17 abr, 2025 • Cristina Nascimento (Renascença) e Andreia Sanches (Público)
"Entre os novos e os que voltaram temos mais 6 mil professores nas escolas este ano", afirma o ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, que está disponível para continuar no cargo após as legislativas de 18 de maio.
"Pode parecer que estou agarrado ao lugar, mas gostava mesmo de continuar este trabalho", afirma o governante, em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e jornal Público.
Fernando Alexandre fala de várias ideias que gostaria de concretizar. Por exemplo: um modelo "híbrido" de explicações para alunos do secundário que não as podem pagar, recorrendo aos professores que estão no ensino público.
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Para já, anuncia uma duplicação do "número de psicólogos com vínculo às escolas" e mais mil milhões de euros para obras em escolas, através do Banco de Investimento Europeu, e assegura que, mesmo com o Conselho de Finanças Públicas a prever um regresso aos défices orçamentais, a recuperação do tempo de serviço dos professores está garantida.
Estamos a entrar na reta final de mais um ano letivo, que começou ensombrado ainda pela falta de professores. Pôs em prática várias medidas. Entre docentes que iam para a reforma e que decidiram ficar e aposentados que acabaram por voltar às escolas, quantos professores nestas condições estão a dar aulas?
Há cerca de 1.300 professores que adiaram a aposentação para garantir que os seus alunos não ficaram sem aulas. Tínhamos o objetivo de mil. E houve mais de mil que tinham abandonado a carreira e voltaram a dar aulas. Isto resultou também de uma abertura no perfil de contratação. Muitos vão precisar de fazer a profissionalização. Estamos a trabalhar nesse sentido, com as instituições de ensino superior, para garantirem os mestrados que permitem a profissionalização.
Procurámos resolver um problema de curto prazo e, ao mesmo tempo, dar sinais de que valorizamos a carreira. O apoio à deslocação é outra medida com muito sucesso. Temos mais de 2.500 professores a receber esse apoio. Temos estado a tentar aferir a eficácia dessas medidas, para conseguir, de facto, garantir que temos um número cada vez mais pequeno de alunos sem aulas durante muito tempo.
Contando com todas as medidas do Plano +Aulas +Sucesso, consegue dar um número sobre qual foi verdadeiramente o reforço de professores este ano?
Não é muito fácil. O sistema de informação ainda não está bem afinado, por exemplo, em relação aos bolseiros [de doutoramento que podiam voluntariar-se para dar aulas, outra das medidas previstas no plano]. Mas entre os professores que tinham saído do sistema, e voltaram, e os novos que nunca tinham dado aulas, estamos a falar de mais de 6.000 professores este ano.
Isso dá garantias para o próximo ano letivo?
Vamos precisar certamente de novas medidas. Vamos, obviamente, apostar naquelas que funcionaram e reforçá-las. As que não funcionaram, provavelmente vamos deixar cair. Por exemplo, a medida que se destinava a trazer novamente para o sistema os aposentados não teve grande acolhimento. Estamos a falar de cerca de 50 professores.
A dimensão onde eu acho que temos que atuar com efeitos mais rápidos é na formação que exigimos para dar aulas. Aquilo a que nós chamamos de habilitação própria. Temos um sistema de ensino superior muito robusto, claramente de qualidade muito elevada, e por isso a formação académica não é um problema. Penso que podemos alargar o leque de licenciaturas e mestrados que habilitam para a docência sem prejudicar a qualidade do ensino e permitindo que muitas pessoas que querem dar aulas, que neste momento não conseguem porque estão impedidas, cumprem esses requisitos.
Precisamos fazer, obviamente, uma análise técnica muito rigorosa, sempre muito exigente, mas também com a flexibilidade que permita aproveitar o capital humano que o país tem e a disponibilidade para dar aulas que muita gente continua a ter.
Pediu uma auditoria para apurar o número real de alunos que ficaram sem aulas este ano por falta de professor [depois de ter facultado números que apontavam para uma redução de quase 90% face ao ano anterior, que se revelaram errados]. Era para ser conhecida em março, mas não foi. É possível antecipar alguma informação?
Os resultados vão ser conhecidos em Abril, é a KPMG que está a fazer auditoria. O objetivo é, de uma vez por todas, saber o que é que os nossos sistemas de informação nos conseguem dar e de que sistemas precisamos para que a medida do número de alunos sem aulas, a cada disciplina, e por que período e tempo, seja conhecida definitivamente. Sabemos que temos muitos professores a dar aulas em resultado das medidas que tomámos, não temos dúvidas sobre isso, mas quantificar [o impacto] exatamente é muito difícil.
Chegámos a ouvir entidades - e ver esses títulos nos media - de centenas de milhares de alunos sem aulas, que são números absurdos.
Foi um momento embaraçoso essa confusão de números?
Não tenho problema nem de dizer que foi o problema mais difícil da minha vida profissional até hoje.
Uma das queixas que continua a fazer-se ouvir é a da falta de assistentes operacionais. Os concursos ficam desertos, as câmaras não têm quem colocar nas escolas, como é que se resolve? E vamos ter alterações nos rácios?
Está a ser feito um estudo por uma universidade sobre o efeito da descentralização na área da educação. Não temos, mais uma vez, dados fidedignos sobre o número de assistentes operacionais nas escolas. O governo tem estado, nomeadamente na área das necessidades educativas especiais, a autorizar as câmaras a fazer essa contratação. E houve contratação de mais de 200 assistentes operacionais no início deste ano letivo. Por isso, tem havido um reforço.
Também é importante dizer que vamos resolver o tema da precariedade dos técnicos especializados, o que envolve os psicólogos, que são 1.027 que já têm mais de três contratos. É uma situação que vem de trás, e que se foi repetindo num contexto de legalidade muito duvidosa, alguns têm contratos há 10 anos, precários. Vai ficar resolvido com o concurso ainda este ano lectivo para a vinculação desses técnicos especializados. Vamos duplicar o número de psicólogos com vínculo aos quadros de escola. Neste momento temos cerca de 900 e vamos vincular mais cerca de 800.
No programa da AD, prevê-se a criação de “um serviço em linha de apoio ao estudo de qualidade e personalizado para resolver as dúvidas dos alunos em risco dando prioridade aos alunos com ação social escolar do ensino secundário”. Pode concretizar esta proposta?
Sabemos que as explicações são um dos fatores de maior desigualdade que temos no nosso sistema. Quando olhamos para os dados do acesso ao ensino superior, os alunos da ação social acedem em menor percentagem, sobretudo quando falamos dos cursos com médias mais elevadas. O que quer dizer que a igualdade de oportunidades está longe de ser alcançada em Portugal. E, de facto, as explicações que as famílias de rendimentos mais elevados têm acesso é um dos fatores dessa desigualdade.
O grande desafio da nossa sociedade é garantir a igualdade de oportunidades e a educação é uma das dimensões mais importantes. Por isso, precisamos de programas especiais para essas pessoas. Este apoio fará uso dos novos recursos digitais. Sobretudo quando estamos a falar dos alunos do secundário, onde o problema da autonomia já não se coloca. A garantia de que os meios digitais estão disponíveis é essencial, mas teremos sempre professores, a ideia não é ser apenas digital, será um modelo híbrido, é isso que queremos montar.
Não é um voucher-explicações?
Não. Por acaso, a redigir a proposta tivemos o cuidado de que não desse essa ideia, não é esse o objetivo.
Portanto, serão os professores das escolas que, de uma forma mais digital, remota, podem dar explicações aos alunos.
Sim. Com os novos modelos de avaliação que temos, temos mais capacidade de identificar as fragilidades dos alunos. Os professores já fazem isso, na sala de aula, e aquilo que nós queremos são programas para aqueles alunos que, de facto, têm fragilidades que estão identificadas para poderem recuperar rapidamente as aprendizagens.
Hora da Verdade
Em entrevista à Renascença e jornal "Público", min(...)
Para além dos professores e dos alunos e dos assistentes operacionais, a escola também é feita de edificados. O governo anterior assinou um acordo com a Associação Nacional de Municípios para realizar obras de fundo numa listagem de escolas que na altura estava em 451, se não erro. Um número que, entretanto, actualizou para mais de 500. Como é que está este processo?
Temos 80 escolas a ser intervencionadas pelo PRR. O governo juntou, aos cerca de 500 milhões de euros que estavam previstos, mais de 300 milhões de euros do Orçamento do Estado (OE). Estamos, no fundo, a fazer aquilo que se chama overbooking, podemos ter algumas do PRR que não são concluídas a tempo e por isso há outras que estão a ser financiadas pelo OE, sabendo que nós tínhamos sempre que financiar também com OE. As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), ao nível dos programas operacionais, também estão a financiar muitas, umas dezenas. E vamos ter muito em breve um financiamento de mil milhões de euros do Banco Europeu de Investimento para investimento nestas escolas — de facto, já não são as 451 que tinham sido identificadas pelo governo anterior em 2023, há novas escolas, com grandes problemas, e esses mil milhões vão dar mais um impulso nesta recuperação. O nosso objetivo é que esse programa, com as obras a entrar em curso, aconteça no segundo semestre de 2026.
Vamos fazer a seleção das escolas, estamos a trabalhar nisso com as CCDR, a partir da avaliação feita pelos nossos serviços que priorizou as intervenções como "muito urgentes", "urgentes" e "prioritárias". Temos 22 escolas, 15 na região de Lisboa, definidas como "muito urgentes", isto numa área onde há risco sísmico e há escolas que estão em condições muito precárias mesmo.
Lisboa é um município onde a articulação não tem sido, se calhar, a mais fácil. Há um diferendo relativamente aos valores que estão estimados para as obras nas escolas.
Há um comentário que eu não posso deixar de fazer: os melhores projetos educativos são aqueles onde há uma forte articulação com as autarquias. As autarquias são decisivas na qualidade do processo educativo, em todas as suas dimensões, porque estão próximas, têm a capacidade de resolver problemas. É preciso reconhecer que as câmaras municipais hoje colocam muitos recursos delas próprias na educação (mas eu também costumo dizer que não há melhor investimento de que na educação). Isso nunca pode desresponsabilizar o Estado central de garantir os recursos para que as escolas funcionem em boas condições.
