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Dúvidas Públicas
Todas as semanas, uma entrevista para ajudar a entender as opções de política económica e o caminho que as empresas vão abrindo na conquista de mercados, nacionais e internacionais. Um olhar para os pequenos e grandes negócios numa conversa conduzida pelos jornalistas Arsénio Reis e Sandra Afonso. Para ouvir aos sábados ao meio-dia.
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Renováveis podem criar 116 mil novos empregos qualificados em cinco anos

12 abr, 2025 • Sandra Afonso , Arsénio Reis


Há muito interesse em produzir energia renovável em Portugal, sobretudo por estrangeiros, responsáveis por 85% dos projetos em cima da mesa. Em causa pode estar a criação em Portugal de até 116 mil novos postos de trabalho, qualificados. Em entrevista à Renascença, o presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) explica, também, porque é que a fatura ainda não baixou com as renováveis e porque é que os preços só deverão aliviar a partir de 2030. Aos partidos deixa um apelo para que se entendam no Parlamento.

Renováveis pedem "acordos de natureza política" para impedir travão no investimento
Renováveis pedem "acordos de natureza política" para impedir travão no investimento

Apesar das vantagens das energias renováveis, o mercado ainda não permite refletir os custos nos preços. O presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) explica, em entrevista ao programa Dúvidas Públicas, da Renascença, o que está a impedir a descida da fatura e quando é que os consumidores vão sentir alívio nas tarifas. Na prática, deverá demorar, pelo menos, mais cinco anos.

Pedro Amaral Jorge refuta ainda as declarações deixadas pelo antigo ministro da Indústria e Energia, Mira Amaral, que no mesmo programa defendeu que Portugal investiu demasiado cedo em renováveis e, hoje, estamos a pagar três vezes mais pelas eólicas.

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Ao programa Dúvidas Públicas, da Renascença, Pedro Amaral Jorge defende a necessidade de contratos de longo prazo, para estabilizar os preços, fala da capacidade de produção futura e da importância de investimentos contínuos.

O presidente da APREN critica as sucessivas legislaturas de um ano, que impedem a implementação de medidas estruturantes, e apela aos partidos para que se entendam. A economia precisa de acordos parlamentares, ninguém investe na “transição política”.

Numa altura em que o mundo olha com receio para a política comercial norte-americana, o presidente da APREN defende que esta é uma oportunidade única para a Europa garantir a soberania energética. O regresso da Casa Branca aos combustíveis fósseis deixou muitos fundos recheados e à procura de investimentos em renováveis. “A Europa tem que tirar partido disso, o momento é agora”, avisa.

Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN, é o entrevistado desta semana do programa de economia Dúvidas Públicas. Um trabalho que pode ouvir aos sábados na Renascença, entre as 12h00 e as 13h00, e que está também disponível em podcast, no YouTube e em rr.pt.


Recentemente recebemos aqui Mira Amaral, antigo ministro da Indústria e Energia, que defendeu que estamos a pagar três vezes mais pela energia eólica. A ministra do Ambiente e Energia também já veio dizer que o grande investimento no setor não se reflete na fatura da eletricidade...

Ela já corrigiu essa afirmação. O que quis dizer não era o efeito da energia renovável na produção de eletricidade, era o sistema tarifário ainda não repassar na íntegra o benéfico que é ter eletricidade de origem renovável sem pagar licenças de emissão de CO2 e sem pagar combustível, para o consumidor final.

Isso é um problema de desenho do mercado onde se compra e se vende eletricidade, que é o mercado elétrico da Península Ibérica, não tem nada a ver com os custos nivelados de produção de eletricidade.

Não concorda então com o engenheiro Mira Amaral quando diz que estamos a pagar três vezes mais que o preço de mercado, pela energia eólica?

Em grande parte dos temas, eu diria em 95%, discordo. Não é nada pessoal, é só uma questão profissional. Temos que distinguir entre preços e custos. Preço é aquilo que o mercado está disponível a pagar, custo é aquilo que me custa produzir esse bem ao serviço.

Neste momento, na energia renovável, o mercado do dia ou mercado do dia anterior, quando são os mercados de curto prazo, não está desenhado para repassar a totalidade dos benefícios de ter energia renovável na compra e venda de eletricidade para o consumidor final.

Sem entrar numa explicação muito técnica, consegue explicar o que há de errado nisso?

Nós temos o mercado diário e intradiário onde se vende eletricidade. Quando eu tenho uma quantidade muito grande de energia renovável, significa que os meus preços de entrada nesse mercado são zero ou muito próximo de zero. Um conceito técnico chamado "a ordem de mérito", faz com que eu arraste uma grande parte dessa energia que é transacionada durante o dia, para preços zero ou muito próximos.

O que é que está errado nesse desenho? Se eu, em algum momento do dia, precisar de ter uma central de ciclo combinado a funcionar a gás natural, como o mercado quando fecha essa hora não paga pelas ofertas individuais de quem está a vender, mas paga pelo fecho da última oferta a entrar, significa que se eu tiver uma hora com gás natural, esse gás natural aumenta o preço dessa hora de eletricidade. Significa que a forma como o mercado diário e intradiário operam, ainda não recupera esses benefícios das renováveis.

A Comissão Europeia, em 2024 e já antes de redesenhar o mercado elétrico europeu, que é um dos grandes trunfos da Europa contra estas guerras comerciais, já admitiu e já regulou formas de repassar esses benefícios, fazendo com que os consumidores, quer domésticos, quer empresariais, possam fazer contratos a longo prazo, com previsibilidade a um ano, dois anos, três anos. Isso vai trazer uma grande segurança, porque evita as volatilidades.

Com preços fixos?

Preço fixo durante esse período. Essa regulação, se não tivéssemos tido a pandemia e a guerra da Ucrânia, já estaria certamente concluída. Nestes dois eventos não previstos, tivemos alterações da política europeia em termos de energia e os Estados-Membros não definem nada individualmente, em termos energéticos.

O que o engenheiro Luís Mira Amaral quis dizer é que, efetivamente, quando começámos a ter as eólicas, aquelas que representam esta massa a que normalmente se é referido são do final dos anos 90, a Comissão Europeia, para que não fossem os contribuintes a investir nisto e fosse o setor privado empresarial e o setor financeiro a investir, teve que criar o chamado esquema de remuneração de mercado, usualmente designado por perfil de interesse. Como não há custos variáveis, porque não tenho custos de combustível nem tenho que pagar licenças de emissão, tenho que pagar essencialmente os custos do investimento e os custos do capital.

Investimento subsidiado.

Parte subsidiado, porque outra parte é paga no mercado elétrico. O subsídio é só parcial, na tarifa. Quando desenhámos o mecanismo tarifário, em vez de deixarmos que esses custos de interesse económico geral, a diferença entre o preço de mercado e o preço para o valor do custo de produção ficar na componente energia da tarifa de eletricidade, criámos esta rubrica à parte.

Ainda não disse a que preço foi contratada esta energia?

Tivemos preços que rondaram os 93€ por megawatt hora, à data. Essas tarifas viveram o seu período e quando a troika interveio em Portugal, os promotores foram chamados a pagar anualmente ao sistema elétrico cerca de 5.500€ por megawatt de potência instalada, durante sete anos, para que se reduzisse a dívida tarifária.

Como contrapartida para que os projetos continuassem solventes e os ativos também, tiveram direito a ter um regime de remuneração que é de mercado, mas que tem um teto e tem um chão. Os preços andam aí dentro. Entre os 69€ por megawatt hora e os 92€. Não há valor médio, é uma média móvel mensal com o valor do mercado médio nesse mês.

São valores para a Europa ou só para Portugal?

Portugal.

Como é que as energias renováveis podem baixar a fatura dos consumidores?

Quando começarmos a ter desenhos de mercados a prazo e instalarmos toda a capacidade que está neste novo Plano Nacional de Energia e Clima, que todos os Estados-Membros têm e que assinaram.

À medida que eu for aumentando a minha potência instalada, o que existe aos valores anteriores da eólica vai ficando diluído. Tudo isto vai funcionar numa lógica de mercado a longo prazo, já de acordo com os novos custos de produção de eletricidade que temos hoje em dia.

