O círculo eleitoral de Leiria destaca-se pelo baixo desemprego e pelas exportações, que representam 4% do total do país. Com importantes florestas, é ciclicamente fustigada por incêndios. Este mês, o Governo anunciou mais apoios para a floresta da região, num total de 18 milhões de euros até 2022. A 6 de outubro, 423 eleitores vão escolher 10 deputados.
Em 2017, 112 pessoas morreram em Portugal em contexto de incêndios florestais. Mais de 60 pertenciam ao distrito de Leiria, aos municípios de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos. Desde então, várias medidas e apoios foram anunciados, mas para quem vive no terreno pouco mudou. Da região saíram, no último ano e meio, 15 mil camiões com madeira ardida, alguma pertencente a Nuno Tomás, proprietário florestal e dono de uma serração.
Nem todos os incêndios são uma borralheira descontrolada
O eucalipto foi o culpado imediato, mas é dos poucos investimentos em que ainda se consegue algum retorno. É um bode expiatório para justificar os incêndios e o criminoso que provoca o ponto de ignição ninguém condena. Nem todos os incêndios são trovoadas ou uma borralheira descontrolada. Em outubro de 2017 houve mais de 500 ignições num só dia. Quem põe as leis na rua não sabe o que é viver com um ordenado mínimo. Quantas vezes passo numa aldeia e penso "As pessoas aqui já foram felizes"... Metem leis na rua e fazem com que as pessoas não possam pintar a casa daquela cor ou não possam plantar o que querem plantar.
Ir votar faz toda a diferença
Penso que os políticos deviam tentar construir um futuro melhor para todos em vez de andar cada um a puxar pelo seu interesse e a medir força. Já fiz parte de algumas associações e sei que, em geral, os que não faziam nada eram os que estavam sempre contra. E eu dizia: "No dia em que eu não puder estar presente, o que for deliberado em reunião eu aceito.” Mas, regra geral, não é assim, para os que nunca estão presentes nada está bem. Acho que ir votar faz toda a diferença.
Há falta de conhecimento e de bom senso na política
Eu sou de todos, não tenho partido. Mas há coisas que os políticos dizem que não fazem o mínimo sentido. Há alguns que se importam com os animais, e eu também gosto muito de animais, mas se o Serviço Nacional de Saúde não funciona para os homens como é que há-de funcionar para os animais? Outros dizem que a culpa é das barragens que retêm muita água, que é um problema, quando toda a gente sabe que nós precisamos de reservas de água porque senão não temos agricultura e não temos nada. Há uma falta de conhecimento e bom senso na política.
Em Lisboa reduziram o valor dos passes. E aqui?
Há muitas leis desajustadas da realidade. Tudo é feito em gabinetes em Lisboa e tudo se puxa para o litoral. As pessoas que escolhem o interior para viver haviam de ser compensadas de alguma maneira. Dou um exemplo: fazemos algumas festas na aldeia e um DJ custa 154 euros, mas a licença custa 150. Em Lisboa faz-se um arraial e tem quantas mais mil pessoas do que na minha aldeia? Mas paga os mesmos 150 euros e tem um retorno incomparavelmente maior em venda de bebidas e comida. Nós não temos pessoas, mas temos o mesmo custo de vida de uma cidade, ou até mais por causa dos transportes. Em Lisboa reduziram o valor dos passes. E aqui? Nem sequer há meios de transportes. Se preciso de ir a uma consulta a Coimbra perco um dia inteiro só nos transportes.
As pessoas não têm noção da importância da natureza
Este mês estive com uma jovem que dizia que as abelhas deviam morrer todas porque ela era alérgica. As pessoas perderam a noção da importância da natureza e de como viver com ela. Hoje, as pessoas cresceram com outras expectativas e quando se vêm no interior acham que é o fim do mundo, mas não é. Não se vive com menos, vive-se diferente. Há outra qualidade, melhor ar e melhores alimentos do que numa cidade.
Esquecemo-nos que aquela árvore dá oxigénio
No primeiro incêndio que vivi tinha 14 anos. A aldeia onde vivia tinha muita gente jovem e todos ajudavam no combate aos incêndios. Os terrenos estavam mais limpos, semeados, e as pessoas punham os seus animais a pastar nos matos da serra. Agora não, esta vivência perdeu-se. Quem é que vive nas aldeias? São pessoas com 60, 70 ou 80 anos, sem força. E nos incêndios há mais espectadores, não há quem vá para lá ajudar. E se não há nada a perder, porque é que vamos para lá? Já não se arriscam para combater o fogo. As pessoas esquecem-se que, apesar de aquela árvore não ser minha, ela dá oxigénio e eu vou viver dele.
Quem quer fazer satura-se e desiste
Tudo contribui para o abandono da agricultura. Não podemos trabalhar um terreno sem licença, projeto e uma série de burocracias. O que seria uma mais valia para abrandar a propagação do fogo está a ser muito dificultado. Quem quer fazer satura-se e desiste. Uma pessoa com 50 ou 60 anos não quer estar a aturar papéis e a aturar o engenheiro. Entre projetos, licenças e deslocações, as pessoas gastam 200 ou 300 euros. Concordo que as áreas com eucalipto que estão velhas e desaproveitadas devem ser repovoadas com outras espécies, porque existem povoamentos velhos que apenas contribuem para dar combustível à floresta. Neste momento a lei permite a replantação com a espécie existente. Mas se temos um terreno com espécies que não são lucrativas, e se não há apoios que compensem a plantação de outras espécies, o que vou lá plantar?
A campanha “Portugal Chama” não diz nada
A maior parte das pessoas que morreu no nosso incêndio morreu por falta de informação, porque ninguém as ensinou como reagir. Fazem publicidades e não ensinam as pessoas a sobreviver no meio da floresta. Não ensinam as pessoas a ficarem em casa e a protegerem as sua habitações. Vimos que os ingleses que moram na nossa região estão mais bem preparados para o fogo do que os portugueses e, de facto, as casas deles não arderam e vivem no meio da floresta como os portugueses. Eles sabem que quando vem o fogo, devem pegar nas chapas que têm preparadas para tapar as janelas, limpam os caleiros da água e têm reservas e baldes de água preparados. Isto é muito simples de se ensinar às populações portuguesas. Mas só existe a campanha “Portugal Chama”, que não diz nada.
No dia do fogo, o meu pai agarrou-se a mim a chorar
Aos meus pais, com 71 e 68 anos, ardeu-lhes tudo. No dia do fogo, em 2017, o meu pai agarrou-se a mim a chorar, a dizer que lhe ardeu tudo. Andou uma vida inteira a trabalhar para deixar alguma coisa para os filhos e agora vive com este tormento, que para mim não tem importância nenhuma. Um homem com 70 anos precisa de passar por isto?