir daí, foi sempre viver em consultas", diz esta mãe, que se considera "uma sortuda" pelo facto de poder ter o apoio da CERCI durante o dia.
"Procuramos fazer neste intervalo em que eles não estão o que a gente tem a fazer, para, quando eles chegarem a casa, estarmos disponíveis a 100%", diz Fátima sobre o quotodiano do casal.
"Quando eles chegam a casa, a primeira coisa é mudar a fralda aos dois, depois é dar banho, depois é dar de comer na boca, a um e ao outro, e depois deitá-los", descreve a mãe-cuidadora.
"Quando chega à noite e correu tudo bem, chega aquela sensação de que está tudo descansadinho. Eles estão em paz, estão serenos", relata sem queixume.
Hoje, os filhos de Fátima têm 43 e 38 anos. "São duas pessoas adultas, mas são como dois bebés". Apesar de revelar viver uma situação complicada, Fátima encara "esta aprendizagem" de modo positivo, "Acima de tudo, é demonstrar o amor que a gente sente por eles, porque, quando amamos, procuramos dar o nosso melhor".
É com sentido de missão que Fátima deixa um apelo para famílias que atravessam situações semelhantes de cuidados constantes. Apesar dos "momentos de desânimo" é a fé que dá "força, garra, alento e ânimo" para continuar".



Fátima Pereira diz à Renascença que, ao longo do seu percurso, os apoios financeiros e sociais foram escassos. "Com as nossas poupanças, fizemos uma casa de banho adaptada e também compramos uma carrinha adaptada."
Investir em mecanismos para dignificar a vida dos filhos não é fácil. "Queríamos uma plataforma elevatória, agora. Temos uma cadeira elevatória na escadaria interior, mas já tem muitos anos e às vezes empanca a meio", lamenta.
Foi com o projeto "CuidaRaro", da RD Portugal, que Fátima começou a ter apoio durante as horas que está a cuidar dos filhos. Sofia é o nome da cuidadora que acompanha esta família durante a noite e pelas manhãs.
"Eu não consigo descrever o quão bom isto foi, porque é mesmo uma ajuda", diz Fátima com gratidão. "A minha vontade é que toda a gente que estivesse nesta situação conseguisse esta ajuda como eu."
O apoio de 20 horas semanais permite dar aos cuidadores informais tempo para poderem usufruir de momentos de que se vêm impedidos de viver tendo em conta os cuidados que têm de prestar.
Para poder compreender as necessidades dos cuidadores informais, a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa desenvolveu um estudo que revela que 72% das pessoas nesta situação revelam sintomas de ansiedade ou depressão e "mais de metade dos participantes reportava sobrecarga".
Estes dados são avançados à Renascença por Ana Rita Goes, investigadora que coordena o estudo, que reflete que os números mostram "um conjunto de manifestações que sugerem que este cuidado está a trazer desafios, dificuldades, impacto para o dia-a-dia destes cuidadores".
Os cuidadores são "maioritariamente progenitores", com idades "entre os 24 e os 80 anos" que "fazem uma avaliação da sua saúde inferior àquilo que encontramos em outros grupos da população portuguesa", diz a investigadora, que denota que 68% dos inquiridos queixa-se "de dor e desconforto físico".
"Aquilo que os cuidadores dizem é que estão esquecidos. Embora se assuma que a família vai ter este papel de cuidador, nós, a sociedade, esquecemo-nos que também é preciso garantir que o cuidador mantém condições para prestar esse cuidado", afirma Goes.
"As respostas são escassas e as que existem têm, tipicamente, longas listas de espera ou custos muito significativos para estes cuidadores e, para além disso, de acordo com estes cuidadores, muitas delas nem sequer são adequadas à sua realidade."
Às famílias que cuidam dos seus entes "fica a faltar é tempo para se dedicarem um pouco a si próprias sem a preocupação permanente da prestação de cuidados".