10 abr, 2019
Em 2014, o projeto “Health in Portugal: a challenge for the Future” identificou a medicina centrada no doente como um dos princípios centrais para o desenvolvimento e reorganização do sistema de saúde português. Esta abordagem paradigmática melhora a qualidade e eficiência dos cuidados de saúde, ao mesmo tempo que reduz os custos dos sistemas de saúde (Zill et al., 2013).
A medicina moderna está alicerçada numa dicotomia de paradigmas; por um lado, o paradigma da "medicina baseada em evidência» e, por outro (ou além deste), o da “medicina centrada no paciente/doente”. O consenso sobre a importância de ambos os paradigmas e formas de conceber a prática médica moderna é evidente; no entanto, duas questões de enorme relevância são incontornáveis: como se pratica uma medicina baseada na evidência e simultaneamente centrada no paciente? E como pode a medicina centrada no paciente ser baseada na evidência? Paradoxalmente, a bibliografia revela que a medicina baseada em evidência e a medicina centrada no paciente parecem pertencer a mundos separados. Assim, articular estes dois paradigmas, e reforçar a importância da medicina baseada no doente e não na doença, é o desafio de todos os que querem proteger a face humana da medicina. Sendo, também, uma das propostas da lei de bases de saúde, interessa, evidentemente, analisar detalhadamente o que significa.
De facto, a nível internacional, é crescente o reconhecimento de que a filosofia e a prática de uma medicina centrada no doente é nuclear nos novos e eficazes modelos de prestação de cuidados. Os governos e as estruturas de gestão de cuidados de saúde de diferentes países (e.g., EUA, Austrália, Canadá, Reino Unido, Alemanha), seguindo o modelo Americano do Institute of Medicine (IOM), têm reconhecido os “cuidados centrados no doente” como uma das seis metas fundamentais para a melhoria do sistema de saúde, essencial na própria avaliação dos cuidados de saúde. Assim, tendo em consideração a definição de Greene et al., (2012), que descrevem o cuidado centrado no paciente, como um cuidado que "responde a preferências individuais do paciente, necessidades, valores e objetivos", podemos facilmente compreender os resultados dos inúmeros estudos internacionais que indicam que este modelo resulta em melhores cuidados e resultados de saúde, incluindo a sobrevivência, satisfação do paciente, redução do burnout dos profissionais de saúde e uso mais adequado dos recursos de saúde.
Existem diferentes modelos internacionais que descrevem a prática médica centrada no paciente (na pessoa doente) (Zill et al., 2013). O modelo mais recente proposto no contexto alemão (Scoll et al. 2014) inclui diferentes eixos:
Embora não seja possível determo-nos sobre cada um dos eixos dos modelos propostos parece claro que a maioria destas questões estão longe de ser realidade. Em suma, independente do modelo, se o objectivo da Lei de Bases é estabelecer a lógica de cuidados centrados no doente; percebemos, facilmente, que a estratégia está desadequada na concretização do objectivo definido. Independentemente do modelo que adotemos a redação actual não permite a centralidade do doente. Talvez, de facto, não seja possível nem tão pouco desejável que se defina estratégias numa Lei, que por ser de Bases, deverá ser geral, definindo somente a arquitectura do sistema. Mas, de facto, a arquitectura definida em vez de permitir a re-centralização dos cuidados na pessoa doente, está carregada de ideologia política, definindo não o doente no centro dos cuidados, mas a política no centro dos cuidados, anulando, consequentemente, o objectivo que define…
Greene, S. M., Tuzzio, L., & Cherkin, D. (2012). A framework for making patient-centered care front and center. Perm J, 16(3), 49-53.
Scholl, I., Zill, J. M., Härter, M., & Dirmaier, J. (2014). An integrative model of patient-centeredness–a systematic review and concept analysis. PloS one, 9(9), e107828.
Zill, J. M., Scholl, I., Härter, M., & Dirmaier, J. (2013). Evaluation of dimensions and measurement scales in patient-centeredness. Patient preference and adherence, 7, 345-351.