Hoje, o solar é visto como um milagre, porque conseguimos produzir eletricidade a 50€, mas em 2009 custava 550€ hora. Todas as curvas de aprendizagem das renováveis, a massificação, os ganhos de escala, permitiu custos de produção cada vez mais baixos. A única coisa que falta é repassar esse ganho através do mercado para os consumidores finais.

Não faz sentido dizer que se tivéssemos adiado o investimento nas renováveis, até a tecnologia estar mais madura, tínhamos poupado dinheiro ao consumidor?

Seria como dizer que não devia ter comprado um carro em 1995, porque a eficiência do combustível na altura era dez e agora consigo com quatro. Era ou não era necessário?

Não compra esta ideia de que devíamos ter esperado mais tempo para investir nas renováveis?

Não. Eu tenho um estudo que faço a cada dois anos, com consultores, que faz o cálculo para demonstrar que no valor agregado de 10 anos, os consumidores ganham sempre em ter as renováveis no mercado, mesmo tendo de pagar os custos de interesse económico geral. Eu demonstro a cada dois anos que essa ideia não é verdadeira.

E já agora, desde quando é que os consumidores começaram a ter ganhos pelas renováveis?

Sempre que a proporção de renovável no sistema me permite que eu tenho que produzir menos eletricidade com carvão ou com gás natural, os consumidores já começam a sentir esse efeito.

Olhando para o problema ao contrário, tem ideia de quanto é que as renováveis já terão permitido poupar este ano, por exemplo, em importação de gás natural?

Não tenho esses números de memória, mas posso dizer que no ano passado o efeito Ordem de Mérito, agregado, foi para aí de 6 mil milhões de euros. As importações de gás natural foram de 912 milhões de euros e evitar comprar licenças de emissão foi cerca de 450 milhões. Não tive que comprar licenças de emissão porque produzi eletricidade de fonte não poluente, não tive que comprar gás natural para produzir essa quantidade de eletricidade e ainda tenho o efeito de ordem de mérito, que me reduz o preço médio diário, por ser uma quantidade de horas em que o consumo é suprido apenas com eletricidade de fonte renovável.

Já explicou que o desenho do mercado de energia não favorece as renováveis, Como e quando deve ser alterado?

A partir de 2030. Deixe-me dar-lhe uma metáfora. O mercado diário e intradiário é mais ou menos como a mercearia do bairro, normalmente vou comprar as coisas que preciso a mais longo prazo a um hiper ou supermercado. Da mesma forma, grande parte da eletricidade de fonte renovável tem que ser vendida no grande retalhista. Se tiver um evento imprevisto e preciso de mais energia, ou seja, apareceram uns amigos em casa e preciso de comprar algumas coisas, vou à mercearia do bairro.

Em 2030 o mercado diário e intradiário tem que funcionar como a mercearia do bairro e toda a parte de eletrificação dos consumos como o retalho de grande escala.

Sobre o fornecimento. Ainda recorremos às energias produzidas com origem a carvão ou gás natural, para garantir que não há falhas na rede?

É ligeiramente diferente. Nós hoje não temos o consumo a poder ser suprido apenas por renováveis, porque não temos potência instalada necessária e porque temos os backups do sistema com centrais de ciclo combinado em Portugal e também temos interligações com Espanha. Com estes mecanismos, consigo ter sempre o sistema equilibrado.

Quando poderemos, Portugal e Espanha, dispensar a produção de energia a carvão e gás natural?

A carvão já dispensámos e Espanha também vai dispensar. A gás natural não, precisamente porque a função das centrais de ciclo combinado a gás natural são equilibrar esta oferta e procura, independentemente das condições climatéricas.

O sistema elétrico do futuro vai ter bombagem hídrica, vai ter baterias e vai ter aquilo que se chama flexibilidade do consumo e flexibilidade da produção. Ou seja, o mecanismo tarifário tem que permitir que os consumidores queiram consumir a horas em que a eletricidade é mais barata e remunerar os consumidores quando nós precisamos de equilibrar o sistema, porque há mais consumo do que produção. Isso está tudo no desenho do mercado elétrico europeu, que tem que ser implementado nos Estados-membros.

Esse desenho também inclui capacidade de armazenamento, quando a energia não está a ser consumida?

Exatamente. Quer na hídrica, quer nas baterias. Em 2024 já incorporamos na produção nacional 80,4% de fontes renováveis na produção de eletricidade. Do lado do consumo, porque tenho importações de Espanha, isso representou 71%. Ou seja, de 100% do consumo elétrico nacional, 71% foi de fontes renováveis.

Provavelmente, em 20230 Portugal já vai ter 90% de eletricidade renovável, o que significa que estes 3800 megawatts de bombagem podem ser acrescentados para 4100, 4200 ou 4500. O que está no Plano Nacional de Energia e Clima é que venhamos a ter 2000 megawatts de baterias, em potência instalada, até 2030.

Nessa altura, ainda fará sentido continuar a usar o gás natural como um fator de estabilidade no abastecimento?

Vai depender muito da evolução do consumo e da evolução da geração de eletricidade.

Quando é que será possível atingir os 100% de abastecimento renovável?

Acho que 100% é o desenho que nós temos para 2045. Cada vez que eu vou aumentando, dos 85 a 90 para cima, aquilo que eu tenho que investir para ter mais 1 ponto percentual é muito. Temos que ver se depois isso tem retorno económico para as pessoas. O que está pensado inclui a produção de hidrogénio verde. Mesmo com toda esta loucura do senhor Trump, a Comissão Europeia ainda não se afastou um milímetro da estratégia.

Qual é a sua expectativa para a evolução dos preços?

À medida que for incorporando cada vez mais fontes de energia renovável na produção de eletricidade e transferir grande parte deste consumo da mercearia do meu bairro para o hipermercado, vou ter tendência a baixar sempre os custos. Vamos deixar de estar sujeitos aos preços do gás natural e a pagar licenças de CO2.

Tem uma expectativa de qual será o preço?

Não conseguimos ter. Mas, mantidas as condições de hoje, olhando para o que era o cenário antes da nomeação de Trump, eu diria que nós íamos para os custos nivelados. O solar hoje estaria na casa dos 50 e o eólico na casa dos 60, 62 euros. Qualquer megawatt hora, hoje produzido com gás natural, com licenças de CO2, não está abaixo dos 100 euros.

E qual é a sua expectativa para a capacidade de produção de renováveis no próximo ano?

Tendo um ano hidrológico equivalente àquele que tivemos este ano, aumentando a capacidade da potência fotovoltaica, que é a que está em grande crescimento neste momento, eu diria que podemos ter acima de 85% de incorporação de energia renovável na produção nacional.

E a capacidade instalada? No ano passado aumentou 8%, esperam que continue a aumentar ao mesmo ritmo?

A expectativa é que continue a aumentar, pelo menos também entre 8 e 10%. O grande aumento vai ser na solar fotovoltaica e temos que resolver aqui um conjunto de coisas que nos estão a bloquear o desenvolvimento da eólica onshore e também o aumento da capacidade das centrais hídricas e um mecanismo que atraia dinheiro barato para a implementação das baterias.

Há muitas intenções de investimento e projetos a aguardar autorização para avançar?

Há muitos pedidos para fotovoltaico, há muitos pedidos para eólicas onshore, há muitos pedidos para baterias e há alguns pedidos para eólica offshore, mas isso vai depender de como a matriz evoluir. Também há pedidos para hídrica, porque a de Albufeira ou de bombagem permite ter uma bateria enorme.

Nesses pedidos, qual é a percentagem de investimento direto estrangeiro?

Diria mais de 85%. É um projeto de capital intensivo, grande parte do custo, cerca de 90%, está no momento zero. Numa central de ciclo combinado, 50% são custos de investimento, 50% são custos operacionais de combustível, de pessoas, de licenças de emissão.

Do que é que dependem as autorizações?

Em Portugal tenho que ter três processos de licenciamento: um licenciamento elétrico, um licenciamento ambiental, um licenciamento municipal para construção.

Uma vez atribuídas estas licenças, estou em condições de discutir como vou financiar o projeto. Há sempre muita gente interessada em Portugal, que tem um risco sistémico muito inferior a Espanha, do ponto de vista das renováveis, e nós temos que incentivar que isso continue a ser a perceção dos investidores estrangeiros, porque esse investimento todo gera emprego, emprego gera arrecadação fiscal, gera crescimento do PIB, gera receita para a Segurança Social.

