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Todas as semanas, uma entrevista para ajudar a entender as opções de política económica e o caminho que as empresas vão abrindo na conquista de mercados, nacionais e internacionais. Um olhar para os pequenos e grandes negócios numa conversa conduzida pelos jornalistas Arsénio Reis e Sandra Afonso. Para ouvir aos sábados ao meio-dia.
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Ministro das Finanças diz estar disponível para novo mandato

15 mar, 2025 • Sandra Afonso , Arsénio Reis


Em entrevista à Renascença, Joaquim Miranda Sarmento deixa duras críticas ao PS e, em particular, a Pedro Nuno Santos, que responsabiliza pelas eleições antecipadas, a par com o Chega. Elogia o antecessor, o socialista Fernando Medina, que já criticou a queda do Governo, e recusa apontar o dedo ao Presidente da República.

Ministro das Finanças diz estar disponível para novo mandato
Ministro das Finanças diz estar disponível para novo mandato

Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças, não chegou a completar um ano no cargo, desde a tomada de posse até à queda do governo. Em entrevista à Renascença fala em “experiência enriquecedora” e diz que está disponível para mais um mandato nas Finanças, caso Luís Montenegro repita o convite.

Às diferentes perguntas sobre a crise política, os motivos e os intervenientes que conduziram o país a novas eleições legislativas, faz questão de incluir na resposta sempre a mesma ideia: a responsabilidade por este desfecho é do Chega e do PS.

Miranda Sarmento é particularmente crítico sobre a atuação do secretário-geral socialista, Pedro Nuno Santos, que acusa de ser um “radical” e de radicalizar o partido, de colocar o PS “ao arrepio daquilo que é a história da democracia nos últimos 50 anos” e de usar “métodos, expressões e intervenções próximas daquelas que estávamos habituados ao Chega e ao Dr André Ventura”.

O governante chega mesmo a citar Fernando Medina, o antecessor com quem tem “profundas divergências políticas”, mas que já se manifestou publicamente contra a queda do governo.

Já sobre o papel do Presidente da República em todo este processo, não alinha em críticas. Nem mesmo o anúncio das eleições antecipadas, onde Marcelo Rebelo de Sousa justificou a dissolução da Assembleia da República com um choque ético e moral na pessoa do primeiro-ministro, é interpretado como uma responsabilização de Luís Montenegro. Segundo Miranda Sarmento, o Presidente da República executou a decisão tomada pelos deputados.

Acredita ainda que Luís Montenegro não será prejudicado nas urnas pelo caso da empresa familiar e espera que seja possível discutir o trabalho deste governo durante a campanha eleitoral para as legislativas.



O Presidente da República justificou na noite de quinta-feira a dissolução do Parlamento como uma questão de ética e moral. Marcelo Rebelo de Sousa responsabilizou Luís Montenegro pelas eleições antecipadas?

A responsabilidade de irmos a eleições é de dois partidos, do Chega e do Partido Socialista. No Chega não nos deve surpreender, o que nos deve surpreender é a forma como o Partido Socialista atuou.

Como Aguiar Branco, o Presidente da Assembleia da República, disse há poucos dias, de facto Pedro Nuno Santos fez pior à democracia no espaço de pouco mais de uma semana do que André Ventura em seis anos.

O Partido Socialista quis usar este caso e instrumentos que a democracia tem para fiscalizar, mas são manifestamente desproporcionais, para atirar o primeiro-ministro e o Governo para um enlamear da situação durante um longo período. Perante isso o Governo foi muito claro: os Governos respondem no nosso sistema constitucional ao Parlamento.

O Governo perguntou ao Parlamento se tinha confiança institucional para o Governo poder continuar. Os dois partidos principais da oposição, o PS e o Chega, mais uma vez coligaram-se e disseram que o Governo não tinha condições no Parlamento para continuar. Por isso é que vamos para eleições.

Como é que avalia a gestão política desta crise por parte do Presidente da República?

Atuou dentro dos seus poderes constitucionais, é o Parlamento que determina a continuidade ou não dos Governos, através de moções de censura ou moções de confiança. O Parlamento entendeu, com os votos do PS e do Chega, que o Governo não tinha condições para continuar, perante esse cenário e a consequência que todos os partidos retiram desta moção de confiança, o Senhor Presidente da República marcou as eleições e marcou para o prazo mais rápido que era possível.


