16 abr, 2025
Um dos mais recentes estudos-inquéritos «Monitoring the Future» do «Institute for Social Research» dos EUA foi noticiado com títulos chamativos, de que é exemplo “Não é só impressão sua: os humanos estão mesmo a ficar mais burros”! Descontando o sensacionalismo da notícia e a generalização abusiva da conclusão, há dados objetivos que são preocupantes, sobretudo quando cruzados com os indicadores PISA da OCDE. A partir do início da década de 2010 (talvez antes), e piorando com os confinamentos da pandemia, aumentou o número de adolescentes estudantes e de jovens adultos que manifestam dificuldade em concentrar-se, em pensar e em reter e processar novas informações, em contexto escolar, profissional ou social. Por isso, cultivar-se, raciocinar e resolver problemas é um desafio crescente, cujos obstáculos levam, muitas vezes, à desistência ou ao mau desempenho em disciplinas ou competências de leitura, matemática ou ciências.
Imaginando que a morfologia dos cérebros humanos não se alterou, o problema estará na relação dos mais novos com o real circundante. As sociedades trocaram o modo analógico pelo meio digital e fizeram deste - empregando a máxima de Marshall McLuhan - a única mensagem a reter. Os meios de aprendizagem, informação e comunicação são hoje ecrãs e as suas mensagens (rápidas, fugazes, entrecortadas, sumárias) são quase tudo o que os mais jovens têm diante de si. Isto significa que a dominante interação individual com a net e as redes sociais fez declinar hábitos de leitura, aptidões numéricas e, em geral, curiosidade intelectual para procurar e absorver novas informações e narrativas (do) mundo.
Anualmente, constato o problema nos meus alunos universitários, e de ano para ano a tendência agrava-se. Para lá de já não saberem resolver operações matemáticas simples “à mão”, muitos não se lembram do último livro (ou revista) que leram, talvez para não confessarem que nunca leram, de capa a capa, um livro - não de estudo, mas literalmente um qualquer livro! A minha geração já foi educada pela televisão (e pela rádio), também pelo cinema ou pelo videoclube, menos pelo teatro, mas muito pelos livros, revistas, jornais, o que quer que fosse que, impresso, nos chegava às mãos. Hoje, por contraste, vivemos num mundo pós-literário. Poucos têm tempo ou capacidade para descobrir a beleza de um enredo narrativo ou cinematográfico, para aprender com eles, para alargar o seu “mundo” através desses mundos ficcionais, quantas vezes os melhores mestres de mundos reais. Ao liquefazer as grandes narrativas (diacronias históricas, ideias políticas, cânones e autores chave), a pós-modernidade e a voragem tecnológica ajudaram a fazer proliferar “migalhas”. Disso se vive hoje.
Ora, se nós somos as nossas próprias histórias, vivendo em relação com outras histórias, de pessoas, espaços, tempos e ideias, o registo narrativo, com a sua dimensão (in)formadora de universos, é o modo natural de nos situarmos e de aprendermos, com tempo e capacidade cumulativa de processamento informativo. Os paradigmas de (des)informação atuais agem contra isto: as notificações bombardeiam-nos com o que não necessitamos, desviando o foco do que necessitamos; e em vez de procurarmos conhecimento numa biblioteca ou numa estante, folheando índices e treinando a mente para hierarquizar fontes de saber, pedimos ao ChatGPT que nos faça o trabalho. Daí, talvez, a estranheza dos meus alunos quando nas aulas os remeto para a filosofia ou a literatura, a arte ou o cinema como discursos sobre a história que lhes ensino. Não sei se ainda vou (vamos) a tempo de lhes fazer redescobrir o prazer da leitura. Mas talvez a pausa da Páscoa lhes sirva para lerem, ou ao menos folhearem, um livro.