26 mar, 2025 • Ângela Roque
Ser pai ou mãe de acolhimento é uma possibilidade ainda com pouca expressão em Portugal, ao contrário do que já acontece noutros países, mas o Estado pretende que passe a ser a medida mais aplicada sempre que for necessário retirar às famílias crianças em risco até aos seis anos de idade. Mas, quem pode ser família de acolhimento? Quais são os principais desafios, e sobretudo quais são as vantagens para quem é acolhido?
Neste episódio do podcast "Vidas Invisíveis", Patrícia Bacelar, psicóloga comunitária e responsável pelo Núcleo de Acolhimento Familiar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), lembra que Portugal está a dar os primeiros passos e que é necessária uma mudança de mentalidade. “Precisamos, mais do que tudo, de criar uma cultura de acolhimento familiar, que já existe noutros países há décadas e todos sabem o que é, não estamos propriamente a inventar a roda em Portugal”.
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Esta responsável confia que a atual campanha de promoção do acolhimento - que envolve, além da Santa Casa, o Instituto de Segurança Social e a Casa Pia de Lisboa, os outros organismos que tutelam esta área - acabará por dar frutos.
Na SCML há neste momento uma bolsa de famílias. “Temos 102 certificadas, mas nem todas estão ativas, porque às vezes há momentos de repouso entre acolhimentos, para reorganização e reflexão. Mas, o nosso objetivo é até 2030 ter 250 famílias em bolsa ativas, nesta rotatividade de acolhimento”, adianta.
Rosa Amado contactou cedo com a realidade do acolhimento. “Desde nova fazia voluntariado em instituições e esta realidade sempre me tocou imenso”. A família que constituiu tem hoje cinco filhos e já acolheu dois bebés em risco.
“Temos uma filha adotada e pensar em quem tomou conta dela nas alturas em que não teve ninguém começou a mexer connosco, e então partimos para esta vontade de ser família de acolhimento, e de ser esta casa e este colo de quem em alguma altura da vida fica sem ele”, conta.
A decisão revelou-se muito positiva para toda a família. “Queremos que seja natural para os nossos filhos partilhar o que têm, o amor, a casa, os brinquedos”.
Rosa não esconde a gratidão que sente. “É uma forma de amor que eu não conhecia se não fosse assim, e sou muito agradecida por conhecer, eu, os meus filhos e o meu marido. Estou aqui eu, mas eles diriam o mesmo”, assegura.
Este episódio do podcast "Vidas Invisíveis" foi gravado pouco antes de o Parlamento aprovar, por unanimidade, a 14 de março, a lei que prevê que as famílias de acolhimento possam ser familiares da criança e possam adotar, o que até agora não era permitido. São mudanças que as duas convidadas já esperavam e desejavam, e que poderão fazer com que o número de candidatos aumente.
Patrícia Bacelar lembra que “é um direito fundamental das crianças viverem em contexto familiar, seja na sua família, seja noutras medidas alternativas”. O objetivo é a família de acolhimento "responder às necessidades da criança de uma forma temporária”, mas que durante o tempo que ali permanecer tenha “cuidados mais individualizados e mais previsibilidade nas suas rotinas, o que é mais difícil num contexto de acolhimento residencial”.
Apesar de se pretender que o acolhimento familiar seja aplicado sobretudo aos mais pequenos, haverá sempre crianças com mais idade para dar resposta. “Naturalmente que quanto mais velhos mais desafios traz para as famílias”, refere.
Rosa, que só acolheu até hoje bebés (um tinha dois meses, outro apenas quatro dias), admite que com os mais velhos pode ser “mais confuso” para as próprias crianças. “Mas, também acho que se é mais confuso, então nós somos mais precisos”, acrescenta. E desdramatiza a questão da afeição que se ganha pela criança, sabendo que um dia ela irá regressar à família biológica.
“Eu acho que sabermos que não é para sempre até é uma ajuda. Não há essa expectativa, mas aquele período em que está, está como deve ser, com os nossos, o melhor que pudermos. Que eles saibam que pertencem ali, enquanto ali estão. Depois, no dia em que forem, também é uma alegria imensa, por saber que encontram o destino deles, ver a alegria da família para onde vão a reconstruir-se e fazer também um bocadinho parte disso.”
Patrícia Bacelar explica que o perfil de cada família é estudado e analisado, para se adequar ao perfil de cada criança que precisa de ser acolhida, e que há preconceitos que têm de ser combatidos: “Não há um único tipo de família de acolhimento, as pessoas não têm de ser todas ricas, podem ser pessoas singulares”.
Os eventuais interessados devem contactar as instituições de enquadramento, como a Santa Casa., o Instituto de Segurança Social e a Casa Pia de Lisboa.
Nas palavras de Rosa Amado, “é uma ótima aventura, uma oportunidade de crescimento para todos. Vale a pena arriscar e deixar-se surpreender por tudo o que nos traz pessoalmente, em família, pelo nosso papel na sociedade”.
Vidas Invisíveis é um podcast Renascença em parceria com a associação CANDEIA, com novos episódios todas as quartas-feiras.