14 jan, 2025 - 21:04 • Filipa Ribeiro
Fernando Paes Afonso, o antigo vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que esteve na instituição entre 2002 e 2005 e mais tarde entre 2011 e 2016, garante que nunca falou sobre o processo de internacionalização dos jogos.
Agora a viver no Brasil, Fernando Paes Afonso regressou a Portugal para estar na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da Santa Casa, onde deixou claro não ter dado início à expansão dos jogos sociais a nível internacional que é um dos pontos no centro da averiguação que o Parlamento quer fazer sobre a gestão financeira da Santa Casa. "Nunca houve nenhuma discussão sobre a internacionalização dos jogos", afirmou.
Questionado pelos deputados sobre a Santa Casa Global, criada com a expansão dos jogos para o Brasil por exemplo, Fernando Paes Afonso disse que desconhece a entidade e que só tomou conhecimento "pela comunicação social".
O antigo vice-provedor afirma ainda ter estado contra a liberalização dos jogos online, um processo que diz ter decorrido de acordos assinados entre o Governo de José Sócrates no tempo da troika.
De acordo com Fernando Paes Afonso, o Governo de José Sócrates indicou um valor de 500 milhões de euros no quadro do compromisso assumido com a troika, mas a sua posição foi sempre a defesa de "um modelo restritivo". Para o antigo responsável, a regulação para o jogo online "devia ser atribuída à Santa Casa da Misericórdia em regime de exclusividade".
Santa Casa da Misericórdia
O antigo primeiro-ministro e ex-provedor da Santa (...)
O antigo vice-provedor esclareceu que a decisão de a SCML não entrar no sistema de licença de jogo online foi uma decisão sua e "unanime da mesa", sobre a qual não se arrepende. "Foi a melhor decisão para o Estado português e para a Santa Casa", afirmou.
Fernando Paes Afonso explicou que foi contra a possibilidade da SCML requerer uma licença para operação online por "recear que com essa decisão, Portugal corresse o risco de perder ou de ter uma decisão negativa do Tribunal de Justiça da UE para justificar a manutenção do monopólio dos jogos sociais do Estado".
O membro da provedoria da Santa Casa recorda uma reunião que teve com Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro na época, sobre jogos online. Na altura, foi esclarecido de forma "transparente" as limitações que o Governo tinha "face aos compromissos assinados" com a troika. Posteriormente a esta reunião, Fernando Paes Afonso recordou que a Assembleia da República aprovou o chamado imposto especial do jogo online. "Nessa altura achava-se que o imposto tinha um percentual elevado para limitar a prática da expansão do jogo online, mas a lei acabou por ser alterada em 2017 e 2020 com a taxação a ser diminuída", sublinhou.
De acordo com Fernando Paes Afonso, em 2011 a situação financeira da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa era "relativamente equilibrada", no entanto aponta pormenores que já adivinhavam o futuro.
O antigo vice-provedor fala em dois cenários encontrados: "a tendência crescente dos jogos sociais e das vendas" e o "aumento de encargos" que resultou de uma "transferência da responsabilidade pelo Governo para a Santa Casa de cerca de 30 edifícios e mais de 680 funcionários" que, segundo Fernando Paes Afonso, tornaram a "gestão menos equilibrada e sustentável sobre a situação financeira para o futuro". O antigo vice-provedor confirmou desta forma parte do problema já referenciado por Pedro Santana Lopes na resposta por escrito.
Internacionalizações à parte, o antigo vice-provedor recordou as relações mantidas entre a Santa Casa e a SOJOGO em Moçambique.
Fernando Paes Afonso afirma que enquanto foi vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa "não havia nenhuma operação fora de Portugal".
O antigo membro da mesa da SCML começou por recordar que Moçambique era uma das províncias que tinha uma delegação do departamento dos jogos da Santa Casa antes da independência e que, posteriormente, o Governo decidiu manter a cooperação com os países de língua portuguesa sendo a SOJOGO - essa cooperação em Moçambique.
De acordo com Fernando Paes Afonso, a Santa Casa entrou com capital na SOJOGO ainda durante a provedoria de Maria José Nogueira Pinto. Na época foi entregue na SOJOGO máquinas para os jogos que já não serviam em Portugal.
No entanto, o antigo vice-provedor deu conta de que, quando tomou posse em 2011, a situação na SOJOGO era "muito difícil". Fernando Paes Afonso defendeu que o objetivo da participação de Portugal na SOJOGO não era trazer lucro para Portugal e que a operação nunca foi lucrativa. "Qualquer lucro que obtivesse seria aplicado em obras em Moçambique, infelizmente não foi possível obter lucros. A operação não era lucrativa", disse.
Fernando Paes Afonso chegou a confessar que enquanto vice-provedor a Santa Casa emprestou "uma garantia de 1 milhão de euros à SOJOGO" valor necessário para que fosse dado um empréstimo por um banco de Moçambique para se reequilibrar as contas.
O antigo vice-provedor esclareceu ainda aos deputados que enquanto assumiu a responsabilidade da SOJOGO em Moçambique, não recebia qualquer remuneração pelo cargo. "Nunca recebi nenhuma remuneração enquanto administrador da SOJOGO", afirmou
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA
Fernando Paes Afonso seria o primeiro a ser ouvido(...)
Questionado sobre o projeto para as apostas hípicas que terá custado de acordo com o jornal Público 8,4 milhões de euros e que não saiu do papel, Fernando Paes Afonso garante que enquanto esteve na provedoria da SCML "não foi investido um euros nas apostas hípicas".
O antigo vice-provedor esclareceu que deu início ao processo e a preparar as condições pra operar as apostas hípicas em nome do Estado, no entanto interrompei o mandato , em janeiro de 2016, durante o processo.
Na época, devido à mudança de Governo, Fernando Paes Afonso optou por colocar o lugar à disposição por considerar que ocupava um lugar de "confiança política" e a transição de governo de PSD para PS levou-o a tomar a decisão de sair da SCML.
O antigo vice-provedor lamenta ter sabido pela comunicação social a tentativa de contacto da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Tal como a Renascença avançou, a CPI teve dificuldades em contactar o antigo vice-provedor por indisponibilidade dos contactos fornecidos pela Santa Casa.
No início da audição que levou mais de quatro horas, o presidente da comissão parlamentar de inquérito, Tiago Barbosa Ribeiro, deu conta das dificuldades nos contactos, uma vez que os números facultados pela SCML não estavam atribuídos.
Fernando Paes Afonso estranhou. “Tive conhecimento da convocatória através da comunicação social e depois percebi que tinha havido uma grande dificuldade que estranho imenso em obter esses contactos uma vez que a minha residência é conhecida. A SCML tem os meus contactos", disse.
A Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da Santa Casa regressa às audições no dia 4 de fevereiro. De acordo com o planeado, Edmundo Martinho que foi provedor da SCML entre 2017 e 2023 é o próximo a ser ouvido, mas na qualidade de antigo vice-provedor.