O Governo perguntou ao Parlamento se tinha confiança institucional para o Governo poder continuar. Os dois partidos principais da oposição, o PS e o Chega, mais uma vez coligaram-se e disseram que o Governo não tinha condições no Parlamento para continuar. Por isso é que vamos para eleições.

Não poderia fazer mais, em sua opinião?

O Presidente da República tem, como se diz há muitos anos, uma magistratura de influência. Mas, o Parlamento é soberano na continuidade ou não dos governos.

Já disse que a economia ficará imune a esta crise política que vivemos. Não está a desvalorizá-la?

Eu não disse imune. O que eu referi é que a economia portuguesa tem tido bons resultados.

Houve um crescimento em 2024 de 1.9. As estimativas de todas as entidades é que o crescimento em 2025 seja acima de 2. Há um efeito de transposição, face ao crescimento do quarto trimestre que foi muito robusto, que significa que mesmo que nos quatro trimestres de 2025 haja uma estagnação, e para o primeiro trimestre nada indica isso, ainda assim a economia cresceria 1.4. Temos um excedente externo, temos um excedente orçamental, estamos numa situação quase de pleno emprego. A economia está bastante robusta.

Naturalmente, a incerteza não ajuda às decisões dos agentes económicos. Temos muita incerteza internacional. Passámos uma parte substancial do ano de 2024 com incerteza interna. Primeiro o resultado das eleições de 10 de março de 2024 e, depois, se haveria ou não aprovação do orçamento.

Em todo o caso, tendo em conta que estamos perante um período eleitoral relativamente curto, de dois meses, diria que daqui a dois meses e meio, três meses, haverá um novo governo em funções. Isso naturalmente mitiga a incerteza, eu acho que a economia está muito forte e não vai sofrer significativamente com esta crise.

Estas eleições antecipadas, em sua opinião, não vão afetar nem o financiamento do país, nem a execução, por exemplo, dos fundos europeus?

Na parte do financiamento, quer da República, quer dos agentes económicos, não parece que esta crise política interna por si só tenha um efeito muito significativo. Naturalmente, a incerteza internacional nos mercados é sempre mais penalizadora do que a incerteza nacional.

Nas últimas semanas, as taxas de juros da dívida pública portuguesa subiram, por efeito do arrastamento da subida das taxas de juros da dívida alemã, dadas as eleições. O nosso spread, ou seja, a diferença entre as nossas taxas de juros e as alemãs mantiveram-se praticamente iguais. Mas, como as taxas de referência do mercado europeu subiram, as nossas também subiram.


Naturalmente, a incerteza não ajuda às decisões dos agentes económicos. Temos muita incerteza internacional. Passámos uma parte substancial do ano de 2024 com incerteza interna. Primeiro o resultado das eleições de 10 de março de 2024 e, depois, se haveria ou não aprovação do orçamento.

Mas este efeito de penalização pela crise política não se pode verificar nas próximas semanas, meses? Está tranquilo em relação a isso?

Se houver uma solução estável a sair destas eleições, os mercados não penalizarão o financiamento da República, nem o financiamento da economia portuguesa.

A questão dos fundos, nós temos de facto que executar o PRR, uma execução que é muito exigente, que quando entrámos em abril de 2024 estava já com atrasos significativos. Nós recuperámos parte desse atraso, fizemos uma reprogramação em janeiro, que em princípio será aprovada pela Comissão Europeia e pela reunião dos Ministros das Finanças em maio.

Essa reprogramação ajuda-nos a executar o PRR, porque nós trocámos algumas infraestruturas, onde não havia de facto capacidade de as terminar até final de 2026, por outro tipo de investimentos mais fáceis de executar. Naturalmente que o Governo, mesmo estando em gestão, terá que continuar a trabalhar muito afincadamente na execução do PRR.


Ainda assim, parece que esses argumentos não estão a convencer nem os empresários, nem os banqueiros. Armino Monteiro de CIP, diz estar "estupefato com o calculismo político-partidário". Os banqueiros falam em "política degradante". Entende estas críticas?

Os agentes económicos não gostam de incerteza, é natural que reajam com insatisfação a essa incerteza.

Mais uma vez, aquilo que nós assistimos nestas últimas semanas foi um posicionamento do Partido Socialista que está ao arrepio daquilo que é a história da democracia nos últimos 50 anos. O Partido Socialista radicalizou-se e usou métodos, expressões, intervenções próximas daquelas a que estávamos habituados ao Chega e a André Ventura.

