18 abr, 2025 • José Pedro Frazão
Os analistas do Instituto Jacques Delors (IJD) encontram no programa de coligação CDU/SPD na Alemanha um "apoio construtivo a grande parte da agenda actual da Comissão Europeia". No entanto, consideram que o atual acordo de coligação "continua a ser vago em questões-chave e não tem a ambição federalista que caracterizou o anterior acordo".
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O relatório publicado há poucos dias pelo "think tank" baseado em Bruxelas analisa o acordo de coligação entre a CDU/CSU e o SPD em 5 áreas políticas europeias: orçamento e economia, clima e Pacto Verde Europeu, segurança e defesa, migração e, aspetos institucionais do futuro da UE. Os autores são os analistas Johannes Lindner, Jannik Jansen e Thu Nguyen.
O acordo de coligação centraliza a coordenação da agenda europeia nas mãos da CDU de Friedrich Merz, através da Chancelaria, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Economia. Para o SPD, assinalam os especialistas do IJD, o desafio estratégico passa por "afirmar influência" nessa coordenação da UE, principalmente pelo Ministério das Finanças, que será liderado por um ministro social-democrata.
Já depois das eleições, Merz recuou na prudência orçamental da campanha. Com a aprovação de uma reforma do "travão da dívida" e a criação de um fundo especial de 500 mil milhões de euros para infraestruturas a gastar ao longo de doze anos, os democratas-cristãos conseguiram o acordo do SPD para a governação que vai arrancar em Berlim.
O IJD assinala que, independentemente das críticas internas pelas mudanças de posição, " o resultado é uma mudança de paradigma orçamental: um estímulo orçamental potencialmente transformador para a Alemanha e um sinal para os parceiros europeus de que Berlim está pronta para assumir uma maior responsabilidade".
Na política económica e orçamental, os analistas do Instituto Jacques Delors alertam que há vários detalhes que ficam deliberadamente em aberto para a governação. "Evita traçar linhas vermelhas rígidas e, em vez disso, opta pela flexibilidade", pode ler-se na análise do IJD.
Os especialistas anotam que a coligação alemã não apresentam uma posição detalhada sobre as negociações para o novo Quadro Financeiro Plurianual pós-2027. "Em vez disso, tenta manter a porta aberta às propostas de Bruxelas, sem, ao mesmo tempo, descartar posições existentes ou pôr de lado os interesses das regiões e do sector agrícola".
O acordo de coligação defende que o Quadro Financeiro Plurianual "deve ser modernizado para ser mais simples, mais transparente e suficientemente flexível para responder rapidamente a necessidades imprevistas utilizando as ferramentas financeiras disponíveis". A coligação CDU/SPD defende que o pagamento da dívida dos PRR "não deve ser feita à custa do orçamento regular" da União Europeia.
O novo governo em Berlim recusa a "centralização da política de coesão" por via de uma reforma da Direcção Geral do Orçamento da Comissão Europeia tendo o Programa de Recuperação e Resiliência como modelo.
Os analistas do IJD tomam nota de que o novo governo alemão "quer manter o papel forte que as regiões desempenham na concepção e implementação dos programas, embora apoie o incentivo às reformas nacionais".
Mais cautelosa, a aliança CDU/SPD defende que a Política Agrícola Comum "deve permanecer uma área política distinta e continuar a receber financiamento adequado", sem mais concretização, assinala o centro de reflexão.
O acordo de coligação, escreve o IJD, não fecha totalmente a porta a novas dívidas comuns a nível europeu, "embora cite apenas a exigência legal dos Tratados de que a Alemanha não assumirá a responsabilidade pelas dívidas de outros Estados-Membros e que o financiamento fora do orçamento da UE deve continuar a ser a excepção".
A implementação do novo fundo especial de 500 mil milhões de euros "irá provavelmente colocar o governo alemão em rota de colisão com as actuais regras fiscais europeias", prevê o relatório agora divulgado, que assinala que em Berlim a coligação defende apenas que "as cláusulas de isenção e flexibilidades existentes devem ser utilizadas se necessário devido ao desafiante cenário de segurança". Os analistas dizem que o texto sobre a mobilização de capitais privados e à integração financeira no Mercado Único "é curto e pouco ambicioso".
O Instituto Jacques Delors admite que o novo governo alemão pode avançar com mais medidas de apoio à indústria nacional "em vez de prosseguir uma agenda europeia que provavelmente levará mais tempo e será menos direccionada para as necessidades da indústria alemã". Este cenário é alimentado pela eventual pressão acrescida sobre a economia alemã, por via de "tensões comerciais, excesso de capacidade chinesa e recessões prolongadas no ciclo económico".
O novo governo em Berlim garantirá apoio a uma política comercial da UE "pragmática e baseada em regras, enfatizando o princípio de “apenas UE” nos acordos comerciais" que estão a ser preparados com o Chile, os países do Mercosul e o México.
Em matéria climática, o acordo de coligação alinha a Alemanha com as principais metas climáticas europeias. "O futuro governo manifestou o seu apoio à meta climática provisória proposta pela Comissão Europeia para 2040 — uma redução de 90% nas emissões em comparação com os níveis de 1990", escrevem os analistas do Instituto Jacques Delors.