A Câmara Municipal de Lisboa identifica 28 escolas a necessitar de intervenção. Obviamente, a recuperação destas 28 escolas do conselho de Lisboa é a do Estado central. Não há dúvidas sobre isso. Mas só para terem uma ideia do que estamos a falar, de acordo com a proposta que nós temos do município de Lisboa, estamos a falar de mais de 400 milhões de euros para estas 28 escolas. Eu disse-vos há pouco que o empréstimo que em breve será anunciado com o Banco Europeu de Investimento é de mil milhões. Isto é, só para Lisboa precisamos de quase metade desse empréstimo. Ora, obviamente, isto não vai acontecer.
Mas o que é que está errado? O número está sobrevalorizado?
São muitos anos sem investimento, basicamente. Temos que ter, e vamos ter, um plano de investimentos que tem que definir que todos os anos temos que investir, nesta fase, centenas de milhões de euros nas escolas. Não há dúvidas sobre isto. Um plano com as prioridades bem definidas. No concurso para o PRR, o critério foi quem submetia primeiro a candidatura: quem entrou primeiro na aplicação e submeteu a candidatura, podia ter projeto ou não. Isto não faz sentido nenhum. É o Estado demitir-se de garantir a igualdade de oportunidades no acesso à educação.
Encomendou um estudo sobre a ação social escolar no ensino superior. Já tem ideia do que pode vir a ser alterado?
Temos mais de 80 mil alunos beneficiários da ação social, cerca de 70% têm a bolsa mínima [870 euros por ano, equivalente a 125 % do valor da propina]. É um valor muito baixo. O estudo estará concluído no final de Abril e o nosso objectivo era usá-lo para reescrever o regulamento [da acção social escolar] e garantir que há um alinhamento entre aquilo que é o rendimento das famílias e o custo da frequência do ensino superior. O primeiro passo é o aumento da bolsa mínima.
Para quanto?
Não posso dizer já. Mas será no próximo ano letivo.
E relativamente às propinas? Estão em quase 700 euros por ano.
697 euros [nas licenciaturas]. A questão não é o aumento, é o que está na lei, ou seja, a atualização do acordo com a inflação. Já nos mestrados temos uma ideia diferente. É preciso garantir o acesso aos mestrados para a profissionalização [exigidos em certas profissões], mas é preciso liberalizar a enorme oferta de mestrados que temos que são competitivos a nível internacional e atraem estudantes de todo o mundo.
Mas as propinas dos mestrados variam muito.
Sim, mas estão congeladas desde o Covid [exceto nos] que foram criados depois e, neste momento, há instituições a criar mestrados novos só para poderem cobrar propinas mais altas. Não faz sentido. Andamos a falar da atracção de talento do estrangeiro, de investigadores, de professores de vários países. Se alguém quiser pagar um salário excepcional a um professor excepcional para o conseguir trazer para Portugal, tem que ter um projecto que permita tornar esse salário sustentável. Isso só é possível se estivermos nesse mundo internacional. O congelamento das propinas é um constrangimento ao desenvolvimento das nossas instituições.
Portanto, propinas das licenciaturas: atualizar ao nível da inflação. Nos mestrados, descongelar. É isto que propõe?
Descongelar as propinas dos mestrados, havendo regulação para aqueles que são necessários para a profissionalização.
Como vê a retirada de apoio dos EUA a projetos que tinham com universidades portuguesas, após aquele polémico questionário ideológico que indignou os reitores e os diretores das faculdades?
Se eu não tivesse visto o questionário, teria dificuldade em acreditar que a embaixada americana o tinha enviado às instituições. Deste processo aquilo que eu tiro como mais importante é o orgulho nas nossas instituições que nem sequer tiveram que consultar o ministro para dizer o que é que deviam fazer. Foi claro quando receberam que não tinham que responder e que não aceitariam aquelas condições, o que mostra que, de facto, são autónomas e independentes, que é aquilo que deve acontecer num bom sistema universitário.
Foi nomeado ministro para um governo que era suposto durar quatro anos. Hoje está de saída, pelas razões que são conhecidas. Está disponível para um novo mandato?
Estou. Pode parecer que estou agarrado ao lugar, mas gostava mesmo de continuar este trabalho, deixámos muitas coisas a meio, as mais transformadoras.
Nos últimos dias têm surgido indicações de que Portugal poderá voltar aos défices orçamentais. A recuperação do tempo de serviço dos professores pode estar em causa ou os professores podem estar descansados?
Podem estar completamente descansados. Para já, não acredito que voltemos aos défices, porque temos uma política muito responsável, de grande estabilidade e a economia portuguesa tem, num contexto muito difícil, um conjunto de vantagens que, aliás, já foram visíveis no último ano e que, penso, manter-se-ão nos próximos anos. No caso dos serviços públicos, só lamentamos é que não se tenha investido mais cedo do que aquilo que nós estamos a fazer, porque sem isso continuaríamos a ter muitos alunos sem aulas e todos os outros problemas dos serviços públicos.