Em termos de emprego, há alguma estimativa de quanto é que estes projetos representam ou podem representar para o país?

Se cumprirmos o Plano Nacional de Energia Clima até 2030, na íntegra, isso representaria um acréscimo de cerca de 90 a 116 mil empregos novos qualificados, nas três fases: construção dos projetos, operação dos projetos, venda de eletricidade e monitorização. Ou seja, todo este acréscimo de investimento geraria este emprego até 2030.

Olhando para a guerra comercial que está instalada, de que forma é que a atual instabilidade geopolítica pode afetar este setor?

Eu acho que favoravelmente para Europa. O ano de 2024 foi o ano em que mais se investiu em renováveis, em sentido alargado, investimento na produção de eletricidade, na instalação de equipamentos, desenvolvimento de projetos, nas cadeias de valor.

No contexto mundial, investiu-se em renováveis 2,1 triliões de dólares, foi a primeira vez que ultrapassámos os 2 triliões. A China sozinha, investiu metade desse montante, que correspondeu a 4% do PIB. A Europa, curiosamente, ficou em segundo lugar, agregado à União Europeia, com cerca de 380 mil milhões, O que significa que os Estados Unidos, mesmo com o programa "Inflation Reduction Act", implementado pela administração Biden, não conseguiu desincentivar o investimento europeu para colocá-lo nos Estados Unidos.

Com o secretário de Estado da Energia norte-americano, que acha que não há alterações climáticas, que é um negacionista, e que é com o petróleo que se resolve o problema da economia americana, Tivemos aqui uma paragem absurda nos incentivos ao investimento em renováveis nos Estados Unidos.

Como deve reagir a Europa?

A Europa não tem alternativa, na minha opinião, a não ser começar a ter soberania energética. A única forma de ter controlo sobre os seus custos de produção de energia e sobre os seus preços é produzir "todos" os energéticos em espaço europeu e isso só pode ser feito com renováveis.

Se efetivamente se está a assustar os investidores em renováveis daquele lado do Atlântico, significa que o mercado para investir encolheu. Mas muitos fundos, até à eleição de Trump, tinham mandatos de 10 e 15 anos para investir em sustentabilidade, em renováveis, investir em economia climática.

E podemos captar agora esses fundos?

Esse grande investimento vai começar a lutar por oportunidades. Em vez de estarmos num mercado em que temos que andar a disputar dinheiro, se calhar vamos ter mais oferta de dinheiro para fazer as coisas. E isso faz com que o custo do capital reduza, porque ele é mais abundante e tem maturidades, ou seja, períodos de reembolso maiores. A Europa tem que tirar partido disso, porque o momento é agora.

Esse é o reflexo da oportunidade. E qual é o reflexo da crise?

É que a Europa tinha nos Estados Unidos um mercado para onde exportava muitos bens e, se a intenção for reduzir essas importações pelo aumento das tarifas alfandegárias, podemos ter aqui um arrefecimento da economia, porque muitas das empresas contavam com aquele mercado até desenvolverem mercados complementares. Isso não se faz num dia, não se faz num ano, faz-se em três ou quatro.

Além disso, do ponto de vista do comércio global, os Estados Unidos só representam 17%. Há 83% de comércio global, onde eu tenho que substituir as minhas exportações para os Estados Unidos e procurar mercados alternativos. Obviamente que a indústria automóvel, que já tinha um problema com a eletrificação da mobilidade e os carros que vêm do sudoeste asiático, pode ter aí um decréscimo e sabemos que a indústria automóvel é fundamental na geração de emprego e de riqueza no continente europeu.

Isto é uma trapalhada, ainda por cima auto infligida, o que é pior ainda.

Uma das prioridades de Bruxelas é agora o rearmamento...

A Europa tem que pensar muito bem. Se vai investir 800 mil milhões de euros em defesa e se essa defesa também vai precisar de energia, não pode pensar que vai conseguir suprir a energia para chegar à construção desses equipamentos e desse sistema de defesa, a comprar gás natural a autocracias ou aos Estados Unidos. A solução para isto é que nós temos que caminhar, cada vez mais, para a soberania energética.

