17 mar, 2025 • Joana Mata Pereira
A ideia de que a Inteligência Artificial (IA) vai mudar a forma como se ensina e como se aprende não é nova. Em cada conferência, em cada publicação, em cada artigo de opinião parece haver uma versão sobre como a Inteligência Artificial vai revolucionar a educação. Sejamos realistas, as mudanças no ensino superior são lentas e o ensino superior não vai mudar dramaticamente do dia para a noite.
O que está em causa não é se a IA vai substituir os professores (não vai) ou se os estudantes vão usar a IA para os exames e outras avaliações (vão, já o fazem). A pergunta nem sequer é se as universidades se vão adaptar com a rapidez necessária para se manterem relevantes (as respostas serão sempre hipotéticas).
Há mudanças – silenciosas e incontornáveis – que já estão a acontecer. Vamos ser meros observadores dessas mudanças ou vamos agir intencionalmente para fazer a diferença e criar um impacto real no ensino e na aprendizagem no ensino superior?
Já vamos com mais de dois anos de conversa sobre a IA e o ensino superior. Começámos com o foco na integridade académica e sobre como os estudantes iam usar a IA como mais uma ferramenta para contornar o sistema. Passámos para uma adoção pontual de ferramentas de IA e chatbots por algumas universidades ou professores mais voltados para a inovação no ensino. E agora?
Algumas universidades continuam centradas na integridade académica e no controlo de qualidade. É relevante? Sim. É suficiente? Não.
A integridade académica é fundamental. Já o foco exclusivo na deteção e restrição da utilização de IA é uma resposta de curto prazo, que não prepara os estudantes para um mundo onde a IA faz parte da vida pessoal e profissional. Adicionalmente, ainda que seja essencial apoiar e orientar os estudantes na utilização ética e eficiente da IA, é também insuficiente.
Algumas universidades passaram o seu foco para a criação ou adoção de aplicações e chatbots que podem apoiar a aprendizagem dos alunos. É relevante? Sim. É suficiente? Não.
Ainda que os tutores de IA, chatbots e sistemas de feedback automático possam contribuir para a aprendizagem, são apenas ferramentas. Naturalmente que podem representar uma melhoria significativa, mas se não forem pensados com o devido cuidado não serão mais do que uma reprodução do ensino superior já existente, ainda que mais rápidos e mais personalizados.
Estarão algumas universidades a repensar e reajustar todo o ensino para incluir a IA como base? É relevante? Talvez. É suficiente? Talvez.
Enquanto as situações anteriores constroem sobre o papel passado e atual das universidades, esta possibilidade é integralmente disruptiva e coloca as universidades num papel que pode não ser o seu. A mudança mais significativa não deve ser apenas sobre como incluir a IA – deverá ser sobre como redefinir o que e como aprender.
O que pode então ser uma mudança consistente?
Aquela que investe no que sempre foi relevante: o que queremos que os estudantes aprendam. É tão simples e tão complexo quanto isso.
Precisamos de refletir e decidir o que queremos que aprendam:
- Queremos que os estudantes estejam a par de todas as mudanças ou queremos que aprendam a lidar com a mudança?
- Queremos que conheçam a ferramenta mais recente a cada momento ou queremos que conheçam as bases para que saibam procurar, avaliar e usar o que precisam a cada momento?
- Queremos que saibam reproduzir e memorizar conceitos ou queremos que tenham as ferramentas e capacidades necessárias para procurar (e questionar) o conhecimento e aplicá-lo de forma crítica?
- Queremos que limitem o uso de IA ou que aprendam a potenciá-lo?
A resposta a estas e outras perguntas sobre a aprendizagem dos estudantes não precisa de ser dicotómica. Precisa de ser intencional e clara, para que a inclusão da IA no ensino superior seja também intencional e clara.
A mudança significativa que está em causa é sobre o modo como o conhecimento é estruturado. Num mundo em que a IA consegue gerar, resumir e sintetizar informação a uma velocidade exponencialmente superior à humana, o valor do ensino superior deixou de estar em disponibilizar conhecimento. Neste contexto, queremos manter modelos de ensino focados na exposição de conhecimento por parte do professor? Ou investir em modelos de aprendizagem que colocam o estudante no centro do processo?
O que muda afinal?
Poderá ser tudo ou nada – esperemos que seja algo entre ambos. Se as universidades se querem manter relevantes precisam de definir que mudanças querem tornar prioritárias. Até lá, mantém-se a erosão silenciosa e persistente decorrente de um modelo de educação já há muito obsoleto. Vamos deixar o ensino superior ruir lentamente ou construir os alicerces que nunca tivemos coragem de erguer?
Joana Mata Pereira, Diretora de Learning Innovation da CATÓLICA-LISBON.
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics.