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Sílvia Almeida
Opinião de Sílvia Almeida
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Opinião Católica-Lisbon

Uma nova tela para o empreendedorismo na Europa: a visão de autonomia estratégica como oportunidade de negócio

24 mar, 2025 • Sílvia Almeida • Opinião de Sílvia Almeida


Onde é que os empreendedores com visão de futuro devem procurar exatamente? Conheça cinco áreas em que o impulso da autonomia estratégica da UE pode criar terreno fértil para novos empreendimentos,

A nova abordagem da União Europeia ao tema da política industrial para a Europa reflete uma viragem estratégica muito interessante. O que antes era visto principalmente como um escudo defensivo contra as dependências globais e que, como bem sabemos, nem era uma grande prioridade, evoluiu para algo muito mais estimulante para empreendedores e inovadores: uma vasta tela (quase) em branco para a criação de novas empresas.

Bem sei que uma visão otimista nos tempos que correm pode ser vista como ingénua. Mas longe disso, é sim uma tentativa de chamar a atenção para as luzes ao fundo do túnel que são reais, mas estão talvez tapadas pelo fumo do caos político. Uma contribuição ao estilo “copo meio cheio”, para um fim de semana positivo.

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O recente relatório de Mario Draghi sobre a competitividade da UE reformulou a “autonomia estratégica” de uma forma que deveria fazer com que os empreendedores se sentassem e prestassem atenção. A narrativa do protecionismo e de redução da dependência foi substituída por uma visão arrojada do reforço das capacidades e da liderança europeia em setores-chave.

Esta mudança não é apenas um discurso político - representa investimento, políticas de apoio e oportunidades reais de mercado para aqueles que estão dispostos a criar empresas que se alinhem com as prioridades estratégicas da Europa.

Onde é que os empreendedores com visão de futuro devem procurar exatamente? Eis cinco áreas em que este impulso da autonomia estratégica da UE pode criar terreno fértil para novos empreendimentos:

1. Tecnologia verde em grande escala

O compromisso da Europa para com a liderança climática já não é apenas uma questão de regulamentação - é uma intenção de criar indústrias verdes competitivas a nível mundial. A UE está a mobilizar recursos sem precedentes para apoiar as empresas que podem fornecer soluções escaláveis em matéria de energias renováveis, armazenamento de energia, materiais sustentáveis e modelos de economia circular.

Para empreendedores inovadores e motivados, isto significa acesso a capital paciente, regulamentação de apoio e um mercado preparado para adotar inovações sustentáveis. As empresas que conseguirem demonstrar tanto o impacto ambiental como a escalabilidade das suas soluções encontrarão portas - e carteiras - abertas em toda a Europa.

2. Independência da infraestrutura digital

A infraestrutura digital da Europa tem dependido fortemente de fornecedores não europeus, criando vulnerabilidades que a UE está agora determinada a resolver. Isto não significa excluir a tecnologia internacional, mas sim garantir a existência de alternativas europeias em áreas críticas.

A computação em nuvem, a gestão de dados, a cibersegurança e os sistemas de identidade digital são domínios em que as start-ups e empresas europeias podem avançar com soluções que satisfaçam as normas regulamentares do continente e ofereçam um desempenho de nível mundial. A primeira geração de verdadeiros campeões europeus das infraestruturas digitais está ainda à espera de nascer.

3. Inteligência e resiliência da cadeia de abastecimento

Se os últimos anos nos ensinaram alguma coisa, é que as vulnerabilidades da cadeia de abastecimento podem ameaçar até as empresas mais fortes. A agenda de autonomia estratégica da Europa inclui tornar as cadeias de abastecimento mais resilientes - não através do isolamento, mas através de um design e uso de informação mais inteligentes.

