21 abr, 2016
No passado dia 7 de Abril, Dia Mundial da Saúde, foi-me concedida a distinção de proferir o elogio do Prof. Doutor João Lobo Antunes e do Dr. António Arnaut, por ocasião da homenagem que o Ministério da Saúde lhes prestou, agraciando-os com o Grande Colar da Saúde, em cerimónia plena de dignidade que decorreu na Sala do Senado da Assembleia da República.
Com Lobo Antunes oriundo da área da Medicina e António Arnaut oriundo da área do Direito, os seus extraordinários trajectos de vida pessoal, profissional, cívica, política e literária ora se sobrepõem, ora afirmam diferenças que acrescentam riqueza. Mas, em comum e acima de tudo, evidenciam excepcional auctoritas e gravitas.
A auctoritas que emana dos homenageados transportou-me para Roma e para os seus anciãos, pais fundadores, detentores da autoridade – o Senado ou patres. Então, a auctoritas estava associada a uma ideia fundadora e só viria a pertencer a quem a soubesse aumentar, fazer crescer, acrescentando algo (augere). Hoje, não se exige menos – apenas raros e excepcionais cidadãos como Lobo Antunes e António Arnaut, ostentam esta capacidade moral, pelo seu saber e porque souberam acrescentar património humano ao que herdaram. Apenas um exemplo: Lobo Antunes inovou na neurocirurgia, António Arnaut criou o Serviço Nacional de Saúde.
Gravitas significa peso, tendo evoluído semanticamente para significar personalidade ética, séria, importante, com sentido estrito do dever e da honra.
Ambos, Lobo Antunes e António Arnaut, pela sua vida toda, que curriculum algum pode sintetizar, relevam a densidade, a profundidade e a intensidade próprias de uma auctoritas e gravitas imaculadas e incontestáveis.
Lobo Antunes é um “cirurgião reputado, sábio homem da ciência e eticista”. Disse ele, no decorrer da sua última aula, falando de “Uma vida examinada”: “O tempo passou tão depressa”! Com influência determinante na sua vida, notou que a sua “educação liberal” teve os seus efeitos no saber ouvir, no gostar de ler, de compreender e de falar com qualquer pessoa, de escrever de forma prática, humilde e clara, de dar valor à diversidade. Disse também, dos seus 13 anos nos Estados Unidos: “fui sempre livre para que as coisas me acontecessem.” O trajecto de vida de Lobo Antunes remete-nos para o pensamento de William Osler: “O bom médico trata a doença; o grande médico trata o doente que tem a doença”. Lobo Antunes trata o doente – é um grande médico, que soube ser também grande cidadão, grande professor e cientista, pensador, organizador e dirigente.
António Arnaut é considerado o “pai do Serviço Nacional de Saúde” (SNS). Como Ministro, com invejável ousadia política e já com o Governo em gestão, fez publicar o chamado “Despacho Arnaut”, a 29 de Julho de 1978, assim antecipando o SNS, ao possibilitar o acesso universal, geral e gratuito de todos os cidadãos aos cuidados de saúde prestados pelos Serviços Médico-Sociais e a comparticipação dos medicamentos. Como deputado, elaborou a Lei nº 56/79, do SNS. Para Arnaut, "o SNS acabou com a saúde enquanto privilégio de quem a podia pagar”; “fi-lo … em função do imperativo constitucional, ético e moral”; mas “só dei o primeiro passo … o SNS está a ser feito todos os dias pelos seus profissionais dedicados”. De si próprio, diz Arnaut: “Soube escolher o meu próprio caminho”; “Eu sou como sou, não tenho avesso, …”. A sua visão da solidariedade, cabe, inteira, no adágio seguinte, da sua autoria: “Reparte o pão e guarda para mim o resto da tua fome”.
Lobo Antunes e António Arnaut sabem aliar a palavra ao acto, ambos rejeitam manobras de indivíduos ou grupos que apoucam o pensar e a acção humana, ambos usam a acção e as palavras para criarem novas realidades, para irem além do que a profissão lhes exige, para saírem de si para a intervenção cívica e política, para a luta pela defesa de ideias e ideais, para acrescentarem mais mundo e melhor mundo ao mundo que herdaram, para procurarem a felicidade através do bem.