21 fev, 2025 - 14:59 • Tomás Anjinho Chagas , Susana Madureira Martins
Foi chumbada a moção de censura apresentada pelo Chega ao Governo. No momento da votação, ao fim da tarde desta sexta-feira, o Chega foi o único partido a votar a favor desta moção de censura. No plenário estavam 209 deputados inscritos para votar, no total são 230.
PSD, PS, IL, Livre, Bloco de Esquerda, CDS e PAN votaram contra. O PCP absteve-se e o deputado Miguel Arruda, que foi afastado do partido por causa das suspeitas de furtos de malas, foi o único, além do Chega, que votou a favor.
No arranque do debate, o líder do Chega, André Ventura disse que é "uma vergonha" o caso que envolve a empresa do setor imobiliário detida pela família do primeiro-ministro, e assegurou que o número de telefone associado a esta empresa é o número de telefone pessoal de Luís Montenegro.
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André Ventura afirmou que o primeiro-ministro tem uma "obstinação" em não responder ao Parlamento e acredita que uma moção de censura era a única forma de obrigar Luís Montenegro a dar explicações sobre a empresa que é detida pela sua família.
Com o Governo todo presente no Parlamento, André Ventura pediu a demissão do ministro da Coesão Territorial depois de, esta quinta-feira, a RTP ter revelado que Manuel Castro Almeida se desfez de uma quota que tinha numa empresa imobiliária em fevereiro, já depois da polémica que culminou com a demissão de Hernâni Dias . O próprio respondeu à Renascença que não se sente "minimamente" fragilizado.
No arranque do debate sobre a moção de censura, aberto pelo Chega, que foi o proponente desta moção, André Ventura acusou o Governo de ser uma "agência de empregos" e colou o PSD ao PS, ao dizer que a única coisa que mudou é que agora o cartão é laranja, em vez de ser cor-de-rosa.
A moção de censura foi apresentada pelo Chega, depois das notícias do Correio da Manhã que denunciavam um potencial conflito de interesses do primeiro-ministro. A mulher e os dois filhos de Luís Montenegro têm uma empresa do setor imobiliário, e o atual primeiro-ministro cedeu a sua parte da participação quando se tornou líder do PSD, no verão de 2022.
Na resposta, o primeiro-ministro, Luis Montenegro , referiu que esta moção de censura é sobre si próprio a sua "vida profissional e patrimonial" e sobre o "carater" e "honra" do chefe de Governo.
Montenegro disse que "nunca" se queixou da "violência das suspeições injustificadas" de que foi sendo alvo e, sobre a criação da empresa Spinumviva, refere que chamar-lhe uma imobiliária "é um absurdo", garantindo que os imóveis em causa "não têm enquadramento nas opções legais do Governo sobre os solos".
Na tribuna, Montenegro lamenta as "novas e velhas questões" que lhe são colocadas, explicando que quando criou a empresa Spinumviva "estava fora da vida política ativa" e que a transmissão que fez da empresa em 2022 à mulher e aos filhos "é legal".
O primeiro-ministro explicou longamente que a família lhe deixou uma quinta no Douro. "Os meus pais não venderam nada do que receberam dos meus pais e não vou vender nada do que era dos meus pais", garantiu.
Num tom exaltado, depois de uma semana debaixo de fogo das oposições, Montenegro explicou que na sua vida declarou "tudo o que tinha a declarar e que tinha a pagar" e que esclareceu "tudo".
A partir de agora, garantiu o chefe do Governo, "só" responde "a quem for tão transparente" quanto o próprio Montenegro e que "seja capaz de fazer tudo" o que fez, pedindo para que "respeitem" a sua "dignidade e a missão" que lhe está confiada à frente do executivo.
A fazer a defesa do primeiro-ministro, Hugo Soares, um dos homens mais próximos de Luís Montenegro, afirmou que este debate era de “auto-censura que tinha um protagonista chamado Miguel Arruda - o ex-deputado do Chega suspeito do furto de malas -, e um padrinho que se chama André Ventura”.
“Devemos sempre desconfiar dos desconfiados”, atirou o líder parlamentar do PSD. Hugo Soares acusou André Ventura de ter uma "moralidade bacoca" e sublinha que há deputados do Chega que "têm imobiliárias e que discutem a lei dos solos".
