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Dia Internacional para a Eliminação da Violência Sexual em conflitos

"Esta estratégia de guerra é particularmente devastadora. Destrói famílias", afirma investigadora

19 jun, 2025 - 08:45 • Redação

A data foi criada pela ONU para marcar um ponto de viragem na consciência global sobre esta questão. Alguns exemplos são violação, escravidão sexual, prostituição, gravidez, aborto e esterilização e casamentos forçados.

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Teresa Almeida Cravo, professora de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra e autora do artigo "A violência sexual em conflitos: Quebrar o silêncio e a indiferença", disse à Renascença que, apesar de continuar a ocorrer no século XXI, "do ponto de vista histórico, a violência sexual em conflitos tem sido empregue sistematicamente e em massa em várias situações".

A 19 de junho assinala-se o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Sexual em Conflitos. A data foi criada pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 2015, e serviu como um ponto de viragem na consciência global sobre esta questão.

Entre outras formas, de gravidade comparável, estão a violação, a escravidão sexual, a prostituição, a gravidez, o aborto e a esterilização e casamentos forçados, perpetradas contra mulheres, homens, raparigas ou rapazes, que estejam direta ou indiretamente relacionados com um conflito.

Quando se fala nesta questão, há conflitos em que se regista um elevado número da utilização desta estratégia, mas a maioria das pessoas pensa na Segunda Guerra Mundial. Neste exemplo há o contexto das mulheres coreanas que foram erradamente conhecidas como "mulheres de conforto" - termo que serve para encobrir o que foi, na realidade, uma forma de escravatura sexual imposta pelo exército japonês a "milhares e milhares de mulheres".

Contudo, houve conflitos mais recentes em que esta questão esteve muito presente. Como exemplo são o genocídio na Ruanda, em 1994, a situação na Bosnia- Herzegovina no contexto da guerra dos Balcãs, também na década de 90, ou até na República Democrática do Congo, Sudão, na Síria, no Iraque sobre domínio do ISIS e o conflito do Myanmar, utilizado pelo próprio exército. "Infelizmente a lista é enorme e são vários os conflitos que nos ocorrem", salienta Teresa Almeida Cravo.

É, no entanto, importante referir que esta estratégia de guerra não está limitada a estes conflitos onde há maiores registos, já que um dos problemas desta questão é que ela força o medo e a força, o que implica que não se conheçam muitos dos casos. Assim, a docente da Universidade de Coimbra, salienta que "quando se fala de estatísticas, tem que se ter cuidado com a forma como se fala das mesmas, porque são elas que vão visibilizar alguns casos e invisibilizar outros".

A posição do Estado e o que se pode fazer

Em vários destes exemplos, a especialista aponta que o aparelho do Estado está diretamente envolvido nestes casos e, neste sentido, é ele o perpetrador. Assim, a responsabilização tem que vir de cima, já que é este que tem que ser travado e é importante garantir que não há impunidade.

"A forma de agir aqui é dupla no sentido do aparato legal para efeitos de quebrar a impunidade, e, portanto, haver uma clara responsabilização dos atores que são, que cometem estes crimes. E depois a outra linha na frente, que tem a ver com o tal apoio centrado nas e nos sobreviventes da violência sexual em conflitos e que tem a ver com criar todo um aparato do ponto de vista de serviços que permita não só lutar contra este flagelo, como de alguma forma ajudar a ultrapassar o trauma que isto causou às pessoas que o sofreram", esclarece.

À Renascença, Júlia Garraio, investigadora do Centro de Estudos Sociais, criticou a forma como o debate tem sido conduzido e como os meios de comunicação têm atuado.

"A partir do momento em que uma sociedade entra em guerra, aumenta a violência sexual e os media só contabilizam isso. A violência sexual em conflitos está muito associada à arma de guerra, então o que se vai procurar é quando está a ser utilizada? Acha-se que uma guerra é só isso é há outros contextos em que se verifica a violência sexual, como a prostituição forçada ou o ataque aos direitos reprodutivos das mulheres", refere.

Neste sentido, Júlia Garraio apela à comunicação social para que não resuma a violência sexual a estes casos sendo que, na sua perceção, estes não são a maioria. Defende ainda que, de forma a minimizar o problema, o Governo deve plicar a legislação - "ela não serve apenas para estar lá" e deve tornar acessível ao cidadão "a relação que existe entre guerra e a violência sexual".

Já Teresa Almeida Cravo realça, ainda, a importância de se dizer que este tipo de violência não é um dano colateral, mas uma arma de guerra.

"Esta estratégia de guerra é particularmente devastadora, ela destrói famílias, desintegra comunidades e deixa cicatrizes psicológicas muito profundas que perduram no tempo, que atravessam gerações", afirma a investigadora.

Sendo que, nestes contextos, a violência sexual surge como uma estratégia deliberada de "terror, de punição, de humilhação", que é utilizada de forma a alcançar objetivos políticos e militares, quando se chama a atenção para esta questão é com o objetivo de deixar claro que este tipo de estratégia é deliberada.

Desta forma, ao marcar-se esta data, é no sentido de transcender a mera condenação, de reconhecer a verdade das e dos sobreviventes e, acima de tudo, de "afirmar um compromisso internacional com a necessidade de justiça e de se fazer justiça em relação a estes dados", acrescenta Teresa Almeida Cravo.

O 19 de junho serve ainda para marcar a importância das pessoas que estão na linha da frente desta questão e para proporcionar um apoio centrado neste tipo de casos, não só ao nível de assistência médica, como também na restauração da dignidade e da esperança das vítimas de violência sexual em conflitos

A professora da Universidade de Coimbra ressalva a importância de valorizar o trabalho silencioso desenvolvido pelos profissionais em hospitais e centros de acolhimento, que estão no terreno a combater, de forma ativa, este flagelo.

Ainda, é fundamental destacar o papel relevante da igreja católica para com os sobreviventes desta violência.

"Quando nós pensamos nos hospitais e nos centros de acolhimento, temos que pensar no trabalho de freiras, de leigos, de profissionais que estão ligados à igreja católica, que têm esse papel ativo no terreno e, portanto, os hospitais nacionais e os centros de acolhimento que são geridos pela igreja católica, recebem muitas vezes e são muitas vezes os primeiros a receber os e as sobreviventes de violência sexual em conflitos", afirma a especialista.

Além disto, do ponto de vista doutrinal, a igreja católica detém de uma preocupação especial e uma obrigação moral no sentido de apoio a estas pessoas.

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