07 abr, 2025 • Paulo Cardoso do Amaral
Já anteriormente discuti a aquisição de informações (Intelligence) e os enviesamentos cognitivos, ou vieses, como dois dos fundamentos mais importantes na tomada de decisão.
Este é um tema particularmente relevante para mim numa altura em que assistimos diariamente a tomadas de decisão que nos afectam profundamente, e que estão desprovidas de qualquer lógica científica ou até de simples bom senso.
Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui
Muito sinceramente, não foi isto que me ensinaram, nem o que tenho ensinado aos meus filhos e partilhado com os meus alunos. Ora, se nos faltarem ferramentas para compreender o motivo dessas decisões aparentemente tontas, não há argumentação possível nem acção que possamos tomar, o que é desesperante. Contudo, a falta de informação, contexto e cultura, aliada aos enviesamentos cognitivos (o que os anglo-saxónicos chamam de "bias"), não explica tudo.
Um enviesamento cognitivo forte tem duas consequências complementares na aquisição de informações, criando contextos naturalmente condicionados. Em primeiro lugar, esses enviesamentos levam naturalmente o decisor a filtrar as informações que lhe chegam. Em segundo lugar, levam-no a procurar as informações na linha dos vieses em causa, e não outras. Consequentemente, os enviesamentos cognitivos amplificam-se a si próprios na relação com o mundo e as suas consequências para a tomada de decisão são catastróficas.
Porém, os altos níveis de desinformação em crescendo actual nas redes sociais estão para lá dos enviesamentos cognitivos.
Se é verdade que aplicações como o TikTok, ou as do universo da Meta, usam os enviesamentos a seu favor para criar habituação e assim favorecer o seu modelo de negócio, isso não explica os conteúdos de desinformação surpreendentes a circular, aos quais alguém se tem referido como "fake news" quando não lhe interessa, ou de realidade alternativa quando lhe dá jeito.
É que, bem ou mal, os conteúdos públicos terão sempre impacto nas mentes dos receptores e, quando são acompanhados de faíscas emocionais, entramos num mundo onde percepções e emoções interagem com os enviesamentos cognitivos com efeitos potencialmente devastadores. Sim, devastadores no sentido de uma manipulação directa, sem que os manipulados tenham sequer consciência disso. É triste e preocupante.
John Cleese, o famoso humorista da série de culto “Os Malucos do Circo”, refere neste vídeo o seguinte: “Se fores mesmo muito estúpido, então é impossível saberes que és mesmo muito estúpido.” No mesmo vídeo, John justifica o raciocínio com o "efeito Dunning-Kruger". Alguns chamaram-lhe síndrome, o que sugeriria tratar-se de uma doença, mas acabou conhecido como efeito, por ser mais inócuo e politicamente correcto.
No final do século passado, os investigadores David Dunning e Justin Kruger identificaram pessoas cujas competências num determinado assunto não lhes permitiam reconhecer as suas próprias limitações nesse mesmo domínio.
São pessoas que nunca devem estar em cargos críticos, como, por exemplo, pilotar aviões, pois vão ter dificuldades de aprendizagem e de adaptação à complexidade do mundo real em determinados domínios.
Imagine-se um piloto convencido de que é excepcional, acreditando que as más condições atmosféricas numa aterragem são apenas razões para mostrar a coragem e habilidade. Os bons pilotos assumem sempre as suas limitações, confirmam todos os pressupostos, e demonstram humildade em todas as situações, estando sempre dispostos a admitir os seus erros em prol da segurança e da aprendizagem contínua.
Fanfarrões sob o efeito de Dunning-Kruger poderão sobreviver a decisões erradas na gestão de organizações, ou até na presidência de Estados, mas dificilmente sobreviveriam a uma aterragem impossível. E a selecção natural fará o seu trabalho. Os contextos onde a fanfarronice é recompensada será, portanto, o habitat natural para este tipo de viés, e a pilotagem de aviões não será um deles.
Como o sucesso dos decisores está sempre sustentado no seu processo de aprendizagem, tanto em ambientes saudáveis quanto nos tóxicos, faz sentido aprofundar o impacto que os enviesamentos cognitivos têm na aquisição de competências.
Aprender implica substituir conhecimentos anteriores por outros melhores, e isso é difícil. O exemplo darwiniano acabado de referir pressupõe uma destruição criativa, onde morrem os inadaptados e sobrevivem os adaptáveis. Trata-se de uma aprendizagem essencialmente social e inevitável, pelo que pouco mais podemos fazer do que deixar o karma fazer o seu trabalho. Pode levar gerações e a justiça até pode tardar, mas a selecção natural acabará sempre por acontecer. Como se compreenderá, a aprendizagem Darwiniana não será a mais eficaz.
Outra forma de aprendizagem é a da tentativa e erro, frequentemente carregada de negatividade, e da qual ninguém escapa ao longo da vida, pois até para aprender a andar é preciso aprender a cair. Neste caso, é necessária coragem e tolerância às falhas, pois, como costumo dizer aos meus alunos, em ambientes emocionalmente seguros, quanto mais falharmos, mais aprenderemos. Este será um tema a explorar também futuramente.
No campo da aprendizagem intelectual tenho observado enviesamentos cognitivos importantes, nomeadamente em discussões e em opiniões publicadas, inclusive algumas a meu respeito. Ora, quando algo nos toca pessoalmente, seja ao nível das ideias, ou até da honra, é difícil permanecermos quietos. Contudo, quando se trata de enviesamentos cognitivos, vou explicar porque acho que o silêncio é de ouro.
Primeiro, é essencial identificar o efeito. No caso do viés de confirmação, este define-se como a tendência das pessoas para processarem a informação procurando ou interpretando-a de maneira consistente com as suas crenças já existentes. É por isso que vai ser difícil adquirir competências na presença deste viés, dando origem a comportamentos que os referidos investigadores tentaram captar no efeito Dunning-Kruger,
Quantas vezes ouvimos pessoas cujas convicções são tão fortes que torna impossível manter uma discussão racional ou chegar a conclusões lógicas? Por vezes assiste-se a um raciocínio tão enviesado que justifica a falta de consciência das limitações por parte dos nossos interlocutores enquanto entidades aprendentes. Muitas destas pessoas são extremamente articuladas, com discursos lógicos, complexos e eficazes, mas frequentemente demagógicos.
Pois bem, nestes casos, nada há a fazer, pois, devido aos referidos enviesamentos, nenhum raciocínio os convencerá. Não é, aliás, infrequente ver essas pessoas rodeadas de "yes-men", que não acrescentam dialéctica à discussão. É que quem sofre deste tipo de viés é naturalmente levado a rodear-se de quem está no mesmo comprimento de onda.
A vida é o que é, e às vezes há motivos para que tais pessoas tenham de ser ouvidas e a suas decisões tomadas em consideração. Mas acredito que, com o tempo, tal acabará por ser corrigido naturalmente. Devemos sempre continuar a acreditar que o futuro sorrirá sobretudo a quem souber aprender. Sem fanfarronice por favor.
Paulo Cardoso do Amaral, Professor da Católica Lisbon Business School & Economics.
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics.