20 jan, 2016 - 12:32 • Maria João Costa , Joana Bourgard (fotos e vídeo)
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Bandeiras, som, acção. Aqui nada falha. A prática das máquinas dos partidos faz com que os comícios decorram de acordo com o guião. Palcos preparados, música, grandes ecrãs. Tudo segue o roteiro para um bom filme de campanha. Além dos protagonistas (os candidatos presidenciais, claro), há também personagens secundárias, mas importantes para o argumento.
Os líderes do PCP e Bloco de Esquerda marcam presença, assim como toda a família partidária. Na campanha para as eleições presidenciais, Edgar Silva e Marisa Matias contam nos bastidores com as máquinas partidárias bem oleadas e acabadas de sair das legislativas e com o saber fazer dos respectivos partidos.
São os únicos candidatos presidenciais que têm atrás de si, declaradamente, as máquinas partidárias. E os únicos candidatos presidenciais que tiveram ao seu lado os líderes partidários na primeira semana de campanha.
A candidatura chamou-lhe um “megacomício”. No cinema São Jorge, em Lisboa, Marisa Matias juntou cerca de 1.200 pessoas, no final da primeira semana de campanha. Alguns militantes e simpatizantes chegaram de autocarro.
João Semedo, Catarina Martins, José Manuel Pureza ou Pedro Filipe Soares estiveram lá, mas a candidata contou também com apoio estrangeiro. De Espanha veio Pablo Iglesias. O líder do Podemos afirmou que “faz falta que, na Presidência da República, haja alguém que se pareça com as pessoas normais. Os portugueses e as portuguesas precisam de uma Presidente que se pareça com eles”.
Alguém como Marisa Matias, claro está: “Marisa tem algo mágico, nós, pessoas normais caminhamos, a Marisa avança”.
Um dia depois, Edgar Silva tem o seu grande comício também na capital. Os apoiantes chegam de autocarro ou a pé ao Centro de Congressos de Lisboa. “Seis mil”, uma "impressionante moldura humana", afirma o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa.
À entrada todos recebem um envelope branco. É pedida “uma contribuição para a campanha de Edgar” e o envelope tem como destino um saco vermelho. É a máquina do partido a funcionar. Em cada cadeira, os apoiantes têm também à sua espera uma bandeira portuguesa e outra da candidatura de Edgar Silva, prontas a serem agitadas.
Nos discursos de Marisa Matias e Edgar Silva, há muitos pontos em comum. Ambos falam da “fatalidade” para sublinharem a necessidade de uma viragem de página em Belém. Para qualquer um dos candidatos não há vencedores à partida. Com críticas a Marcelo Rebelo de Sousa, os dois candidatos presidenciais olham para estas eleições como mais uma oportunidade para afirmar os seus partidos.
Edgar Silva diz que os portugueses não estão "condenados a ter uma vida azeda, de dificuldades, injustiças e desigualdades. Não pode ser uma fatalidade”. Marisa Matias recusa esta mesma fatalidade. E assegura: "tudo está em disputa", "não é um fado.”
Os discursos em sintonia repetem também duas outras expressões. Quando se referem ao resultado das eleições legislativas, Edgar e Marisa evocam um “novo ciclo político” e “sementes de esperança” .
No São Jorge, Marisa Matias falou de “uma Constituição ilegal” dos “donos disto tudo” e apontou oito motivos para seguir a lei fundamental portuguesa.
Já no Centro de Congressos de Lisboa, Edgar Silva escolheu nove grandes marcas da sua candidatura. Em discursos de quase 30 minutos, os dois candidatos presidenciais jogam as últimas cartadas para a derradeira semana de campanha.
Cova da Moura. Em campanha onde muitos não podem votar
Abraços e beijinhos na caça ao voto. É sempre assim em todas as campanhas e Edgar e Marisa não escapam à regra. Tentam conquistar o eleitorado olhando-o nos olhos. E as caravanas de campanha, separadas por 24 horas, pisaram o mesmo terreno.
Saíram do asfalto e foram a pé percorrer as ruas da Cova da Moura, bairro conhecido da Amadora pela forte presença de imigrantes africanos e que normalmente salta para as notícias pelas piores razões, normalmente ligadas à criminalidade.
Primeiro, foi Edgar Silva que visitou um bairro que, afinal, já não lhe era estranho. "Há 28, 29 anos passei uns dias aqui a trabalhar com uma associação [Moinho da Juventude], a preparar um intercâmbio de projectos para começar numa escola da Madeira”, diz.
O candidato, que tem feito do combate à pobreza uma bandeira de campanha, almoçou cachupa entre as gentes da Cova da Moura.
No dia seguinte, foi Marisa Matias quem visitou a Moinho da Juventude, na Cova da Moura. A caravana entrou no bairro e a candidata ouviu os sonhos da responsável da associação, que quer construir uma creche maior.
Interrompeu uma aula onde homens e mulheres de diferentes idades aprendem a escrever e ouviu uma mulher dizer-lhe: “Se Deus quiser, vai ganhar”.
Das crianças nas ruas de terra batida, Marisa ouviu uma delas chamar-lhe “Ó senhora próxima!”. Uma pergunta para a Marisa Presidente da República: "Também vais ser presidente da Cova da Moura?”
Mas este é um território onde muitos não votam. Depois da caravana de Marisa Matias partir, Flávio Almada, da Moinho da Juventude, explica-nos: “Muitos dos jovens aqui, com 34, 35 anos, não podem votar. Não têm nacionalidade. O Estado de direito está em causa porque os jovens não podem votar."
Denúncias à parte, ambos os candidatos enalteceram o papel exemplar desta associação da Cova da Moura. Edgar Silva diz que “a erradicação da pobreza continua a ser um desafio”. Já para Marisa Matias "houve um agravamento muito grande das desigualdades e isso ficou esquecido do roteiro da Presidência". "Falhou claramente a ajuda do Presidente”, acusou a candidata.
As geografias e o perfil dos candidatos
Marisa Matias e Edgar Silva não são nomes estranhos ao meio político. Ela é eurodeputada eleita pelo Bloco de Esquerda, ele foi deputado regional na Madeira eleito pelo PCP. Militantes assumidos, dão a conhecer-se ao eleitorado na campanha presidencial nas ruas, em comícios, mas também através de um vídeo transmitido nos grandes eventos de campanha.
Na rota das acções da corrida presidencial estão também as geografias e os terrenos onde são bem conhecidos. Apesar de Edgar Silva ser da Madeira, foi Marisa Matias quem começou a campanha na ilha atlântica.
Ao seu lado, Marisa teve a porta-voz do Bloco de Esquerda, Catarina Martins. O distrito de Coimbra, de onde Marisa Matias é originária, é também um dos pontos fortes de passagem da campanha presidencial. Já lá esteve a 14 de Janeiro em comício e é lá que vai terminar a campanha na noite de sexta-feira, dia 22.
Já Edgar Silva começou a campanha oficial no Porto com um comício que contou com a presença de Jerónimo de Sousa. Mas no dia seguinte, a 11 de Janeiro, voou até à Madeira, território onde conhece bem o seu eleitorado. Foi a única passagem pelo arquipélago onde nasceu.
O resto da campanha passa por geografias onde o eleitorado do PCP tem forte implantação. Desde logo o Alentejo: andou por Serpa, Arraiolos e Moura, mas também Silves, no Algarve, onde o partido reconquistou a autarquia local depois de 20 anos de PSD, ou ainda Loures, onde elegeu o comunista Bernardino Soares.
Neste périplo pelo país, Edgar vai tomando o pulso ao partido que o apoia nesta campanha.