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opinião do padre tony neves

Papa Francisco, obrigado por "tudo, tudo, tudo!"

13 mar, 2025 • Padre Tony Neves, em Roma


São doze anos de uma respiração eclesial profunda e diferente, com uma aposta clara na sinodalidade e no combate sem tréguas a tudo quanto desfigura o rosto da Igreja.

Francisco chegou há doze anos a Roma para ficar. Desde que apareceu a sorrir na varanda da Basílica de S. Pedro, após a eleição a 13 de março de 2013, o Papa não parou de convocar e empurrar a Igreja e o mundo para a vivência de um Evangelho libertador de todas as formas de opressão e exclusão.

Notou-se uma lufada de ar fresco nos seus documentos pontifícios, nas escolhas de visitas, nas Assembleias Sinodais sobre a Família, a Amazónia, os Jovens e a Sinodalidade, nas ousadas reformas da Cúria e da Diocese de Roma, nas Encíclicas e Exortações Apostólicas (‘Evangelii Gaudium’, ‘Gaudete et Exultate’, ‘Christus Vivit’, ‘Laudato Si’, ‘Fratelli Tutti’, ‘Laudate Deum’, etc), nas entrevistas e outros escritos (a concluir com a ‘Esperança’ – 2025, a primeira autobiografia de um Papa!), nas linhas de combate aos abusos, na opção clara pelos migrantes, refugiados, perseguidos e outros descartados sem vez e sem voz, na sua visão sobre economia, política e sociedade contra a globalização da indiferença, nas opções de focagem pastoral, na valorização do ecumenismo e diálogo inter religioso, na simplicidade e alegria do seu ser e atuar. E, claro, está a encher de ‘Esperança’ este Jubileu 2025 que atrai a Roma e mobiliza à escala do planeta muitos milhões de pessoas.

São doze anos de uma respiração eclesial profunda e diferente, com uma aposta clara na sinodalidade (como sinal de abertura à inspiração do Espírito – caminhar juntos, lado a lado, na mesma direção!) e no combate sem tréguas a tudo quanto desfigura o rosto da Igreja. Dá uma colaboração gigante na construção de uma Igreja credível, encurtando distâncias entre o dizer e o fazer. Está a provar ao mundo que a Igreja faz falta à humanidade, tentando acreditá-la dentro e fora de portas.

‘Todos, todos, todos!’

A primeira vez que ouvi o Papa Francisco insistir na abertura da Igreja a ‘todos, todos, todos!’ foi a 8 de maio de 2023, na audiência que concedeu, no Vaticano, aos Missionários Espiritanos. Disse: ‘olhai para cada pessoa com os olhos de Jesus, que deseja ir ao encontro de todos…de todos! Não o esqueçais: todos!’.

Tive a oportunidade de o saudar, de lhe oferecer o jornal ‘Ação Missionária’ (dos Espiritanos), que evocava os seus dez anos de pontificado e de lhe agradecer o muito que ele estava a fazer pela Igreja e pelo mundo. Nessa tarde, o Papa pediu ‘coragem, abertura e abandono ao Espírito’.

Viagens cirúrgicas e simbólicas

Paulo VI ousou sair de Itália, João Paulo II universalizou estas Viagens Apostólicas, Bento XVI deu-lhes continuidade e o Papa Francisco já lá vai com mais de quatro dezenas de saídas ao encontro das periferias e das margens da história. As suas opções de vôo dão corpo ao ‘primeirear’ (termo usado pelo Papa Francisco que significa o ato de chegar antes, adiantar-se ao outro), de que fala na ‘Alegria do Evangelho’, o seu primeiro programa de Missão.

O diálogo e a fraternidade são os grandes caminhos universais para a paz e a justiça. Só assim se podem compreender viagens ao Bahrein, ao Cazaquistão, à Tailândia, ao Iraque, ao Japão, a Marrocos, aos Emiratos Árabes Unidos, a Myanmar, ao Bangladesh, ao Egipto, à Geórgia, ao Azerbaijão, ao Sri Lanka, a Timor Leste, à Terra Santa, à Turquia, a Singapura e à Papua-Nova Guiné. Só mesmo a aposta no diálogo entre povos, culturas e religiões pode justificar tais visitas que mostram que, para o Papa Francisco, o mundo é um espaço sem fronteiras e a fraternidade é uma palavra chave.

