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Humor

"Grotesca" e "impensável". Humoristas portugueses criticam condenação de comediante brasileiro por piadas "preconceituosas"

09 jun, 2025 - 21:11 • João Pedro Quesado

Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses de prisão por piadas que a justiça brasileira considerou "depreciativas e injuriosas". O contexto de "descontração e diversão" foi apontado pelo tribunal de São Paulo como agravante.

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Ricardo Araújo Pereira considera a condenação de um humorista brasileiro a oito anos de prisão "grotesca"; para Bruno Nogueira, é "impensável". Léo Lins foi condenado, na semana passada, a uma pena de oito anos e três meses de prisão por fazer piadas "preconceituosas" num espetáculo de stand-up realizado em 2022 que já tinha sido removido do YouTube por decisão da justiça do Brasil.

Na sentença do tribunal de São Paulo, citada pela Globo, a justiça considera que o espetáculo "Perturbador" tem "declarações depreciativas e injuriosas contra as pessoas idosas, gordas, portadoras do vírus HIV, homossexuais, judeus e negros, inclusive exaltando o período da escravatura como época em que negros gozavam de privilégios".

"O humor não pode servir como passe-livre para a prática de crimes", afirmou a juíza Bárbara de Lima Iseppi. O alcance obtido pelo vídeo do espetáculo no YouTube, a diversidade dos grupos considerados atingidos e o facto de as piadas terem sido proferidas "em contexto de "descontração e diversão"" serviram de agravantes da sentença.

No podcast "Humor à Primeira Vista", do jornal Expresso, Ricardo Araújo Pereira considerou a sentença "grotesca a um ponto inimaginável" e "própria de regimes não democráticos".

"A gente pode tentar imaginá-lo no palco, e fazer vários julgamentos sobre a piada... Tem graça, não tem graça, é boa, é má, mal construída, bem", aponta o comediante, acrescentando ter "muita dificuldade em compreender" que seja considerada "criminosa", "justamente por causa de ser discurso não-sério", o que afirma ser "decisivo".

Ricardo Araújo Pereira explica ainda que "está subjacente, muitas vezes, às piadas, e especialmente às piadas de humor negro", um raciocínio em que as piadas "não são sobre o que aparentam ser".

"O que está subjacente à piada é 'viste, quando tu pensavas que eu ia dizer uma coisa sensata, eu disse uma coisa inadmissível'. Ou 'viste como eu, sob uma capa de um raciocínio pretensamente lógico, tirei uma conclusão que é horrorosa'", afirma o humorista, criticando ainda a "ideia de que tu começas a rir de uma piada e acabas a matar", que diz não ter "grande adesão à realidade, porque os assassinos não costumam ser pessoas muito risonhas e galhofeiras".

Ricardo Araújo Pereira critica ainda o uso do contexto em que as piadas são feitas como agravante. "Ou seja, se ele estivesse a falar a sério, seria menos grave", critica.

"Se abrimos essa porta, estamos mal"

Bruno Nogueira segue o mesmo raciocínio, considerando "impensável a ideia" de ir para a cadeia por "estar em cima de um palco a dizer piadas". "Acho que ninguém que está em cima de um palco a fazer 'stand-up' deve ser preso pelas piadas que está a fazer", declara o humorista, avisando que, "se abrimos essa porta, estamos mal".

No podcast semanal "Isso não se diz", o comediante questiona "onde está a linha" e afirma que "estar em cima de um palco faz com que a coisa necessariamente tenha que ser vista por outros olhos".

Em conversa com Nuno Markl, Bruno Nogueira questionou como seria se um humorista com piadas como as de Léo Lins defendesse posições discriminatórias, homofóbicas e racistas, ao que Markl respondeu que, nesse caso, "é quase como se, sem deixar de ser um espetáculo de comédia, deixa de ser um espetáculo de comédia, porque é aquele tipo que sobe a um palco para veicular de uma maneira galhofeira as suas crenças que são horríveis".

Antes disso, Nuno Markl referiu o exemplo de "South Park", uma série animada de comédia caracterizada por piadas negras, profanidade, humor surreal e sátira de vários assuntos.

"O South Park não tem muito prestígio. Houve algumas fúrias que o South Park suscitou, mas nunca a um ponto de ser cancelado", aponta Markl, referindo depois que "há uma espécie de um contrato tácito entre o espetador, o Trey Parker e o Matt Stone [os criadores da série], em que, quando entras ali, estás num outro universo, e estás no universo onde a tua própria expetativa é que eles sejam o mais brutos possível com toda a gente".

Na sentença, a juíza afirma que "o exercício da liberdade de expressão não é absoluto nem ilimitado, devendo se dar em um campo de tolerância e expondo-se às restrições que emergem da própria lei", e sublinha que "no caso de confronto entre o preceito fundamental de liberdade de expressão e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, devem prevalecer os últimos".

Em maio de 2023, a justiça brasileira já tinha decidido a remoção, do YouTube e outros sites, do espetáculo de stand-up "Perturbador", que levou agora à condenação de Léo Lins.

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  • Maria
    09 jun, 2025 Palmela 23:24
    Os portugueses que vao pondo as barbas de molho!

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