Eu tive profundas divergências políticas com Fernando Medina e fui muito crítico da forma como ele foi ministro das Finanças, da mesma forma que ele é muito crítico como eu sou ministro das Finanças. E isso é perfeitamente normal e é isso que faz a democracia. Mas acho que é muito importante ouvir o que ele disse nos últimos dias.

Foi, até agora, a única voz, eu acho que não é a única dentro do Partido, mas para fora do PS foi a única voz que manifestou preocupação sobre o rumo que o Partido Socialista está a levar de radicalização, de extremismo, de querer usar todos os instrumentos de uma forma despropositada e excessiva para atacar as instituições. E isso deve-nos preocupar. O regime tem hoje mais extremos do que tinha há 10 ou 15 ou 20 anos, mas o regime sempre assentou nesse natural chão comum, dentro das suas divergências e combates políticos, entre PSD e PS.


Eu tive profundas divergências políticas com Fernando Medina e fui muito crítico da forma como ele foi ministro das Finanças, da mesma forma que ele é muito crítico como eu sou ministro das Finanças. E isso é perfeitamente normal e é isso que faz a democracia. Mas acho que é muito importante ouvir o que ele disse nos últimos dias.

Chegou a dizer à RTP que com o chumbo da moção de censura do PCP, a segunda em poucos dias, tinha havido uma do Chega recentemente, o Governo assumiria ter confiança para continuar. O que é que mudou neste meio tempo?

Exatamente esse maior radicalismo e extremismo do Partido Socialista.

Acho que deve haver muitas pessoas do Partido Socialista neste momento descontentes. Porquê? Porque o doutor Pedro Nuno Santos, que eu conheço há quase 30 anos, fomos colegas de faculdade, sempre foi um radical, e é um radical, e não nos podemos esquecer daquilo que foi enquanto ministro e antes de ser ministro.

Pedro Nuno Santos, basicamente, o que queria era usar o Parlamento e as instituições e os mecanismos que a democracia fornece ao Parlamento para fiscalizar o Governo, para enlamear o Primeiro-Ministro e o Governo durante um ano ou um ano e meio, prestando um péssimo serviço à democracia e ao regime.

Faz sentido deixar cair o Governo agora, para impedir uma comissão de inquérito, quando o PS assume que não irá deixar cair este tema?

Quem deixou cair o Governo foram os dois partidos da oposição. O que o Primeiro-Ministro disse foi que o Parlamento tem de dizer se tem confiança institucional no Governo. Se não tiver, é preferível irmos para eleições e resolver isto em dois meses.

Já disse que espera que a AD volte a ganhar. Isso não vai fragilizar a futura liderança de Luís Montenegro?

De maneira nenhuma, pelo contrário.

Confia numa maioria estável, desta vez?

Confiamos num reforço da votação e confiamos que os portugueses reconhecem que governamos bem neste último ano, que a vida das pessoas está melhor, seja os funcionários públicos, os reformados, os jovens, a classe média, as pessoas que têm salários mais baixos.

Eu sei que é a terceira eleição em quatro anos. Isso não é bom para a democracia. Mas os momentos de impasse em democracia resolvem-se exatamente com eleições. E ninguém deve ter medo de dar outra vez a voz ao povo.

Acha que os portugueses ficaram esclarecidos sobre este caso da empresa familiar de Luís Montenegro, que levou à queda do Governo?

Creio que os portugueses estão cada vez mais esclarecidos. Talvez no início e até pela velocidade a que isto decorreu, quem está um bocadinho mais fora da bolha mediática e política, talvez não tenha tido uma perceção completa daquilo que se passou. Mas hoje, com mais informação e com mais tempo, estão cada vez mais informados de que o Governo caiu, porque o Parlamento se uniu, nomeadamente o Partido Socialista e Chega, para derrubar o Governo.

Agora, a campanha tem de ser uma avaliação daquilo que o Governo fez, neste último ano de governação.


Ainda não são conhecidos os valores finais, mas espera fechar 2024 com um excedente orçamental acima do previsto. Já tem um número?

A nossa estimativa continua a ser em torno de 0,4 e, há aqui um pormenor técnico, 75% do IVA de Janeiro e de fevereiro ainda entram nas contas do ano anterior. Foi francamente positivo, os números de janeiro já são públicos, os números de fevereiro ainda não são, mas nós já os temos.

Admito que possa ficar um bocadinho acima de 0,4, talvez 0,5, mas andará à volta disto e é muito importante que 2024 tenha um excedente orçamental. É muito importante que 2025 tenha um excedente orçamental.

Há duas semanas a Presidenta do Conselho de Finanças Públicas, professora Nazaré Costa Cabral, já antecipou que o Conselho prevê para 2025 um excedente orçamental de 0,4%.

Apesar do impacto que o PRR tem, as perspetivas para 2025 e para os anos seguintes é que o país continua a ter excedentes orçamentais. Nós não precisamos de excedentes muito elevados, acima de 1%, nem o país aguenta. É possível manter o equilíbrio das contas públicas, com pequenos excedentes, enquanto se reduz a carga fiscal, melhora-se as carreiras da função pública, aumenta-se as prestações sociais, melhora-se os serviços públicos e acelera-se o investimento público.

Manteve a receita já aplicada pelos seus antecessores, que também sacrificaram o investimento público para garantir a consolidação orçamental. Não receia que os eleitores castiguem o Governo por este tipo de decisões? Ou o aumento de algumas carreiras especiais da função pública é suficiente para equilibrar as contas, digamos assim?

Nós não sacrificámos o investimento público. Dir-me-á que o investimento público em 2024 ficou abaixo do que estava previsto no Orçamento para 2024. É um facto. Mas tomámos posse em abril e, se olharmos para o investimento público no 2º semestre, face ao 2º semestre de 2023, ele acelerou significativamente.

Ou seja, quando a execução do investimento público em 2024 ainda é abaixo das metas iniciais, isso resulta, sobretudo, de uma baixíssima execução no 1º semestre. Quando olhamos para o 2º semestre, ele acelerou significativamente, e o nosso objetivo para 2025 era que continuasse a acelerar.

Dir-me-á, o PRR substitui ou não o investimento nacional? Em 2025 e 2026 tem de substituir, porque o que não usarmos até ao final de 2026 perde-se, porque a capacidade do Estado em realizar investimento público é muito limitada e as estruturas do Estado têm dificuldade em lançar muitos concursos públicos. Aquilo que as entidades públicas fizeram em 24 e farão em 25 e 26 é concentrar os seus esforços de capacidade de contratação pública no PRR.

A execução de 2024 mostra também que os Ministérios, que têm agora mais controle sobre a respetiva despesa e não dependem tanto do Ministro das Finanças, recorreram mais às cativações. A UTAO até já questionou a utilidade das cativações. Continua a defender este instrumento de controle de despesa? Quando fizemos o Orçamento para 2025, fui acusado de aumentar muito o volume das cativações, e isso não é verdade. O que nós fizemos, e creio que foi uma medida de boa gestão pública, foi dizer que não há entidades excecionadas na Lei do Orçamento. Cada Ministro, por sua decisão, decide a cada momento quais são as entidades excecionadas. Isto dá muito mais flexibilidade aos Ministros.


Dir-me-á, o PRR substitui ou não o investimento nacional? Em 2025 e 2026 tem de substituir, porque o que não usarmos até ao final de 2026 perde-se, porque a capacidade do Estado em realizar investimento público é muito limitada e as estruturas do Estado têm dificuldade em lançar muitos concursos públicos.

O facto de os Ministros terem descativado mais, ou seja, terem usado mais verbas, mostra que o mecanismo de flexibilidade, de atribuir cativações aos Ministros, é virtuoso, porque permite que eles executem em função das suas necessidades.

Sobre as cativações do Ministério das Finanças. Estamos a fazer uma reforma profunda das finanças públicas e da gestão financeira do setor público. Se me perguntar se daqui a 5 anos as cativações do Ministério das Finanças podem deixar de fazer sentido? Talvez.

Ou seja, admite essa alteração de modelo?

Nós estamos a repensar todo o modelo, portanto as cativações também serão repensadas. Em todo o caso, tem que haver sempre no Orçamento uma margem, um buffer, uma almofada, que permita a quem está no Ministério das Finanças acelerar ou travar algumas componentes de despesa.

