26 nov, 2024 • Rute Agulhas
Numa viagem recente aos Açores fui abordada no aeroporto por uma senhora já com alguma idade que, timidamente, mas com um sorriso, me disse que eu tinha cara de boa pessoa e que, por esse motivo, me pedia ajuda para a orientar nos voos de ligação. Naturalmente que fiquei lisonjeada com tamanho elogio e a ajudei prontamente, acompanhando-a em todos os momentos até chegar ao seu destino final, onde o marido a aguardava, expectante.
Elogios à parte, esta situação faz-me refletir sobre o que é ter “cara de boa pessoa” e em como, de forma muito rápida e inconsciente, julgamos alguém pela sua aparência. As primeiras impressões formam-se de modo automático e em breves segundos, condicionando, a partir de então, aquilo que pensamos, sentimos e fazemos.
E isto é muito perigoso. Porque ter “cara de boa pessoa” é algo muito, mas mesmo muito subjetivo e, em boa verdade, não é garantia de coisa nenhuma. Quem tem essa cara (seja lá ela qual for) pode ser mal intencionado e revelar atitudes e comportamentos negativos (ou até perigosos) e, pelo contrário, quem tem “cara de má pessoa” (também não sei o que isso é) pode ser alguém simpático, amigável e com capacidade em ajudar os outros.
E enquanto viajava com esta senhora, que comigo partilhou alguns detalhes da sua vida familiar, pensava ainda em como é fácil confiar em quem tem essa tal cara de boa pessoa e, de modo inverso, desconfiamos das pessoas que não a têm.
Julgamos os livros pela capa e as pessoas pela aparência, é um facto, o que pode ser profundamente injusto ou mesmo colocar-nos em alguma situação de risco ou perigo.
E é por sabermos que este tipo de fenómeno pode influenciar de forma muito significativa as relações que estabelecemos com as outras pessoas, ativando estereótipos e preconceitos, bem como determinadas crenças que podem revelar-se totalmente irracionais, que devemos refletir sobre isto. Precisamos desta reflexão para nos tornarmos mais conscientes sobre a forma automática como ajuizamos e catalogamos as pessoas, rotulando-as - «esta é boa, aquela é má, esta é de confiança e a outra não é». Muitas vezes, sem que exista qualquer conhecimento prévio, baseando-nos apenas na fisionomia da cara, na roupa e acessórios que se usam ou na forma como se expressam.
Apesar da satisfação em saber que, pelo menos para aquela senhora, eu tenho cara de boa pessoa (seguramente que nem todos pensam como ela), temos mesmo de refletir sobre isto.
Rute Agulhas é psicóloga, perita forense e coordenadora do Grupo VITA