Futebol feminino

Tatiana Pinto: “O futebol é agridoce. Ganhas, perdes, e quando perdes custa mais, mas tens sempre uma oportunidade a seguir"

28 mar, 2024 - 10:00 • Inês Braga Sampaio

A média internacional portuguesa esteve à conversa com a Renascença sobre o novo rumo que deu à carreira, a importância de um desafio e o quão agridoce é o futebol.

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Entrevista a Tatiana Pinto, internacional portuguesa do Brighton

Tatiana Pinto não gosta de se sentir confortável. Gosta de se desafiar, de se colocar à prova, assume-se "muito ambiciosa" e procura "sempre algo mais". Foi por isso que trocar o Levante, de Espanha, em que era uma das estrelas da equipa, por toda uma nova experiência no Brighton & Hove Albion, de Inglaterra, uma liga menos talhada para as suas características, foi "uma decisão muito fácil".

"Eu sentia que em Espanha as coisas estavam a ficar fáceis para mim. E pensei, 'não, tens mesmo de sair daqui'. E eu sei que aqui a dificuldade ia ser muito maior, porque o jogo é muito mais físico, mais de transição, não é tão pausado. Eu sabia que ia colocar-me à prova todos os fins de semana, isso era lógico, mas era isso que eu queria, era mesmo isso", explica, em entrevista à Renascença.

A média internacional portuguesa, de 30 anos – celebrados esta mesma quinta-feira, 28 de março –, está feliz com a opção que tomou. O arranque de temporada foi difícil, no entanto, a equipa espevitou com a chegada de um novo treinador, que conhece bem o Brighton masculino, uma das equipas da moda.

"Com este treinador, talvez a minha qualidade individual sobressaia um bocadinho mais, porque é um jogo mais apoiado, de associação, de encontrar a terceira jogadora. E, claro, isso é como eu gosto, é estar na minha praia."

É a segunda vez, em menos de um ano, que Tatiana Pinto se senta à conversa com Bola Branca. A primeira foi no podcast de futebol feminino "Olhá Bola, Maria", quando o novo rumo ainda estava por definir e o Mundial ainda era futuro. Tanta coisa mudou desde julho, contudo, não faltaram novos temas para abordar.

Podemos começar precisamente pelo que mudou desde que falámos pela última vez. Entretanto, disputaste o Mundial por Portugal, com uma prestação histórica [primeira vitória], e juntaste-te ao Brighton. Na altura, tinhas acabado de sair do Levante, de Espanha. Tinhas-nos dito, em julho, que o mais importante para ti era escolher uma equipa em que sentisses que encaixavas e em que serias feliz. O que é que viste no Brighton que te proporcionaria isso?
Acima de tudo, aquilo que me motivou a aceitar este projeto foi, realmente, aquilo que o clube idealizava para a equipa feminina, que tem objetivos grandes, um deles era estar no "top-4" da Liga Inglesa. Sabemos que é muito difícil, não é para já, já, já, mas é realmente um projeto ambicioso e que nos dá e oferece todas as condições que uma profissional de futebol deve e merece ter. E foi muito por aí que teve tanta importância vir para cá, foi mesmo muito por aí.

E tens razão, nesse sentido eu sou muito transparente, eu movo-me muito pelo projeto, não sou aquele tipo de jogadora que se mova pela parte financeira. Obviamente, e não vou mentir, que essa parte é muito importante, mas para mim o essencial é eu estar bem no contexto onde estou e sentir-me bem e feliz com a decisão que tomei.

Chegaste já com a época em andamento, ou seja, ainda tiveste de fazer trabalho de pré-época. Mas, agora, nos últimos jogos, ganhaste um lugar, tens também contribuído para as vitórias da equipa. Já tens quatro golos e uma assistência. Como é que está a ser, então, a tua experiência no Brighton, para já?
Ao início, como podes ver, a nossa época não correu, ao início, como esperávamos. Tivemos ali resultados um pouco... indesejados, digamos. Mas lá está, houve algumas mudanças no clube, faz parte do futebol, nós também temos de estar preparadas para isso e adaptar-nos rapidamente. Neste momento temos um treinador interino que veio já da estrutura do clube, portanto é uma pessoa muito humana, tenta retirar de todas as jogadoras o melhor delas e, realmente, consigo reconhecer que o Mikey [Harris, que substituiu Melissa Phillips] está a fazer um grande trabalho.