Os empreendedores que criem soluções para maior visibilidade, previsibilidade e flexibilidade nas cadeias de abastecimento estão a dar resposta a uma necessidade que abrange praticamente todos os sectores. Seja através de ferramentas de transparência baseadas em blockchain, análise de riscos baseada em IA ou abordagens inovadoras para a constituição de stocks estratégicos, a oportunidade de tornar as cadeias de abastecimento europeias mais inteligentes é imensa.

4. Inovação no sector da saúde e da biotecnologia

A recente pandemia teve muitas consequências, e uma relevante foi expor as dependências da Europa no fabrico de produtos farmacêuticos e de material médico. Agora, o continente está determinado a colmatar as lacunas nestas áreas, enquanto se posiciona para a liderança também em ramos emergentes da biotecnologia.

Do fabrico de novos produtos biotecnológicos à medicina personalizada, das inovações em sistemas de diagnóstico às plataformas digitais de saúde, os empreendedores dispõem de um apoio sem precedentes para criar soluções europeias para os desafios da saúde mundial. O quadro regulamentar da UE no domínio dos cuidados de saúde, outrora visto sobretudo como um obstáculo à inovação, está a tornar-se cada vez mais uma vantagem competitiva para as empresas que o conseguem navegar com êxito.

5. Fabrico avançado e indústria 4.0

A base industrial da Europa continua a ser um dos seus principais pontos fortes e a agenda da autonomia estratégica passa da defesa ao ataque, com vista à sua modernização. As fábricas inteligentes, a robótica avançada, a impressão 3D e a Internet das coisas no campo industrial representam áreas em que a Europa está determinada a liderar, não a seguir.

Para os empreendedores com conhecimentos profundos em tecnologia industrial, a oportunidade reside em ajudar os fabricantes europeus tradicionais a transformarem-se em líderes digitais. As empresas que conseguirem unir o património industrial da Europa com capacidades digitais e tecnológicas de ponta encontrarão fortes incentivos e apoios políticos e financeiros.

Passando à ação: se é um empreendedor que pretende capitalizar o impulso estratégico da Europa em matéria de autonomia, considere estas abordagens práticas:

  • Alinhar com as prioridades estratégicas resolvendo problemas reais: as empresas mais bem-sucedidas não serão as que perseguem subsídios, mas sim as que respondem a necessidades genuínas do mercado, no contexto da direção estratégica europeia.
  • Pensar na Europa desde o primeiro dia: conceber modelos de negócio, equipas e estratégias de crescimento à escala europeia – esta é a visão que os decisores procuram incentivar.
  • Acomodar a vantagem regulamentar: em vez de um fardo, os quadros regulamentares da Europa podem ser usados como vantagem competitiva. As soluções que “nascem em conformidade” com as normas europeias são cada vez mais valorizadas a nível mundial.
  • Procurar as lacunas nos ecossistemas: em muitos sectores estratégicos, a Europa tem fortes capacidades de investigação e grandes empresas industriais, mas falta-lhe o tecido conjuntivo intermédio. As empresas que consigam fazer a ponte entre a inovação laboratorial e a aplicação à escala industrial estarão particularmente bem posicionadas.

Este pode ser o momento europeu de criação de novos negócios, se escolhermos sustentar a proatividade da EU para o desenvolvimento de novas competências. Com prioridades estratégicas claras, recursos financeiros sem precedentes e um compromisso genuíno de criar campeões europeus, estão criadas as bases para uma nova vaga de empreendedorismo.

A questão que se coloca aos empreendedores é simples: este novo impulso da autonomia estratégica da Europa será encarado como uma limitação a contornar ou como uma tela em branco a utilizar? Aqueles que escolherem a segunda opção poderão acabar por construir não só empresas de sucesso, mas também as bases da futura competitividade da Europa.

A corrida para definir a próxima geração de líderes empresariais europeus está em curso e, por uma vez, o vento está a favor do Velho Continente. Vamos a isso?


Sílvia Almeida, professora da Católica-Lisbon School of Business and Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics

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