As renováveis passam a ter três papéis: sustentabilidade ambiental, competitividade das empresas, segurança de abastecimento. E não há forma de fazer isto com petróleo nem com gás natural.

Isto poderá substituir parte da contração de investimento e crescimento económico que pode advir de outras fontes, até arranjarmos aqui uma organização global para onde vamos fazer acordos comerciais. E se a Europa fechar o acordo com o Mercosul, se calhar não sofremos assim tanto e os Estados Unidos podem sofrer muito mais, até decidirem eleger um novo presidente.

Toda esta transição leva algum tempo. Entretanto, vamos ter que continuar a comprar, como dizia, a sistemas autocráticos...

Já diversificamos. A própria União Europeia já decidiu comprar o gás natural de forma descentralizada, em nome de todos os Estados-Membros. Vamos ter muito mais capacidade negocial e vamos continuar a fazer isso.

E qual é a alternativa aos Estados Unidos?

Nigéria, Arábia Saudita, Qatar... A Europa vai ter que arranjar acordos com fontes que tenham dispersão de risco. Há uma quantidade de geografias que têm interesse em fazer isso.

No panorama nacional, vamos ter agora novas eleições legislativas. Já manifestou preocupação com a queda do governo e o impacto que pode ter na economia. O que é que o preocupa, neste sector em concreto?

O setor energético é decidido em Bruxelas e nós temos que transpor regulamentos e implementar regras. Cada vez que temos uma queda de um governo, começamos quase sempre o processo de novo. As negociações com a União Europeia demoram um ou dois anos a conseguir.

É preciso aqui uma linha de continuidade durante algum período para fazermos agora as coisas que são importantes. A transposição da diretiva das renováveis, a implementação do interesse superior prevalecente das renováveis na instalação de projetos, o desenho do mercado elétrico a longo prazo para benefício dos consumidores. Tudo isso tem que ser implementado e isso requer alguma continuidade.

Três governos em três anos, não têm ajudado, com certeza.

Não... E depois não são só os ministros e os secretários de Estado, são todas as equipas. A Aliança Democrática irá manter a sua equipa governativa, isso ajudava, mas se não for (governo) é um processo a começar do zero. Coisas que impliquem acordos de natureza política, obviamente, terão que ser feitas posteriormente, aquando da formação do novo governo e da nova composição do Parlamento.

O que é que o preocupa mais para a próxima legislatura?

É termos um novo mini ciclo? É andarmos de mini ciclo em mini ciclo, de ano a ano... Sem uma composição estável no Parlamento ou se os parlamentos não entenderem que têm que estar ao serviço dos portugueses e conseguir efetivamente criar uma estabilidade social e económica para que o país se desenvolva. Eu acho que fica difícil. Entramos de mini ciclo em mini ciclo e isso vai ter impactos, neste setor e noutros... As pessoas não investem na transição política, esperam para perceber qual é que vai ser o cenário, no dia seguinte.

Que balanço faz da última maioria relativa?

No caso da energia, não tenho nenhuma reclamação a fazer. O que estou a dizer é que agora, que estávamos a chegar ao momento de começar a implementar as coisas, cai o Governo. A composição do Parlamento não ajuda, se sectores que são estratégicos e estruturantes para a sociedade e para a economia portuguesa não forem defendidos.

Rejeitou a proposta do PS, que quer pôr os parques eólicos e solares a pagarem mais IMI, mas dizem estar disponíveis para negociar com os municípios uma compensação em sede de rendimentos. Por que não propuseram isso desde o início?

Nós tentamos, ninguém quis escutar. As renováveis já pagam IMI, só não paga na forma como a determinado momento a Autoridade Tributária quis interpretar o código do IMI. Impôs uma circular, os promotores contestaram e os tribunais começaram a dar razão aos promotores de eletricidade.

Entretanto, no começo de Janeiro, sai este projeto de lei, que quer taxar um equipamento industrial em mais do que aquilo que está associada ao que seria a parte de edificação. Um exemplo concreto, a fábrica da Autoeuropa paga IMI na sua edificação, a nave de pintura que está dentro do ciclo de manufatura vai pagar um IMI autónomo? É isso que estamos a discutir.

Como é que é tratada esta questão noutros países, por exemplo, em Espanha?