A nível individual, sim, talvez me tenha conseguido encontrar na ideia de jogo dele, que se encaixa muito bem naquilo que eu sou individualmente, e quanto mais puder fazer para ajudar a equipa, pelo menos, a terminar a época melhor do que aquilo que começou, para mim já é uma vitória e é isso que tenho em mente até ao final desta época.

Ia perguntar precisamente sobre isso. Em que sentido é que a mudança de treinador, em fevereiro, foi benéfica para ti, taticamente e pelo teu estilo de jogo?
Acima de tudo, porque o Mikey tem ideias muito claras, muito simples, muito fáceis de perceber. Também já vem da estrutura do clube, sabe e conhece a ideia do jogo do Brighton masculino, que é uma ideia de jogo que nós efetivamente também queremos ter, mas estávamos a ter mais dificuldades. Faz parte, cada treinador tem o seu estilo de jogo. Nenhum é pior ou melhor, são diferentes, e nós também temos de ter essa capacidade de nos adaptarmos a diferentes estilos de treinadores.

Mas, lá está, com este treinador, talvez a minha qualidade individual sobressaia um bocadinho mais, porque é um jogo mais apoiado, de associação, de encontrar a terceira jogadora. E claro, isso é como eu gosto, é estar na minha praia. É sentir-me cómoda, não no sentido literal da palavra, mas sentir que percebo aquilo que ele quer e consigo meter em prática. Portanto, para mim, a nível individual, tem sido bastante bom.

A nível coletivo, também acho que há grandes mudanças, para melhor, obviamente. Estamos, realmente, a conseguir resultados melhores, já saímos de uma zona que estava complicada, portanto, temos um bocadinho mais de ar, digamos assim. Depois, isto é tudo muito competitivo, como tu sabes. Nós ganhando um jogo, possivelmente, na próxima semana já estamos em sétimo. E se continuarmos a ganhar, até conseguimos aspirar ao sexto, portanto, a competitividade é tão grande que, perdendo um, ganhando outro, as coisas podem mudar drasticamente na tabela. Isso também é o giro de estar aqui e é um desafio bastante grande.

De facto, a Liga Inglesa é das mais competitivas que há. Tinhas interessados de outros países, mas optaste por regressar a Inglaterra. Este regresso também terá sido uma forma de provares a ti mesma – e a outros, quiçá – que tens, efetivamente, qualidade para singrar aí? Já tinhas tido uma experiência aí [Bristol City, de 2015 a 2016] que não foi tão boa como esta agora está a ser.
Eu não diria que... É assim, nada daquilo que eu faço é para provar o que quer que seja aos outros. Para mim, a coisa mais importante sou eu, aquilo em que eu acredito, os meus ideais, os meus valores e os objetivos que eu quero atingir. E eu sempre os tive muito claros. E quando tomei a decisão de sair de Espanha para a Inglaterra, foi porque eu sentia que em Espanha as coisas estavam a ficar fáceis para mim. E pensei, "não, tens mesmo de sair daqui". E eu sei que aqui a dificuldade ia ser muito maior, porque o jogo é muito mais físico, mais de transição, não é tão pausado. Eu sabia que ia colocar-me à prova todos os fins de semana, isso era lógico, mas era isso que eu queria, era mesmo isso.

Para mim, foi uma decisão muito fácil vir para cá e sair desse conforto que eu tinha em Valência. E que tinha, estava muito bem. Mas, lá está, quando tu tens na cabeça que sentir conforto é desconfortável... Eu, pelo menos, procuro sempre algo mais. E acho que é isso que também me caracteriza enquanto jogadora e pessoa. Sou bastante ambiciosa e isso não escondo a ninguém. Para provar aos outros, não faço as coisas... A minha carreira não é regida por isso. E provar a mim... talvez, eu sou uma pessoa que se dedica muito ao dia a dia, ao processo, eu sabia que aqui ia encontrar muitas dificuldades, mas também estava preparada para aquilo que iria encontrar e, para já, as coisas estão a correr bem.

