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Isabel Viegas
Opinião de Isabel Viegas
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Opinião Católica-Lisbon

Não matemos uma boa ideia!

27 fev, 2023 • Isabel Viegas • Opinião de Isabel Viegas


Precisamos de líderes “superiores”, que assumam que os colaboradores das suas equipas não são “seus”, são o talento da organização e cuidar do seu desenvolvimento deve ser uma das suas prioridades.

Há poucas semanas, num programa de executivos, alguns participantes partilhavam que a sua empresa tinha começado a integrar a participação em projetos como uma forma de desenvolver e reter bons talentos e que essa estava a ser uma experiência muito negativa.

Tentei perceber melhor.

O que se passava era que algumas equipas, por períodos definidos, eram reforçadas por quadros de outras áreas, sem que nada se alterava para além deste movimento: a área de origem reclamava por ficar sem um elemento, a área de projeto sentia que estes colaboradores não eram “seus” na realidade e que os iriam “perder” em breve, pelo que não valia a pena investir muito neles e os colaboradores sentiam-se prejudicados quando iam para os projetos, já que era a área de origem que mantinha a responsabilidade pela sua avaliação, não tendo em conta o desempenho nos projetos.

Ficou então muito claro para mim: o tema não é a essência (proporcionar aos bons colaboradores uma experiência de desenvolvimento pela participação temporária em projetos fora da sua área), mas o modo como se pega numa boa ideia e não se criam as condições para que ela funcione. Numa era de enormes dificuldades em reter os talentos, esta pode ser uma via muito interessante a explorar.

Este exemplo coloca, desde logo, o tema da “territorialidade”: precisamos de líderes “superiores”, que assumam que os colaboradores das suas equipas não são “seus”, são o talento da organização e cuidar do seu desenvolvimento deve ser uma das suas prioridades. Já ouvi um gestor de topo dizer que preferia que um dos seus colaboradores saísse da empresa do que fosse para outra área…

Quando assumimos esta postura “superior”, procuramos olhar para as experiências que a empresa pode proporcionar aos “nossos” colaboradores e abrimos-lhes as portas sempre que surge uma dessas oportunidades. Isto implica termos feito um trabalho anterior muito consciente: ter uma equipa preparada, informada, polivalente e uma cultura colaborativa que aguente uma saída por algum tempo e que reconheça que esse colaborador que sai regressará mais competente, mais preparado para nos fazer avançar.

Depois, quando queremos integrar o trabalho em projetos de forma temporária é fundamental ter claro as condições que o assegurarão. Eis algumas:

  • Dedicação ao projeto: dias da semana fixos ou as semanas (ou meses) em que o colaborador vai participar no projeto. Numa era de trabalho remoto, e ainda que a participação no projeto não implique obrigatoriamente a deslocação do colaborador para outro local, tal é vivamente aconselhado para “disciplinar” o tempo atribuído ao projeto. Este tema é muito relevante e deve ser acordado entre as 3 partes (hierarquia que cede, a hierarquia do projeto que irá receber e o colaborador envolvido), para que todos estejam comprometidos com a sua facilitação
  • Âmbito da colaboração esperada: a participação num projeto deverá permitir ao colaborador aportar valor pela experiência que já tem e ir mais além, proporcionando-lhe o contacto com uma realidade que não conhece. Deve, pois, ser preparado qual vai ser o espectro da participação do colaborador e ser-lhe transmitido exatamente o que se espera dele
  • Competências a desenvolver: clarificar que "skills" são esperados ver desenvolvidos no colaborador no final desta colaboração. Este aspeto irá guiar quer o colaborador quer a hierarquia do projeto, já que atingir este objetivo será uma responsabilidade partilhada por ambos
  • Condições de participação: definir que condições (logísticas, de transporte, etc.) serão facultadas ao colaborador para participar no projeto
  • Dar valor à participação: é muito importante que a hierarquia do colaborador mostre, durante o tempo em que decorre o projeto, que valoriza a participação do “seu” colaborador no mesmo. Perguntar frequentemente como está a correr o projeto, pedir ao colaborador para fazer uma pequena apresentação à equipa do que está a fazer no projeto e o que está a aprender, são formas de mostrar este interesse e valor
  • Avaliação da participação no projeto: no início da participação, deverá ficar claro para os três intervenientes como vai ser feita a avaliação da participação no mesmo. Duas sugestões: "assessement" às competências definidas no início como “a desenvolver”; pequeno report da chefia do projeto sobre a participação do colaborador, que integre valências como contributos para o projeto, trabalho de equipa, esforço, ambiente que criou.

Quer o "assessement" quer o relatório devem ser tidos em consideração pela sua hierarquia no momento formal de avaliação que a empresa tenha. O que não deve acontecer é a hierarquia penalizar o colaborador porque esteve “fora” umas semanas ou meses no projeto.

  • Reconhecimento: também antes do início da participação no projeto, é aconselhável que se defina como vai ser reconhecido o contributo e o esforço do colaborador no projeto. Este reconhecimento pode ser no formato que se mostre mais adequado à cultura e modelos de reconhecimento instituídos na empresa. O importante é que fique claro no início da colaboração. Exemplos de práticas para este fim: atribuir dias de férias extra no ano da participação no projeto, a entrega de um diploma de reconhecimento, feita num momento de equipa, atribuição de vale de compras ou de um prémio monetário
  • Comunicação: igualmente muito relevante é que, desde o início, a equipa de origem do colaborador conheça os contornos da participação no projeto e se sinta envolvida no seu sucesso. É esta atitude que fará com que seja a equipa a encontrar soluções para os problemas que possam vir a surgir ao longo da participação no projeto.

Em suma, incorporar uma cultura de trabalho por projetos inter-áreas implica algum esforço prévio, sob pena de uma boa iniciativa vir a ter um efeito contrário ao esperado. Implica um ambiente colaborativo, de facilitação.

E, como quase tudo na liderança de Pessoas, exige líderes com maturidade, líderes ao serviço da empresa e das suas equipas. Enfim, líderes “superiores”.


*Isabel Viegas é Professora na Católica Lisbon School of Business and Economics e Chief People Officer na Semapa

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

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