Iniciar com a ‘Alegria do Evangelho’

O Papa Francisco tem ajudado o mundo e a Igreja a olhar para a Alegria do Evangelho, a Alegria do Amor, a Alegria da Ecologia, a Alegria das bem-Aventuranças…

Há uma convicção profunda de que sem justiça não há felicidade. ‘A Alegria do Evangelho’ (2013) foi recebida, na Igreja e fora dela, como algo de muito original, se atendermos ao facto de ser um documento programático, como Exortação Apostólica que é. É nova nos conteúdos, nas focagens e no estilo. ‘Primeirear’, ou seja, ‘tomar a iniciativa’ deve ser uma das imagens de marca dos missionários hoje (nº24). Nós somos convidados por Francisco (e, antes dele, por Cristo) a sermos ‘Igreja em saída’, na rua, a partilhar a má sorte de todos, sobretudo dos pobres, mesmo sujando as mãos (nº20).

Ecologia Integral e Fraternidade Universal

Na ‘Laudato Si’(2015), documento social do Papa Francisco, é apresentado o conceito de ‘ecologia integral’, pois há que amar os pobres e respeitar a natureza, a nossa casa comum. Tudo está interligado, estamos na mesma barca a enfrentar a mesma tempestade e, ou nos salvamos juntos, ou morremos todos afogados. Este compromisso foi vincado na ‘Laudate Deum’, publicada na festa de S. Francisco, a 4 de outubro de 2023.

A ‘Fratelli Tutti’ (2020) resulta da convicção profunda do Papa Francisco sobre a importância decisiva da Fraternidade Humana, depois de ter assinado, a 4 de fevereiro de 2019, o documento de Abu Dhabi.

A aposta nas novas gerações

Vindo de um continente muito jovem, mas onde os jovens têm o futuro seriamente comprometido, é normal a sua opção clara pelas novas gerações. Nas Jornadas Mundiais da Juventude 2016 (Cracóvia), o Papa pediu aos jovens que abandonassem o comodismo fácil do sofá. Disse: ‘Este tempo aceita apenas jogadores titulares em campo, não há lugar para suplentes. O mundo de hoje pede-vos para serdes protagonistas da história, porque a vida é bela desde que a queiramos viver, desde que queiramos deixar uma marca’.

O Sínodo sobre os jovens teve como exortação final o ‘Christus Vivit’ (2019).

Em Lisboa, nas JMJ de 2023, o Papa Francisco congregou mais de 2 milhões de pessoas e disse ao mundo inteiro que a Igreja é para ‘todos, todos, todos!’. Deixaria, ainda, duas frases que ficarão para a memória destas Jornadas: ‘A única forma lícita de olhar alguém de cima para baixo é para a ajudar a levantar!’. E, depois de perguntar quem gostava de futebol, afirmou: ‘por detrás de um golo, de uma vitória, está muito treino’.

Na homília da Missa final, o Papa insistiu em três pontos-chave: ‘Resplandecer’ no serviço, no amor, e não no prestígio, no êxito; ‘escutar’ para se ter mais perguntas que respostas e aceitar sempre pôr-se a caminho; ‘Vai sem medo’, expressão de um envio missionário que implica as já referidas coragem, abertura e abandono ao Espírito Santo.

Gestos que calam fundo…

Lavar os pés a reclusas, viver em Santa Marta, deslocar-se num carro simples, rezar sozinho à chuva pelo fim da pandemia, fazer a primeira viagem a Lampedusa para chorar aqueles por quem ninguém chora, beijar os pés dos líderes desavindos do Sudão do Sul, deixar-se entrevistar, aprofundar os encontros de Assis, gritar que a guerra é sempre uma derrota para a humanidade, apostar numa educação e numa economia que não matem, chorar na oração pelas vítimas na Ucrânia…fizeram dele um homem sem medo de expôr o peito às balas, vindas de fora ou de dentro da Igreja.

Luta para que a mulher ocupe na Igreja o lugar que Deus lhe atribui, para ganho de todos. Por isso, o Papa tem confiado, no Vaticano, cargos de enorme responsabilidade a mulheres e continuam em estudo a diaconia e o presbiterado femininos.

O futuro da Igreja e da humanidade está na sinodalidade, este caminhar juntos, em atitude de escuta e diálogo aberto, na mesma direção, empurrados e inspirados pelo Espírito Santo que sopra quando quer, como quer e onde quer. Por isso, todos os tempos, lugares e pessoas são decisivos para a construção do mundo e da Igreja do amanhã. Porque ‘tudo está interligado’, as suas apostas mais fortes são na paz, na justiça, na fraternidade e na defesa da casa comum, valores gravados nas páginas dos Evangelhos.

*Tony Neves, sacerdote e jornalista, integra o Conselho Geral da Congregação dos Missionários do Espírito Santo, em Roma.

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