Foram desenhados impostos que pretendem compensar os municípios, tal como eu propus, oferecendo 1500 megawatts, não por potência de ligação à rede, mas potência instalada e negociarmos com a Associação Nacional de Municípios uma compensação, que nunca pode ser em sede de património.

Espanha tem um sistema fiscal que permite captar benefícios para os municípios e nós já pagamos. Ou seja, as eólicas pagam 2,5% da receita bruta aos municípios. Eles têm uma lógica diferente, em função de cada autonomia, são modelos distintos para cada tecnologia, mas não é sobre o valor de construção do património.

Tem acompanhado os projetos nacionais de produção de combustível sustentável para a aviação, a partir de hidrogénio verde? Há interesse e capacidade neste mercado?

Temos um programa europeu que se chama "ReFuelEU", em que a aviação tem que começar a integrar quotas de produção de combustíveis para a aviação de fonte renovável. Podem ser de fonte elétrica (eSaf) ou de fonte biológica (Saf). O ideal é que se avance com as duas soluções, porque a fonte biológica vai chegar a um momento que vai ter problemas de escala. mas tem, um benefício quando se misturam as duas tecnologias.

A TAP e todas as companhias vão passar a ter que integrar (este combustível) e Portugal, tendo em conta a vantagem que tem no portefólio de hídrica, solar e eólica, pelo facto de vir a ter na rede em 2030 pelo menos 90% de energia renovável, já cumpre um detalhe de legislação europeia.

Portugal vai ter uma vantagem competitiva para produzir esses combustíveis para a aviação comercial e representa um consumo importante, em escala.

Surgiram agora no mercado os painéis solares para varandas. Esta solução pode vir a ter impacto na produção de energia vendida à rede?

A quantidade que vou produzir de eletricidade, mesmo que consiga suprir na íntegra o consumo de um fogo, tenho todos os outros usos de eletricidade industriais e corporativos, preciso de continuar a ter os outros sistemas. Obviamente que a produção descentralizada de eletricidade, com painéis fotovoltaicos, seja nas coberturas, seja nas varandas, é um acréscimo, porque satisfaço parte do meu consumo e tenho que fazer menos investimento em rede. Com a instalação de baterias domésticas, eu consigo modular a minha produção ao meu consumo. Esse é o caminho.

Esta produção individual ou doméstica, através dos painéis nos telhados e agora nas varandas, já tem expressão em Portugal?

Deve representar aí 3% do consumo. Ou seja, é uma medida positiva, deve fazer-se, melhora o sistema elétrico, reduz tensão e stresse na rede, mas não é suficiente para suprir o consumo nacional. Muito menos numa lógica de reindustrialização da Europa, em que para captarmos investimento Portugal tem de oferecer energia competitiva e previsível.

Grande parte dessa eletricidade ou dessa energia há de ser elétrica, porque o futuro, não há dúvida nenhuma, vai ser elétrico.

A terminar, Portugal está a adaptar-se bem às expectativas e à procura do mercado por por veículos elétricos? Como é que vê o papel das renováveis nesta eletrificação da mobilidade?

O facto de Portugal poder vir a ter preços de eletricidade baratos no futuro, também incentiva a mobilidade elétrica. Por outro lado, daqui a uns tempos vamos passar a taxar as emissões mesmo nos veículos, porque o que hoje é aplicado à indústria e à produção de eletricidade também vai chegar aos edifícios e aos transportes. Acho que a mobilidade elétrica vai continuar a crescer.

A rede terá capacidade?

Vamos ter que ter carregamento inteligente. Com formas inteligentes, quer de aproveitar para carregar os veículos elétricos quando os preços estão baixos, o que significa que há menos trânsito na rede, e criar incentivos para que os veículos sejam carregados nessas horas, ajudando o mercado elétrico e ajudando o equilíbrio da rede. Assim vamos ter condições na rede, mas vai ter que se fazer muito investimento na rede elétrica de serviço público europeia, quer de transmissão, quer de distribuição. Isso é incontornável.

Hoje a eletricidade representa em Portugal cerca de 25% de todo o consumo energético. Se apontarmos para os 60 a 65% que queremos em 2050, temos muita infraestrutura de rede para construir.

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