08 jan, 2025 - 23:04 • Susana Madureira Martins
O cardeal e bispo de Setúbal, D. Américo Aguiar, pede uma "reflexão profunda" aos deputados na véspera de o Parlamento discutir em plenário o alargamento da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
Em declarações à Renascença, D. Américo Aguiar reconhece que o Parlamento tem legitimidade para discutir todos os assuntos, mas alerta para uma posição que esteja do lado da "cultura da morte".
"Apelo à reflexão profunda dos deputados para entenderem se faz sentido estarmos a criar mais condições no caminho de uma cultura da morte, ou se não devemos, todos juntos, criar as condições de exceção para que ninguém se sinta na circunstância de um beco sem saída em que a única hipótese é a morte e a opção do aborto", afirma o bispo de Setúbal.
D. Américo Aguiar diz-se ainda "impressionado" com a quantidade de abortos efetuados em Portugal em 2023 e desde que a lei entrou em vigor, pedindo que o país dê alternativas às mulheres que ponderam a IVG.
"Fiquei impressionado com os últimos números. Em 2023, mais de 17 mil bebés não tiveram oportunidade de nascer, mais de 17 mil, e desde que a lei está em vigor são mais de 270 mil. O que me preocupa é uma sociedade que não é capaz de proporcionar as melhores condições a mães, a mulheres, a jovens, a adolescentes, a famílias, para que estas crianças possam nascer", critica.
Casa Comum
O antigo deputado social-democrata votaria contra (...)
O cardeal e bispo de Setúbal afirma que a sua posição "não é contra ninguém" e defende que tem de ser o Estado a garantir que "uma jovem, uma mulher, não se sinta coagida a tomar uma decisão grave como esta". D. Américo Aguiar conclui: "Quando olhamos para estes números estremecemos".
O ex-presidente da Fundação JMJ recorre à sua experiência como sacerdote para abordar o tema: "Na minha vida já conversei e acolhi dezenas e dezenas de mulheres, de jovens, que viveram esta circunstância e todas elas ficaram com cicatrizes no seu coração, na sua alma e na sua vida, ninguém encara com facilidade a vivência de uma situação de aborto".
O alargamento do prazo do aborto é discutido na sexta-feira, num debate potestativo proposto pelo PS, que pretende alterar o limite das atuais 10 semanas para as 12 para pedir a IVG. O Bloco de Esquerda e o PCP propõem que o prazo seja de 14 semanas.
Em sentido contrário, o CDS e o Chega apresentam projetos de lei que propõem o aumento da informação às grávidas durante o tempo de reflexão antes da realização do aborto.
Além dos socialistas e dos bloquistas, o PCP, a Iniciativa Liberal e o Livre devem votar a favor das propostas da esquerda. A Renascença apurou que o Chega e o CDS vão votar contra, o que significa que tudo está nas mãos do PSD, que sexta-feira de manhã vai ter uma reunião da bancada para definir esse tema.
A questão pode ser incómoda, uma vez que o PSD poderá impor a disciplina de voto, algo raro em matérias de consciência, mas que já aconteceu em 2015, quando o PS de António Costa apresentou a votação o fim das taxas moderadoras na IVG e a direção da bancada social-democrata impôs a disciplina de voto, na altura furada por uma única deputada laranja, a ex-ministra Paula Teixeira da Cruz, que, por ter votado ao lado da esquerda, sofreu um processo interno no Conselho de Jurisdição do partido.
Durante a campanha eleitoral para as legislativas de 2024, o presidente do PSD, Luís Montenegro, garantiu que não iria mexer na legislação do aborto, depois de Paulo Núncio (CDS), parceiro de coligação eleitoral, ter sugerido repetir o referendo à IVG. "Não vamos mexer na lei do aborto, é assunto arrumado. Nós não vamos ter nenhuma intervenção nesse domínio na próxima legislatura", disse o então líder da oposição, referindo ainda que a posição do centrista apenas podia "comprometer e vincular" o próprio.