A+ / A-

Feira do Livro de Buenos Aires

Bruno Vieira Amaral. “Resta saber se há algum tipo de continuidade” com traduções

07 mai, 2024 - 23:05 • Maria João Costa

O autor que esteve em Buenos Aires lamenta a ausência de contato entre escritores, editoras e tradutores. Diz que perante o investimento da câmara de Lisboa na Feira do Livro o objetivo deve ser conseguir traduções. Nem sempre teve plateia cheia, mas Bruno Vieira Amaral vestiu a camisola da seleção argentina com que sempre sonhou para uma das sessões.

A+ / A-

“Finalmente, ao fim de tantos anos, tive a oportunidade de comprar uma “camiseta” da seleção argentina”, diz Bruno Vieira Amaral, orgulhoso de ter vestido a mesma para participar numa das mesas na Feira do Livro de Buenos Aires, em que Lisboa é a cidade convidada.

O autor que tem apenas um livro traduzido na américa latina lamenta a ausência de contatos entre escritores, editoras e tradutores durante a feira. “Creio que em todas as feiras em que há um investimento do Estado português, neste caso da Câmara Municipal [de Lisboa] o objetivo tenha de ser conseguir traduções. Esse é o resultado”, afirma.

Bruno Vieira Amaral falou de Cardoso Pires aos escassos argentinos que o foram ouvir, e de futebol a uma plateia mais cheia que o viu vestir a camisola. A literatura e o futebol não são dois mundos antagónicos como pensamos em Portugal, refere o autor.

Como é que o escritor Bruno Vieira Amaral vê a Feira do Livro de Buenos Aires?

Aqui a facilidade de haver um tema que é a cidade ajuda a criar uma linha nas várias participações. Mas acho que para os autores o que interessa, ou o que devia interessar, é a possibilidade de depois conseguir traduções.

Dá-se a conhecer o trabalho, mas ficamos sempre um pouco dependentes das mesas em que estamos, se têm público e que público é que lá está lá. Isso torna-se sempre um pouco incerto.

Pela participação já noutros festivais, noutro âmbito, é sempre importante ter nas mesas de dos escritores portugueses, a maior parte dos quais não são conhecidos, ter figuras da literatura local que possam atrair público.

Isso aconteceu de resto na mesa em que participou juntamente com o escritor Pedro Mexia que encheu uma sala.

Sim, em duas das mesas estive com autores argentinos, creio que correram bem, sobretudo com o Dario Sztajnszrajber que é um filósofo muito popular, com livros que vendem muito e é uma figura muito mediática. Claro, isto tem logo outro impacto.

Depois resta saber se há algum tipo de continuidade, não é só pode ser avaliado mais tarde.

Parece estar um pouco cético.

Não. Quero dizer que acho que era importante, não é só nesta feira, mas creio que em todas as feiras em que há um investimento do Estado português, neste caso da Câmara Municipal [de Lisboa] que o objetivo tenha de ser conseguir traduções. Esse é o resultado.

Dizer os autores virem passear e conhecer a cidade também é muito bom, diga-se de passagem, mas o objetivo é dar a conhecer, fomentar e aumentar o número de traduções. É dar a conhecer mais autores, reforçar também as traduções daqueles que já estão traduzidos. Esse deve ser o objetivo. Caso contrário, perde-se.

Cria-se um evento, mas depois não há continuidade. Se não há continuidade não se pode considerar um sucesso. Creio que poderia haver algum tipo de contato organizado entre escritores e editoras.

Creio que também entre editores, escritores e tradutores, ou seja, tradutores argentinos que traduzem autores portugueses. São eles que fazem muitas vezes essa ponte. São eles que sugerem autores aos editores.

Embora não tenha conhecimento do que foi feito e não quero estar aqui a ser injusto, creio que para esse trabalho é necessário investir também. Quando se pensa estas participações.

A Argentina vive um momento em termos de crise económica e social, depois das eleições do presidente Javier Milei. Como é que olha para a situação na Argentina? Nestes últimos dias tem havido maior procura na feira, porque as pessoas já receberam o seu salário.

Eu não tive a oportunidade de falar com muitas pessoas, mas falei com algumas, com escritores e perguntei-lhes “Como é que veem esta situação?”

É sempre diferente a forma como nós olhamos para um país como a Argentina, do qual nos chegam muito poucas notícias em Portugal e quando chegam não são notícias desenvolvidas, são pequenos apontamentos, e que, por vezes, dão uma imagem distorcida daquilo que se passa.

A ideia com que fiquei é que, claro, existe uma forte oposição ao novo Presidente. Estamos numa Feira do Livro, e, normalmente quando falamos do meio literário intelectual vemos uma grande oposição às figuras da direita. É Uma figura, ainda para mais, tão divisiva quanto o Milei, que faz gala disso e não esconde.

Mas ao mesmo tempo, também encontrei alguma expectativa para ver se isto pode resultar em algo de melhor.

Dar o beneficio da dúvida a Milei?

Não digo toda a gente, mas daquelas pessoas que votaram em Javier Milei há esse benefício da dúvida. Ver o que é que isto vai dar. Não fazer já uma avaliação definitiva.

As coisas neste momento são muito difíceis. O próprio tinha dito que ia ser assim. Vai piorar para depois melhorar. Agora está a piorar. Se vai melhorar, é isso que os argentinos estão à espera de saber.

A relação que Portugal tem com a Argentina passa muitas vezes pelo futebol. Participou numa mesa com esse tema. Há um olhar diferente quando se vem ao “campo” da Argentina, da seleção vencedora do mundial?

É diferente, e isso falámos na mesa em que participei sobre o futebol, porque o que nós acompanhamos da Argentina essencialmente é a Seleção Nacional nas grandes competições, no caso no Mundial, ou na Copa América

Não é tanto o futebol do dia-a-dia, o futebol dos clubes, e os argentinos são muito apaixonados. Vivem com uma paixão tremenda, quase louca, furiosa a relação com os seus clubes.

Nós temos transmissões do campeonato argentino, mas o público em Portugal não acompanha isso e não percebe quão forte é essa relação que os argentinos têm com o futebol. Quer dizer, as pessoas que acompanham o futebol, os jornalistas, têm essa noção, mas nós não temos, nem sequer das rivalidades que existem.

Sabemos do Boca e do River Plate, mas não temos uma noção de como o futebol é vivido no dia-a-dia. Eu acho que até é mais intenso do que a forma como nós vivemos. Ontem liguei a televisão e estavam a transmitir uma final e estavam a fazer aquilo que as televisões portuguesas fazem, a acompanhar as equipas quando estão no hotel e a falar com os adeptos.

E, claro, é uma coisa que em Portugal nós não temos noção. A minha relação com o futebol argentino também passa muito por aí, pela Seleção, claro, pelo Maradona, pelo Mundial de 1986 que é o primeiro mundial de que eu tenho recordações. A partir daí fiquei sempre fã da Argentina.

Finalmente, ao fim de tantos anos, tive a oportunidade de comprar uma “camiseta” da seleção argentina, que era uma coisa que eu sonhava. Não agora já adulto, mas sonhava quando era adolescente ter aquela camisola.

Tenho pena de não ter ido a um estádio ver um jogo de futebol, mas foi um enorme prazer conhecer de um pouco mais de perto, pelo menos a paixão dos adeptos que são escritores, são intelectuais e que conseguem conviver com esses dois mundos que às vezes, nós, em Portugal, encaramos como mundos antagónicos ou que são estanques e não se cruzem.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+