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"O futebol é muito agridoce. Ganhas, perdes, ganhas, perdes, e quando perdes custa mais, mas tens sempre uma oportunidade a seguir de fazer melhor. É a isso que temos de nos agarrar."

Já falaste um pouco disto: o jogo mais associado vs. um jogo mais de transição. Além dessa, quais são para ti as grandes diferenças entre as duas ligas, que são duas das melhores do mundo? E também como é que é para ti viver em Espanha vs. Inglaterra? São dois países muito diferentes, a começar pelo clima.
Sim, podemos começar por aí. Valência é uma cidade espetacular. O clima é muito bom, é quente, tem ali um clima algo tropical, digamos. Temperaturas muito altas, a cidade é pequena mas é espetacular, a própria cultura é muito parecida também com a nossa cultura de Portugal, portanto, eu sentia-me mesmo em casa.

Aqui, o clima é muito diferente e não nego que isso afeta emocionalmente muitas das vezes, porque estou habituada a sol, ao mar... Pronto, é o normal. E aqui é um bocadinho complicado. Há dias que me custam um bocadinho mais do que outros por isso mesmo, por sentir muito a falta do sol, de luz, desse calor. Faz-me muita diferença, mas pronto, não se pode ter o melhor dos dois mundos.

Sobre as principais diferenças entre Espanha e Inglaterra, eu diria que, neste momento, em Espanha, tens uma luta pelo título a solo. A prova disso foi o resultado do Real Madrid-Barcelona, esta semana [3-0 para as catalãs]. O Real Madrid, para mim, é uma excelente equipa, mas acho que não mostra ou não tem a qualidade coletiva que deveria ter, na minha opinião, para um clube da dimensão que é o Real Madrid. Portanto, ainda que o resto da liga seja super competitiva, porque é, há muita qualidade ali, o Barça tem uma luta a solo. Eu acho que isso acaba por ser um bocado desmotivador.

Enquanto que aqui as coisas já são muito mais renhidas, mesmo os últimos classificados conseguem ir a um Chelsea, a um Arsenal, a um City bater-se olhos nos olhos. Essas equipas, para ganharem às outras equipas, têm de ter realmente um bom dia, porque, a qualquer momento, em qualquer transição, podem sofrer um golo, podem colocar o jogo muito mais complicado. E lá está, acho que essas são as grandes diferenças.

Depois, claro, tudo o que está à volta da liga, não é? A liga é completamente profissional, os jogos são todos em relvado, muitas das vezes nos estádios das equipas masculinas. Aqui tem-se feito muito isso, ainda este fim de semana, contra o Leicester, tivemos o privilégio – apesar de sermos equipa visitante, para nós também é um privilégio jogar neste tipo de campos – [de jogar] no King Power. Saiu a notícia de que agora em abril vamos jogar no Amex [estádio do Brighton] contra o Everton, também vai ser uma experiência espetacular. Já tivemos essa oportunidade, mas vamos ter agora outra oportunidade em que podemos fazer as coisas de forma diferente, com os nossos adeptos. Pronto, acho que essas são realmente as grandes diferenças, que depois acabam por ter um impacto muito grande naquilo que são os resultados e o sucesso da própria liga.

Agora, passamos à seleção. Estiveram no Mundial, fizeram história. Foi uma performance positiva, mas depois contrastou com a performance na Liga das Nações, em que falharam o objetivo de se manter na Liga A. Como é que foi lidar com esse contraste de uma prestação tão positiva, em que ficou ali aquele sabor agridoce de que podia ter sido mais ainda, e depois essa desilusão?
Sobre o Mundial, eu acho que a nossa prestação foi muito boa. Obviamente que podia ter sido melhor se a bola da Ana Capeta tivesse entrado, acho que iria estragar completamente o documentário dos Estados Unidos na Netflix e se calhar éramos nós que aparecíamos. Não sabemos. Mas não, apesar de não termos conseguido ganhar aos Estados Unidos, nós conseguimos mandar uma mensagem para o mundo: do género, sim, nós somos Portugal, mas podemos bater-nos com qualquer seleção do mundo, seja ela quem for. E por um poste não fizemos um feito incrível.

