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Entrevista

Adolfo Mesquita Nunes. “A multiplicação de partidos à direita não é positiva. E os moderados não têm espaço neste clima de antagonismos”

01 nov, 2025 - 09:59 • José Pedro Frazão

Assumindo-se como um liberal moderado, o antigo militante do CDS-PP parte da sua experiência de rutura com o CDS para arrancar uma reflexão de 443 páginas sobre como a Inteligência Artificial “está a transformar as democracias”. Em entrevista à Renascença, explica como viu nascer na direita “tiques da extrema-esquerda”.

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Adolfo Mesquita Nunes dedica as primeiras 50 páginas do seu livro “Algoritmocracia” a um contexto político baseado na sua experiência de desconforto e depois de abandono do CDS, em discórdia face a comportamentos e afirmações proferidas à direita.

Embora clarifique que não pretende fazer um balanço desse momento, acentua que a política como “conflito binário”, deixa moderados - como o próprio – em situação ‘apátrida’, cujos “discursos, posturas e poses” são também desvalorizados pelos algoritmos.


Escreve que foi na “geringonça “que se começou a cavar uma “linguagem de antagonismo” pela esquerda e houve depois uma reciprocidade da direita. No seu livro, fala da “direita fofinha”, dos moderados como “novos apátridas”. É mesmo uma reflexão pessoal ou pensa que a direita está também na base da realidade da “algoritmocracia”?

Na introdução do livro, explico porque é que esta preocupação me tocou particularmente, porque vi surgir no meu espaço político e dentro do partido em que era filiado, um certo movimento maniqueísta na tentativa de dizer quem eram os ‘verdadeiros e puros’ de direita - no caso, democratas cristãos. Mas as mesmas discussões identitárias acontecem todos os dias no PSD e na Iniciativa Liberal. Era um movimento de segregar a direita e descobrir quem é verdadeiramente de direita ou ‘está feito’ com a esquerda.

Eu próprio fui muitas vezes apelidado pelo ex-presidente do meu partido de ‘direita fofinha’, da ‘direita do Príncipe Real’, da direita que se dava com a esquerda, um sectarismo que estava habituado a ver na extrema-esquerda.

Escreve mesmo: “tiques da extrema-esquerda na direita”.

Totalmente. Cresci com a extrema-esquerda sempre a divertir-me imenso porque desdobrava-se em dezenas de partidos, cada um com a visão mais pura que o outro e sempre num combate sobre quem é que era o verdadeiro representante da classe operária.

À direita não havia disso. E começou a haver discussões identitárias em que qualquer pessoa que dissesse que o assalto ao Capitólio era algo que não se pode aceitar, levava com a acusação de que era colaboracionista da esquerda, que devia estar a bater em Hillary Clinton aquilo e não devia estar preocupado com Donald Trump. Quando isto começou a acontecer no meu espaço político, comecei a preocupar-me, à procura do que está a acontecer à minha direita, ao meu espaço político.

E onde é que está a direita moderada em Portugal?

Quando eu digo que os moderados são os novos apátridas, não é que eles não existam. Aliás, até acho que eles são em grande número. Acontece que, num quadro em que se definiu que devemos ser antagónicos, os moderados não cabem, não têm espaço. Um moderado que diga, ‘há partes da direita com razão, há partes da esquerda com razão’ ou ‘a direita até tem alguma razão, mas é preciso fazer aqui um consenso com a esquerda para termos aqui uma política pública’, é logo visto como fraco, cobarde. O CHEGA chama os outros partidos de “direita maricas”.

Mas essa moderação era o centro-direita.

O centro-direita era assim. Deixou de ser. No tempo em que eu comecei a sentir isto, começou a deixar de ser.

Não há centro-direita?

Claro que há. A partir do momento em que vemos a política como um conflito binário, os moderados acabam por ‘não ter pátria’, não são de ninguém. São demasiado ao centro para serem de esquerda, são demasiado ao centro para serem de direita e, portanto, não são de ninguém.

O algoritmo não valoriza aquilo que propõem os seus discursos, a sua postura e a sua pose. Se eu não disser um palavrão, se não humilhar, se não puser fotografias de uma deputada negra e não a insultar, se não chamar de racista a torta e direita aos outros, eu não apareço.

E, portanto, mesmo que o espaço político destes moderados exista, começa a minguar do ponto de vista da sua representatividade mediática. Ele pode ainda existir nos meios de comunicação tradicional, mas o espaço da sensatez começa a desaparecer nas redes sociais

Esse espaço, tradicionalmente, foi ocupado pelo PSD, até em soluções governativas. Na verdade, até o CDS fez uma aliança com o Partido Socialista. Freitas do Amaral costumava dizer que esteve sempre no centro, os outros é que estavam a mudar.

Se esse espaço já não é protagonizado por nenhuma força política, não há um espaço para uma força política dessas?

Não queria entrar em política nacional, mas há uma coisa que posso dizer. A multiplicação de partidos está a acontecer, não só em Portugal. Aliás é visível nas eleições presidenciais, onde é a primeira vez, se não estou a erro, que a direita se desdobra em candidatos presidenciais.

A esquerda tinha sempre vários candidatos. À direita, neste momento, temos umas eleições presidenciais muito abertas, porque há muitos candidatos. Há uma pulverização de partidos que surgem porque determinado partido é demasiado social e pouco liberal. E depois, dentro do partido liberal, há uns que dizem que são liberais e outros não são liberais a sério. Já há não sei quantos partidos com o nome liberal.

Esta corrida à pureza ideológica, de achar que cada partido tem de ser 100% coerente, e se tem de ter uma resposta única, inequívoca às coisas, esta pulverização de partidos não é boa.

À partida podíamos achar que era, porque quantos mais partidos, mais visões diferentes da sociedade, por exemplo. Só que são visões excludentes umas das outras.

Nas bolhas, como descreve nos algoritmos?

São visões excludentes, não para somar. E por isso disse já várias vezes que nunca houve tantas forças políticas à direita e eu nunca estive tão órfão.

Explica-se porque serei demasiado social para um partido, demasiado liberal para outro e não estou em lado nenhum. Sou o fruto de muitas circunstâncias e acredito que boa parte do eleitorado também o é. Acho que nenhum eleitorado, quando vai votar, está a pensar, se é 100% democrata cristão ou 20% social-democrata.

As pessoas votam pela adesão a um programa, a um partido, a um líder, a um carisma. Portanto, a única coisa que posso dizer relativamente a isso - não queria falar da política partidária - é que a pulverização de partidos, quando tem esta vocação excludente e identitária, de cada um querer representar a 100% a pureza de uma corrente, não é positiva.

E depois dificulta consensos, dificulta maiorias, faz com que os partidos tenham de se realçar mediaticamente atacando os do lado, não o adversário.

Nem os algoritmos ajudam?

Pelo contrário, os algoritmos aqui potenciam este género de discurso. As direções partidárias são profundamente impactadas pelos ‘bots’ falsos e que surgem diariamente sempre que um político diz A. E temos uma quantidade de ‘bots’ a dizer: ‘vou-me desfiliar, esse partido já não me representa, vou para o partido do lado’. E começam as discussões internas nos partidos a saber o que é que estamos aqui a fazer e como é que vamos gerir este descontentamento puramente fabricado com ‘bots’, na maior parte dos casos.


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