Setúbal

Maria Borges, 44 anos, trabalhadora da Autoeuropa

Setúbal foi o último distrito do país a ser criado, em 1926, na sequência da expansão industrial. Até então integrava o distrito de Lisboa. Mais de 850 mil habitantes povoam hoje os 5.000 km quadrados a sul da baía do Tejo. Este ano elegem 18 deputados para a Assembleia da República, mais um do que em 2011.

Maria Borges faz controlo de qualidade na Autoeuropa, um universo de 5.800 trabalhadores no concelho de Palmela. Entre os turnos do serviço, que trocam todas as semanas, Maria tem outro emprego a tempo inteiro: cuidar da filha de 14 anos com necessidades especiais. Rita nasceu com autismo e precisa de apoio e vigilância permanentes, mas está inserida no ensino regular e deve terminar o 12.º.

Portugueses não vão votar porque não gostam dos políticos

Quando eles dizem que os portugueses não foram votar porque está calor e foram para praia é mentira, é um insulto. Os portugueses não vão votar porque não gostam dos políticos. A última vez que votei foi nas legislativas, quando a Manuela Ferreira Leite concorreu contra o Sócrates. A partir daí nunca mais fui votar porque já não consigo acreditar em nada do que eles dizem. Principalmente desde que estou neste mundo das crianças com necessidades especiais, acho que eles só mentem.

Crianças com necessidades especiais estão esquecidas

É preciso chamar os políticos e governantes à responsabilidade que deviam ter. Vêm para a televisão e só dizem bacoradas. As necessidades especiais são uma área da qual o Estado e os políticos se esquecem. Eu sou a favor dos impostos e dos descontos, mas não vejo o dinheiro que desconto a ser aplicado onde há necessidades. Não há uma informação clara para onde o dinheiro vai e deixei de acreditar nos políticos.

Os pais é que têm de andar a pedir aqui e ali

A minha filha também tem direito a seguir um percurso de vida e a não ter de ficar fechada em casa. Para isso servem os Centros de Actividades Ocupacionais, mas cada vez há menos vagas e menos instituições. Gasto 400 euros todos os meses para lhe dar aquilo que ela precisa, para estar estabilizada. As crianças como a minha filha não conseguem tirar aproveitamento de disciplinas como a matemática ou o português, não lhes traz nada nem é nenhuma mais valia. Ao sábado saio do trabalho e vou para a natação com ela, pago uma psicóloga, pago terapia da fala, e isso é tudo à nossa conta. Não há apoios nenhuns para que ela possa desenvolver aquilo que verdadeiramente pode ajudá-la.

Quando chegar aos 18 anos para onde é que ela vai?

A Rita está no ensino regular, ao que eles chamam de inclusão. É uma sala de unidade de ensino especial, mas os professores mudam todos os anos e não conseguem dar o acompanhamento necessário. Dão uma terapia por semana e acham que é suficiente. Eles dizem que aquelas crianças têm que ter obrigatoriedade de fazer o 12º ano, mas a maioria não tem capacidade de entrar para o mercado de trabalho. A partir do 12º ano, as crianças com necessidades especiais deixam de existir para o Estado. Há pais que não sabem onde pôr os filhos. Quando ela chegar aos 18 anos para onde é que ela vai? Ninguém fala disso.

A Segurança Social não dá nada e ainda exige tudo e mais alguma coisa

Na Autoeuropa existe um fundo com os cêntimos que restam dos nossos ordenados, isso é acumulado e é dado a instituições. Fui pedir essa ajuda para a Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo de Setúbal porque há crianças em lista de espera e queremos abrir um novo centro. MAs a Segurança Social sabe que há essas necessidades, foi lá, viu, e ainda exigiu tudo e mais alguma coisa. Temos de ser nós, pais, de andar a pedir aqui e ali para haver um espaço para as crianças terem direito àquilo que o Estado devia dar.

Só não estamos pior porque pertencemos à União Europeia

Todas as atitudes dos governantes afastam as pessoas da política. Eles dizem uma coisa e fazem outra completamente diferente. As pessoas quando entram para o Governo, deviam meter na cabeça que estão a prestar um serviço à sociedade, mas só querem bons cargos para quando saírem poderem ir para grandes empresas e aí o povo deixa de existir. Há quem me critique e diga "vais lá e votas em branco". Eu acho que ninguém devia ir. Devia haver um "boom" tão grande que ninguém devia lá pôr os pés, por protesto. Acho que só não estamos pior porque pertencemos à União Europeia.