Mas eu acho que nós fizemos um jogo extraordinário, mesmo o nosso percurso no Mundial, para um primeiro Mundial, acho que foi muito bom. Claro que poderíamos ter sido melhores, como sempre. Há sempre coisas a melhorar. Mas para um primeiro Mundial, acho que estivemos à altura. Depois, tivemos, logo a seguir, a Liga das Nações. Nem tivemos muito tempo ali para digerir as coisas.

A Liga das Nações era uma competição em que realmente queríamos manter o nosso lugar na Liga A, obviamente. Mas lá está, também não nos podemos esquecer que tínhamos a França como nossa adversária, uma equipa que está completamente habituada, madura, sabe perfeitamente o que é jogar este tipo de jogos. Não é que nós não saibamos, não é nada disso, e acho, honestamente, até que no último jogo contra a França fomos superiores e merecíamos ter ganhado o jogo.

Mais uma vez, é uma pena que uma competição como a Liga das Nações não tenha VAR, porque, provavelmente, não estaríamos na Liga B neste momento. Tenho muita pena, eu falei sobre isso logo após o jogo. E eu sou uma pessoa que não costuma falar sobre isso, porque sou uma pessoa que se foca muito naquilo que são as nossas tarefas, o individual para ajudar o coletivo, mas, realmente, a falta de VAR naquele jogo tramou-nos as contas e o desfecho poderia ter sido bem diferente para nós.

Não pensas que Portugal claudicou mais, até, contra a Áustria [perdeu os dois jogos]? Perder com a França é um resultado mais esperado, por assim dizer.
Não vou mentir, não foram os nossos melhores jogos. Não foram. Nós conseguimos reconhecer isso. E há que reconhecer isso. Nós temos essa consciência. Não estivemos bem. Não foi por falta de oportunidades, porque tivemos oportunidades. Não as materializámos. Lá está, neste nível, se nós não concretizamos as oportunidades que temos, colocamo-nos a jeito e foi exatamente isso que aconteceu. Colocámo-nos a jeito de fazer dois maus resultados contra a Áustria, mas lá está o futebol... O futebol é um bocado agridoce, não é? Porque nós perdemos, mas a verdade é que temos sempre uma oportunidade a seguir para fazer melhor.

Claro que não foi aquilo que nós idealizámos, mas estamos aqui, agora, preparadas para esta qualificação [para o Euro 2025]. Não há outro objetivo a não ser estar no primeiro lugar do grupo. Tem de ser imperativo, para mim e para todos, e eu acho que é esse o grande objetivo. Mas é o que eu te estava a dizer, o futebol é muito agridoce, tu ganhas, perdes, ganhas, perdes. Claro que quando ganhas digeres melhor as coisas, quando perdes custa mais, mas lá está, tens sempre uma oportunidade a seguir. Há sempre uma oportunidade de corrigir aquilo que não foi bom e fazer melhor. Há sempre uma oportunidade nova e nós temos isso nas mãos. E é a isso que nós temos de nos agarrar neste momento.

Quais são agora os teus próximos objetivos, na seleção e com o Brighton?
No Brighton é terminar esta época desportiva de uma forma melhor do que como começámos. Porque não começámos, realmente, com o pé direito e agora sinto que as coisas estão no caminho certo e que podemos ambicionar, até, chegar a um sexto lugar. Não seria de todo impossível. Só está nas nossas mãos, só depende de nós, portanto, se depende de nós, nós temos de acreditar. Acho que não seria, realmente, descabido.

Nos jogos de qualificação por Portugal, ficar em primeiro lugar, para mim, é imperativo. Não quero desvalorizar os outros adversários, nunca o faço, porque também já estivemos no lugar daquelas seleções e sabemos o quanto custa sair de lá, portanto eu valorizo muito isso. Mas somos uma equipa superior, melhor, e temos que mostrar isso dentro de campo.

Então, rumo ao Euro 2025?
Vamos!

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