No entanto, o novo governo alemão defende redução de emissões permanentes e qualificados em países parceiros não europeus o que, para o IJD, "corre o risco de abrir uma caixa de Pandora" que permite " expandir estas abordagens flexíveis ao longo do tempo". O acordo de coligação reafirma explicitamente o apoio da Alemanha ao novo Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE , que vai alargar a fixação do preço do carbono às emissões dos transportes rodoviários e do aquecimento.
Para ganhar competitividade, a coligação alemã aposta na alavanca dos custos energéticos mais baixos. O Instituto Jacques Delors anota que o novo governo promete reduzir o imposto nacional sobre a electricidade para o mínimo da UE e diminuir os impostos e as taxas de rede para aliviar o fardo sobre as famílias e as empresas.
O relatório do IJD lembra a "estratégia das centrais eléctricas" do governo, que visa apoiar a construção de 20 gigawatts de nova capacidade de geração a gás até 2030.
"Os novos planos para permitir contratos de fornecimento de gás a longo prazo com fornecedores internacionais de gás, facilitar a produção nacional de gás e promover a utilização de captura e armazenamento de carbono (CCS) para centrais de energia a gás aumentam o risco de ficar preso a uma infra-estrutura intensiva em combustíveis fósseis e subsidiada pelo Estado", alertam os analistas do Instituto Jacques Delors que alertam que este risco é agravado pelo plano de eliminação gradual do carvão ligada à implementação das novas centrais a gás.
Na área da defesa e segurança, o relatório do grupo de reflexão europeu assinala uma tensão entre a orientação para a União Europeia no capítulo europeu do acordo de coligação e uma tendência mais dirigida para a NATO e para a indústria nacional nos parágrafos do acordo ligados à área internacional e de defesa.
O Instituto Jacques Delors deteta uma linguagem sobre os EUA "menos forte e mais tradicional do que o que se poderia esperar depois das últimas semanas".
Berlim compromete-se em alinhar os níveis de despesa militar com as metas de capacidade da NATO e a reforçar a indústria de defesa, "mas faltam referências ambiciosas ou mesmo específicas às iniciativas europeias", anota o relatório do IJD.
O acordo de coligação define que a cooperação europeia para a compra de armamento deve ser alargada, mas, assinalam os analistas, "não há comentários sobre mais finanças comuns ou empréstimos conjuntos para despesas de defesa da UE".
Um dos pontos contenciosos com a Europa pode estar na área das migrações. O acordo de coligação explicita que os requerentes de asilo podem ser rejeitados na fronteira “em coordenação com” os países vizinhos da Alemanha.
O Instituto Jacques Delors adverte que, para além da reação desses países, " as medidas continuariam a ser contrárias à legislação da UE, que proíbe a recusa de pedidos de asilo nas fronteiras dos Estados-membros sem o devido processo legal".
Do ponto de vista institucional, Berlim vai apoiar uma "Europa forte e democrática" mas com uma política alemã na UE “eficaz, coerente e fiável”. O relatório do Instituto Jacques Delors toma nota do apoio da nova coligação a medidas mais decisivas contra as violações do Estado de direito.
"Estas incluem a utilização de processos por infração, o congelamento de fundos da UE e a ativação do procedimento do artigo 7.º do Tratado da União Europeia para suspender os direitos de voto no Conselho. Esta passagem foi amplamente interpretada como um aviso ao governo húngaro de Viktor Orbán", analisa o relatório do IJD.
O Governo CDU/SPD quer reformar o mecanismo de condicionalidade "que actualmente permite sanções financeiras apenas quando as violações do Estado de direito podem ser directamente ligadas ao orçamento da UE, num instrumento de sanções mais abrangente".
Os analistas do Instituto Jacques Delors sublinham que a coligação governativa alemã quer introduzir o voto por maioria qualificada para mais decisões no âmbito da Política Externa e de Segurança Comum.
O novo governo apoia a Ucrânia e uma possível adesão de Kiev à NATO. Defende também o alargamento da União Europeia que possa "andar de mãos dadas com as reformas internas", com uma utilização mais forte da "integração diferenciada".
Os analistas do Instituto Jacques Delors sublinham que Berlim defende que "qualquer forma de Europa a diferentes velocidades deve permanecer aberta a todos os Estados-Membros", mas também inclui formatos mais intergovernamentais com estados não-membros da UE, "nomeadamente o Reino Unido, que é citado como um dos parceiros mais próximos da Alemanha". O novo governo da Alemanha pretende fechar um tratado bilateral de amizade com o Reino Unido e melhorar as relações com a França e a Polónia.
A monitorização da União Europeia será feita no Governo numa ronda semanal de coordenação na Chancelaria, a nível dos secretários de Estado. Os analistas do Instituto Jacques Delors advertem que o acordo de coligação tem uma cláusula de discutível aplicação em Bruxelas.
O programa de Governo "proíbe qualquer cooperação entre os parceiros da coligação e os partidos anticonstitucionais, antidemocráticos e de extrema-direita, nomeadamente a AFD, a todos os níveis políticos”. Isto implica corte na cooperação entre o Partido Popular Europeu e o grupo da Europa das Nações Soberanas onde se sentam os deputados da Aliança para a Alemanha no Parlamento Europeu.