Siga-nos no Whatsapp
Liliana Dinis
Opinião de Liliana Dinis
A+ / A-

Opinião Católica-Lisbon

Gestão de apelido: até onde deve ir o legado familiar?

14 abr, 2025 • Liliana Dinis • Opinião de Liliana Dinis


Durante décadas, as empresas familiares beneficiaram de uma vantagem rara: os donos e os gestores partilhavam não só o apelido, mas também os mesmos objetivos e uma visão de longo prazo. No entanto, essa vantagem pode transformar-se em obstáculo quando os cargos de topo são atribuídos apenas por laços de sangue, e não por mérito ou competência.

A teoria de agência examina os conflitos de interesse entre proprietários (principais) e gestores (agentes) nas empresas em geral. Segundo o trabalho de Schulze, Lubatkin, Dino e Buchholtz (2001), as empresas familiares têm uma vantagem em relação às restantes, porque se dono e gestor forem da mesma familia, então os seus interesses de longo prazo estão alinhados, assim como a sua tolerância ao risco. Em consequência, coloca-se um dilema estrutural: até que ponto os cargos de alta direção devem ser reservados exclusivamente a membros da família? A resposta, segundo estudos recentes, aponta para a urgência de repensar esta tradição.

Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui

Como refere D’Allura (2019), a composição da equipa de topo é um reflexo da identidade estratégica da empresa e das dinâmicas internas da família que a governa. Porém, o envolvimento familiar pode tanto fortalecer como enfraquecer estas equipas, dependendo da forma como as relações e os conflitos são geridos. Isto é, quando os lugares de topo são ocupados exclusivamente por membros da família, há o risco de decisões serem moldadas por emoções, lealdades pessoais e conflitos não resolvidos. Nestes contextos, a entrada de gestores externos pode representar uma lufada de ar fresco, trazendo competências técnicas, experiências diversificadas e uma perspetiva mais racional e orientada para o mercado.

Ainda assim, integrar gestores externos não é uma solução mágica — também traz os seus próprios desafios. O estudo de Vandekerkhof et al. (2019) mostra que a presença destes profissionais pode gerar assimetrias de poder, sobretudo quando uns têm participação na empresa e outros não – ou seja, quando os gestores da família detêm ações e os externos não. Esta diferença cria hierarquias informais que minam a qualidade das decisões e a coesão da equipa. Mas há uma solução: a diversidade do conhecimento. Quando os membros da equipa trazem competências variadas e complementares, o impacto negativo da disparidade de poder é mitigado, permitindo decisões mais equilibradas e eficazes.

Binacci et al. (2016) aprofundam a questão da diversidade entre os gestores não familiares, verificando que nem todos os gestores externos são iguais, e que as suas diferenças – em tamanho da equipa, tempo de serviço e especialização funcional – influenciam o desempenho da empresa de forma complexa. Por exemplo, uma equipa com demasiados gestores externos pode entrar em choque com os valores familiares, mas uma equipa equilibrada (até cinco membros) tende a melhorar o desempenho. Além disso, uma diversidade funcional – isto é, de experiências e formações – aumenta a adaptabilidade estratégica da empresa, sobretudo quando existe uma liderança familiar forte que saiba integrar essas diferenças.

A mensagem é clara: a abertura a gestores externos não deve ser feita de forma simbólica nem apenas como imposição de uma “modernização” superficial. Deve ser pensada estrategicamente, com foco na complementaridade, na diversidade de perspetivas e numa liderança que saiba valorizar as competências, independentemente do apelido.

Se as empresas familiares querem garantir a sua continuidade além da segunda ou terceira geração – algo que apenas uma minoria consegue –, precisam de investir em equipas de gestão profissionalizadas, equilibradas e capazes de conjugar os valores da família com os desafios de um mercado em constante transformação. Abrir espaço para talentos fora da família pode parecer arriscado — mas é, muitas vezes, o ato mais responsável que uma família empresária pode ter. É a diferença entre proteger um legado... ou enterrá-lo com a última geração que o liderou.

Se quiser saber mais sobre este tema, junte-se a nós na 3.ª Edição do Family Business Day, no dia 29 de Abril, às 14h00, na Católica-Lisbon.


Referências:

Binacci, M., Peruffo, E., Oriani, R., & Minichilli, A. (2016). Are all non‐family managers (NFMs) equal? The impact of NFM characteristics and diversity on family firm performance. Corporate Governance: An International Review, 24(6), 569-583.

D’Allura, G. M. (2019). The leading role of the top management team in understanding family firms: Past research and future directions. Journal of Family Business Strategy, 10(2), 87-104.

Schulze, W. S., Lubatkin, M. H., Dino, R. N., & Buchholtz, A. K. (2001). Agency relationships in family firms: Theory and evidence. Organization science, 12(2), 99-116.

Vandekerkhof, P., Steijvers, T., Hendriks, W., & Voordeckers, W. (2019). The effect of nonfamily managers on decision-making quality in family firm TMTs: The role of intra-TMT power asymmetries. Journal of Family Business Strategy, 10(3), 100272.


Liliana Dinis, Professora da Católica Lisbon School of Business & Economics.

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.