Nós iniciámos uma reforma muito profunda, para a alteração da orgânica do Ministério das Finanças, passando de oito entidades que controlam hoje a despesa, para três. Quando olhamos hoje para estas entidades, do ponto de vista dos procedimentos e das regras, pararam no final dos anos 80, do ponto de vista tecnológico, pararam no final dos anos 90.

Quais são os passos seguintes? A revisão da Lei de Enquadramento Orçamental, uma revisão profunda dos diplomas da despesa e uma reforma profunda dos procedimentos.

Estes atrasos também justificam a dificuldade de execução do PRR?

Não só estes. No caso do PRR também a contratação pública, ele está muito concentrado, com a reprogramação agora menos, em áreas onde o Estado tem muita dificuldade em investir, nomeadamente em grandes obras públicas. Há hoje uma dificuldade muito grande no setor da construção, porque há pouca capacidade instalada para muita procura. É difícil executar o PRR porque a máquina do Estado é pesada, é ineficiente, a contratação pública é bastante complexa e morosa e o PRR apostou em áreas onde o Estado ia ter naturalmente dificuldade em executar.

E o Governo da AD conseguiu resolver esses obstáculos?

Nós acelerámos o PRR e fizemos uma reprogramação que vai ajudar à execução. Estávamos a trabalhar, estamos a trabalhar na revisão da contratação pública e estamos a iniciar uma grande reforma da gestão financeira do setor público.

Como é que está a decorrer a execução da garantia pública para apoiar os jovens na compra de casa? O limite está fixado em 1.2 mil milhões de euros, quanto deste montante é que já foi utilizado?

A garantia está a correr muito bem, ao contrário de alguns responsáveis que achavam que a medida era uma má medida. Permitiu a muitos jovens comprar casa.

A garantia corresponde ao valor da casa entre os 85% e os 100%, a 15% do valor da casa. Significa que, numa casa que custa 300 mil euros, o Estado dá uma garantia sobre 45 mil euros de empréstimo. Não me parece que a garantia vá ser esgotada muito rapidamente, porque o valor de 1,2 mil milhões permite entre 7 a 8 mil milhões de valor de compras de casa.


Nós acelerámos o PRR e fizemos uma reprogramação que vai ajudar à execução. Estávamos a trabalhar, estamos a trabalhar na revisão da contratação pública e estamos a iniciar uma grande reforma da gestão financeira do setor público.

Mas tem ideia de quanto é que foi utilizado realmente até agora?

Neste momento eu creio que já foi usado cerca de 5%. Há muitos milhares de jovens (mais de 20 mil) que beneficiaram já, quer da isenção de IMT e imposto de selo, quer da garantia pública.

As duas medidas estão a ser um sucesso, não há nenhuma evidência que estas medidas tenham contribuído para o aumento do preço das casas e não conheço nenhum estudo, nem nenhum economista reputado que alguma vez tenha afirmado isso. Quem o tem dito ou não sabe do que fala ou está a ser intelectualmente desonesto.

Alargaram agora a concessão desta garantia também às sociedades financeiras, porquê agora? E ainda falta definir os valores e os prazo, em decreto-lei, o Governo de gestão ainda pode fazê-lo?

Na altura não incluímos as instituições financeiras. Tivemos algumas manifestações de interesse, achámos que era relevante na lógica de alargar cada vez mais a medida.

O valor máximo da garantia, de 1,2 mil milhões, é definido por despacho do Ministério das Finanças. Se for necessário alargar, podemos alargar.

Quem não beneficia desta medida, não fique preocupado, terá apenas impacto nas contas públicas no montante de incumprimentos que haja. O montante de incumprimentos do crédito de habitação em Portugal, neste momento, é próximo de zero e, mesmo que haja incumprimento, também há um colateral, que é a própria casa. Do ponto de vista orçamental esta medida, não vou dizer que o efeito é zero, mas é próximo de zero, não tem expressão orçamental.

A isenção de IMT e de Imposto de Selo, claro, tem impacto orçamental, que nós estimamos entre 60 a 80 milhões de euros por ano.

A TAP assinalou esta sexta-feira 80 anos e continua a voar com um futuro incerto. Mais uma vez, a queda do Governo vai fazer cair também o processo de privatização?

Tínhamos planeado que em abril ou maio publicaríamos o decreto-lei que daria início ao processo de privatização da TAP. Naturalmente, enquanto governo de gestão, não o podemos fazer. Estou convencido que o Dr. Luís Montenegro será primeiro-ministro depois do dia 18 de Maio e o seu Governo terá todas as condições para apresentar o plano de privatização da companhia.