"O senhor deputado usa um critério para uns e outro critério para outros", acusou o também secretário-geral do PSD. "O populismo não se combate com mais populismo, combate-se com competência", afirmou Hugo Soares.
Logo a seguir, a deputada do PSD, Isaura Morais, dirigiu-se ao líder do Chega como "André Censura", o que lhe valeu uma reprimenda do presidente da Assembleia da República, Aguiar-Branco (PSD) e que afirmou que "não é forma de se dirigir ao deputado".
Em resposta às críticas do PSD, André Ventura dirigiu-se a Hugo Soares e a Luís Montenegro para afirmar que "não é por gritar muito que deu explicações". E aproveitou a deixa para pegar no caso Miguel Arruda.
Olhando para trás, onde agora se senta o deputado acusado de furtar malas, André Ventura sublinha que o Chega lhe retirou confiança política e acredita que essa é a "diferença" para o PSD.
Lamentando a "falta de coragem do PSD", Ventura repete que Montenegro se escondeu atrás de um sistema que o protegia de dar explicações ao Parlamento.
Na ronda seguinte de perguntas ao autor da moção de censura, Gonçalo Lage não fez exatamente questões, mas elogiou a ação do Governo. "Censura? Passe ferroviário verde, que permite reduzir assimetrias entre o interior e o litoral", disse o deputado. E repetiu: "O populismo só se combate com competência".
A mesma frase foi repetida pelo vice-presidente da bancada do PSD, Miguel Guimarães, ou ainda a deputada social-democrata Ofélia Ramos. "O seu populismo combate-se com a nossa competência", dirigindo-se ao líder do Chega, André Ventura.
Ventura respondeu à segunda ronda de questões. "Deviam ter vergonha, venderam-se ao PS" na política fiscal. E a Gonçalo Lage atirou: "Qual passe ferroviário verde se no país metade das pessoas não tem comboios onde andar?". O líder do Chega pediu para o PSD olhar para os jovens presentes nas galerias e dizer: "Peço desculpa pela nossa incompetência".
Dulcineia Moura, do PSD, retomou a frase chave de estratégia da bancada: "Sabe como se combate o populismo do Chega? Não é só com competência, é com lealdade, dignidade e competência".
De seguida, a deputada Regina Bastos interpelou Ventura sobre imigração. "Fala de imigração para tudo e mais alguma coisa e censura o Governo por ter posto fim à manifestação de interesse? A transparência e a dignidade estão a arrasar o seu populismo", concluiu a social-democrata.
Logo depois do PSD, foi a vez da intervenção do PS. O líder socialista, Pedro Nuno Santos criticou esta moção de censura e classificou-a como uma "manobra de distração" para o Chega tapar os problemas internos que tem vivido nas últimas semanas.
O secretário-geral do PS lembrou que ele próprio foi escrutinado sobre a empresa da sua família, quando era ministro das Infraestruturas, e desafiou Luís Montenegro a revelar quem são os seus clientes para afastar qualquer suspeita sobre a sua atuação enquanto primeiro-ministro.
Durante o debate, o Bloco de Esquerda informou os jornalistas que "acabou de dar entrada" no Parlamento o pedido de audição, com caráter de urgência, do ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida.
LEI DOS SOLOS
Ministro Adjunto e da Coesão Territorial tinha 25%(...)
Mariana Mortágua, coordenadora bloquista, entrou no debate no meio de um burburinho dos deputados do Chega. Interpelou Luís Montenegro para dizer que o primeiro-ministro não deve esconder-se a perguntas de jornalistas". "O que diria o PSD da oposição ao PSD do Governo?", acrescentou.
"O que diria se fosse líder da oposição? Nós avisámos que a lei dos solos era uma porta aberta para a especulação. As suspeitas têm a ver com uma lei errada", diz Mortágua, que acrescentou: "não acha que esta lei não tem de desaparecer porque está ferida de credibilidade?"
O primeiro-ministro voltou a usar da palavra para responder ao líder do PS. "Não posso divulgar os nomes dos clientes desta empresa por uma questão de respeito aos clientes. Não vou fazer a mesma pergunta sobre as empresas do seu universo familiar", dirigindo-se a Pedro Nuno Santos, acrescentando que não quer "saber dos contornos das relações da sua empresa" detida pela família do secretário-geral socialista.
Montenegro reconheceu que estará "sempre inibido de intervir numa decisão que impacte nessas empresas" e garantiu: "A detenção de participação numa empresa de atividade imobiliária não tem nada a ver com a lei dos solos. O que pode a empresa fazer? Comprar e vender. A imputação de um potencial conflito de interesses a quem decide sobre esta lei no Governo não é suficiente", rematou.
Na vez do Livre, o seu porta-voz, Rui Tavares virou-se para a bancada do Chega para classificar como um “supremo descaramento” o partido apresentar uma moção de censura com a quantidade de problemas internos que enfrenta.
Além disso, o Livre lembra que o Chega não agiu para que a lei dos solos fosse votada no Parlamento, nem votou a favor da cessação de vigência desta lei, para reverter a lei dos solos.
Ainda assim, Rui Tavares afirmou que a lei dos solos está a provocar “corrosão” na política e lamentou que o Governo não esteja a “regular o setor do imobiliário a e a investir em habitação pública”, como acontece em Espanha ou na Austrália.
“Tem agora uma oportunidade para suspender a lei dos solos”, desafiou o porta-voz do partido Livre.
“PCP não acompanha esta moção de censura, não porque o Governo não mereça ser censurado, mas porque quem apresenta é o partido mais censurável”, afirmou António Filipe, deputado do PCP na primeira intervenção dos comunistas.
O Partido Comunista alertou para a pobreza e para as dificuldades atravessadas pelos portugueses e afirmou: “O PCP rejeita a atuação deste Governo”.
Em resposta ao CDS, Livre e PCP, Luís Montenegro aproveitou para defender a lei dos solos, à volta da qual orbita todo este caso (e os restantes de outros membros do Governo).
“A oferta de habitação pública também é importante, mas não chega” para baixar os preços para “custos comportáveis”, afirmou o primeiro-ministro.
Explicador Renascença
Primeiro-ministro está envolto num potencial caso (...)
Luís Montenegro acredita que esta lei permite às autarquias e às juntas de freguesia de dar “um prolongamento da malha urbana” e isso vai “aumentar a oferta”. O chefe do Governo rejeita que esta lei “mude tudo em Portugal” do ponto de vista do ordenamento do território e desafia o Livre a promover alterações a esta lei, apesar de avisar que para isso precisa de convencer uma maioria no Parlamento a aprová-las.
A dirigente do PAN, Inês Sousa Real interpelou Luís Montenegro, não sem antes dar uma bicada a André Ventura que acusou de querer "despachar as malas de Miguel Arruda e os seus casos e casinhos". Ao primeiro-ministro, Sousa Real disse que "seria importante ter dado explicações antes deste debate", considerando que a lei dos solos "está contaminada".
Luís Montenegro voltou a responder ao Chega, usando a ironia por diversas vezes. "O magnata imobiliário que o Chega elegeu é o primeiro-ministro de Portugal", começou por dizer e depois elencou o património que detém no norte do país.
A primeira propriedade de que falou é a Quinta da Granja, freguesia de Barrô, onde tem um "terreno de cultura com 10 laranjeiras, vinha, mato e pastagem", disse Montenegro, que assumiu: "É uma das mais valiosas propriedades".
Depois falou de uma propriedade na freguesia de Rabal, em Bragança, um "lameiro com quatro negrilhos" com um "valor patrimonial de 18 euros e 46 cêntimos", estimou Montenegro. "Está-se mesmo a ver que é aqui que vai ser edificada uma construção que me vai dar a riqueza que nunca tive", ironizou.
Deu um terceiro exemplo. Em Cabeço de Abril, que Montenegro descreve como sendo uma "pastagem que custa a módica quantia de 20 cêntimos", rematando: "São estas propriedades o destino da lei dos solos".
Numa nova ronda, Eduardo Teixeira do Chega (ex-PSD) questionou sobre participações de Montenegro em outras duas empresas. Na Ferpinta e na Radio Popular, de cujas administrações o primeiro-ministro fez parte e que constam do registo de interesses de Montenegro de legislaturas anteriores quando era deputado.
Montenegro voltou a responder e disse que se em 2019 se se "tivesse candidatado ao PSD o André Ventura ainda estava no PSD" e pediu: "Tenham decoro, façam combate político, mas com decoro".
A líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua fez uma intervenção de fundo para acusar deputados do Chega de terem empresas de imobiliário, sem dizer quem são.
"Este debate é sobre o Chega", começou por dizer. "Olhe os portugueses nos olhos e admita que há deputados do Chega que têm empresas imobiliárias e não pediram escusa na discussão da lei dos solos".
A dirigente do PS Mariana Vieira da Silva lamentou a "falta de transparência visível na forma como o Governo lida com perguntas". Falando da área da Saúde, que coordena no PS, a ex-ministra da Presidência disse que "a saúde foi uma das áreas onde opacidade é notória para que não se discutam os falhanços".
"Não é por não falar dos problemas que eles desaparecem", acrescentou Mariana Vieira da Silva, e concluiu: "Não é feitio, é mesmo defeito".
O líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, lamentou que "à conta do Chega passámos uma tarde a debater um não facto. Uma tarde ineficiente", criticando a "tendência para o disparate e para a gritaria" do partido de André Ventura.
"Desejo um bom fim de semana a todos", concluiu o dirigente centrista.
Rui Rocha, da Iniciativa Liberal (IL), considera que Luís Montenegro devia ter dado mais explicações sobre a empresa Spinumviva. "Admito que esta empresa pode continuar a persegui-lo", disse o líder liberal.
Rocha considera que haveria vantagem em que "saíssemos daqui com explicações sobre esta matéria. É preciso total transparência. Não foi até ao fim".
A líder parlamentar do PS e candidata do partido à Câmara de Lisboa considera que o primeiro-ministro ainda não deu os esclarecimentos todos. "Continuamos à espera dos esclarecimentos. Deu detalhes irrelevantes da sua vida privada. Transparência é dizer o que é relevante", disse Alexandra Leitão.
A dirigente do PS fala de uma moção de censura que é uma "manobra de diversão apresentada pelo Chega", ressalvando: "Não que o Governo não mereça ser censurado", salientando que "a opacidade em relação aos números é uma imagem de marca do Governo".
Alexandra leitão dá exemplos: "quando [o Governo] faz conferências de imprensa tem limite de perguntas. Lida mal com a transparência" e agora com esta questão da empresa Spinumviva, o primeiro-ministro "remeteu-se ao silêncio contribuindo para a opacidade".
A encerrar o debate, Luís Montenegro voltou-se para o país e passou por cima do Chega: “Em tempos tão desafiantes o país não precisa de hesitações, nem de populismo”, respondeu o chefe do Governo.
“Sim, é possível baixar os impostos para os jovens enquanto se aumentam as pensões”, exemplificou Luís Montenegro, que aproveitou o tempo de antena para abanar as bandeiras do Governo e ignorar a moção de censura do Chega.
Montenegro afirmou que o “Orçamento das contas certas é compatível com o não aumentar um único imposto” e aproveitou para assegurar que o Governo “acabou com as portas escancaradas” ao terminar o regime de manifestação de interesses.
“Nós temos um rumo para a governação de Portugal”, reiterou o primeiro-ministro, que sublinhou que o país continua a crescer sem aumentar a dívida pública.
O líder do Chega, André Ventura foi o último a falar no debate antes da votação da moção de censura que apresentou. Atacou o primeiro-ministro: "não conseguiu responder a nenhuma das mais importantes questões" e criticou Montenegro por não se ter referido "uma única vez" sobre o conflito de interesses.
"Que clientes foram estes e porque não os revela'", questionou Ventura, interpelando Montenegro, garantindo: "Não desistiremos enquanto não estiver tudo esclarecido", questionando de novo: "Quais eram os serviços que foram feitos e faturação?" e "como fez centenas de euros num pequeno terreno rústico?".
E perguntou ainda se o primeiro-ministro "sabia ou não que o ministro da coesão tinha participações numa imobiliária?", referindo-se a Manuel Castro Almeida.