Estes adiamentos não terão consequências no negócio?

Mais uma vez, a incerteza nunca é boa nas decisões dos agentes económicos. Naturalmente, seria mais fácil privatizar a TAP, sem incerteza, mas creio que a empresa está numa posição em que tem vários interessados e manterão o interesse, mesmo que tenham de esperar alguns meses.


Estou convencido que o Dr. Luís Montenegro será primeiro-ministro depois do dia 18 de Maio e o seu Governo terá todas as condições para apresentar o plano de privatização da TAP.

Já referiu que se o Estado continuar no capital do Novo Banco, pode receber até 250 milhões de euros em dividendos por ano. Defende que o Estado deve manter essa posição?

A Lone Star está a preparar uma oferta pública de venda, um IPO, nós ainda não sabemos as condições, penso que a Lone Star até final de abril colocará no mercado essas condições: a percentagem que pretende vender, a que preço, quanto é a valorização do banco. O Estado tem 25% do banco, terá de decidir se acompanha o IPO e reduz a sua participação ou se mantém.

Foi anunciado pelo CEO do Novo Banco que este ano há uma distribuição de 1.3 mil milhões, o Estado receberá cerca de 325 milhões, e em 26 e 27 há uma distribuição de dividendos de 1,1 mil milhões. Com base nesses valores, 25%, estamos a falar em cerca de 250 milhões. Esse é um fator importante a pesar na decisão, mas terá de ser contrabalançado com o valor de venda do banco.

Mas o Governo deve ter uma posição no banco, agora que já está resolvida a situação?

Do ponto de vista conceptual, o Estado já tem um banco. Se me perguntar se daqui a 15 ou 20 anos o Estado português ainda deve ser acionista do Novo Banco, eu diria que provavelmente não. Mas isso não significa que o Estado tenha de tomar uma decisão já este ano ou no próximo ano.

Há aqui aspectos conjunturais e de mercado que naturalmente ditarão se o Estado sai mais rápido ou mais devagar desta posição. Agora, se ainda estivermos todos aqui em 2040 e me disserem que o Estado ainda tem 25% do Novo Banco, algo de estranho se terá passado.

O mandato do Governador do Banco de Portugal termina em junho, altura em que deverá estar a tomar posse o novo Governo. Teremos de esperar por essa altura para saber se Mário Centeno é reconduzido?

Tenho a ideia que o mandato termina em julho. Até hoje não falei com o Primeiro-Ministro sobre o assunto, nem foi discutido em Conselho de Ministros.

Naturalmente, já não será este Governo a tomar qualquer decisão sobre o Banco de Portugal. O próximo Governo, com Luís Montenegro, terá de tomar essa decisão.

Nessa linha de raciocínio, também não será este Governo a decidir o próximo Presidente da Autoridade para os Seguros?

Esse mandato também termina em junho, nesse caso a Presidente não pode ser reconduzida porque são mandatos únicos de sete anos. Sim, já será o próximo Governo a tomar essa decisão.

Bruxelas discute nesta altura regras para financiar o investimento em defesa. A proposta da Comissão é de 800 mil milhões. Suspender os limites do déficit pode ser na sua opinião um risco?

Há aqui a necessidade de fazer, em muitos países europeus, um esforço de consolidação orçamental, mas também há aqui uma situação de crise política ou de segurança e a Europa tem alguns anos para se preparar para aquilo que são as ameaças externas.

É bastante possível que seja atingida uma paz na Ucrânia, mas essa paz não nos deve fazer ignorar que a Rússia vai procurar rearmar-se o mais rapidamente possível e daqui a alguns anos voltará a ser uma ameaça às nossas fronteiras. A Europa tem aqui uma situação de emergência.

Há vários instrumentos que hoje existem que permitem financiar uma parte desses 800 mil milhões e eu acho que é importante que haja novos instrumentos que permitam ajudar os países no financiamento dessas despesas.

Quando fala em novos instrumentos, está a falar de quê? Porque há instrumentos que estão sucessivamente a ser discutidos e depois acabam por não serem implementados.

Instrumentos sobretudo de dívida comum, com regras diferentes daquilo que foi a pandemia, é diferente do PRR, porque os instrumentos europeus até agora têm tido mecanismos de redistribuição que aqui talvez não façam tanto sentido, estamos a falar de um bem público, a defesa.

As regras orçamentais estiveram suspensas desde a pandemia, foram revistas e começaram a ser aplicadas agora em 2024, a partir de 2025. Tivemos que as implementar, mas não as discutimos. Eu creio que a regra orçamental mais importante, e é aí que a União Europeia e a Zona Euro se deve focar, é a regra da dívida, que a dívida esteja numa trajetória descendente. Em momentos de crise, que também são momentos de oportunidade, pode haver a necessidade de ser um pouco mais flexível, desde que este esforço militar seja coordenado, que cada um saiba onde vai gastar.

Se fizermos este esforço com base naquilo que possa ser o relançar de uma indústria europeia de defesa, com tudo o que tem associado de investigação, de tecnologia, teremos efeitos económicos muito significativos. Se isto for só para comprar equipamentos militares a terceiros, teremos capacidade militar, mas teremos problemas económicos significativos.

Os países vão ter de fazer escolhas orçamentais, isto não significa mexer no Estado Social, mas significa que há outros investimentos e há outras prioridades que terão que ser realocadas para a defesa.

O aumento das tarifas por parte de Donald Trump e a resposta da União Europeia, uma situação que está a escalar, pode afetar o crescimento em Portugal?

O Presidente Trump já teve um mandato entre 2016 e 2020 e já aplicou tarifas, os consumidores americanos e a economia americana foi particularmente atingida, porque as tarifas não são mais do que um imposto sobre os consumidores.

Naturalmente que a imposição de tarifas pelos Estados Unidos prejudica a economia portuguesa: de forma direta, creio que as nossas exportações para os Estados Unidos são cerca de 8%, mas há alguns setores que são particularmente visados; de forma indireta, porque sobretudo a Alemanha é um forte exportador para os Estados Unidos, se a Alemanha exportar menos para os Estados Unidos, também vai comprar menos às empresas portuguesas que fornecem empresas alemãs que depois transformam produtos e exportam para os Estados Unidos.

Como economista, vejo sempre com preocupação a redução do comércio internacional. Veremos quais são as decisões da administração americana. Acho que a União Europeia tem que ser muito inteligente na forma como responde.

E como é que avalia a resposta que está a ser dada agora?

Ainda estamos num momento de indefinição. Estamos a assistir a teoria de jogos com interações múltiplas, há aqui um efeito de negociação que depois nunca sabemos muito bem qual é o resultado final.

Em função daquilo que venham a ser as decisões finais da política americana, a União Europeia tem que ser muito seletiva na forma como responde, exatamente para não prejudicar os consumidores europeus e a economia europeia.

Se o PSD ganhar as eleições, está disponível para continuar no Governo?

Este ano, como ministro das Finanças, tem sido uma experiência bastante enriquecedora e portanto à data de hoje diria que sim, que se me voltar a ser feito o mesmo convite que foi feito há sensivelmente um ano pelo Primeiro Ministro Luís Montenegro, eu diria que à partida aceitarei continuar ministro das Finanças.

Em todo o caso, a minha preocupação agora é continuar a exercer as funções de Ministro das Finanças dentro de um quadro de Governo de Gestão, ajudar a AD a ganhar as eleições e a preparar um bom programa. Depois Luís Montenegro fará as suas escolhas e eu serei sempre solidário com essas escolhas.

Não havendo maiorias, admite entendimentos alargados entre PSD e PS, para estabilizar o país? Será possível com os atuais líderes?

Independentemente desta crise política, o país ganharia em algumas áreas, estou a pensar na justiça, no sistema fiscal, na política económica, em ter compromissos. Não gosto muito da palavra consensos, porque nós não temos que pensar todos, nem é bom, que pensemos todos da mesma maneira. Mas compromissos, naquilo que são os princípios orientadores de algumas políticas públicas que merecem estabilidade.

Isto num plano mais das políticas públicas e dos princípios. Depois, a tática política, veremos. Isso será seguramente objeto de análise de ministros e de atores que são muito mais políticos do que eu.


O Dúvidas Públicas é o programa semanal de economia da Renascença, que este sábado entrevistou o ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento. Um trabalho transmitido aos sábados, a partir do meio-dia, e que pode consultar a qualquer momento em podcast, no Youtube ou no site.

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