28 fev, 2025
Longe de Portugal e a observar o que se passa no mundo talvez se ganhe maior distanciamento crítico.
Escrevo isto a propósito de um acontecimento que acompanho à distância – o intenso froufrou que percorre o país dos media e de alguns políticos e comentadores que pedem a demissão do primeiro-ministro.
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Não sou amigo de Luís Montenegro e prezo a transparência na política. Quaisquer interesses económicos e empresariais de qualquer dirigente político devem ser devidamente publicitados e não escondidos. Se o primeiro-ministro não o fez oportunamente, andou mal e deve fazê-lo agora, sem deixar margem para dúvidas. A melhor forma de garantir a independência da sua atuação é através da maior transparência em situações como esta.
O escrutínio público e permanente é próprio das democracias e constitui ferramenta essencial da cidadania. Conhecido o seu passado empresarial, se o primeiro-ministro pisasse alguma linha vermelha não haveria como escapar ao julgamento legal e à avaliação política da sua atuação.
Por outro lado, é verdade que o primeiro-ministro geriu mal a situação do ponto de vista mediático. E também não faz sentido que enquanto chefe do Governo peça escusa sobre decisões que lhe competem. Deve, isso sim, respeitar todas as recomendações técnicas que lhe façam os organismos responsáveis no quadro, por exemplo, de um concurso público em que participe um cliente da empresa que fundou.
Outra coisa é achar que um primeiro-ministro, Montenegro incluído, não pode vir do mundo empresarial ou, pelo menos, não possa e não deva ter sido empresário; ou que deva exterminar a empresa quando acede a funções públicas.
Spinumviva
Primeiro-ministro garante que nunca decidiu "nada (...)
Está tudo bem quando os primeiros-ministros vêm dos bancos das juventudes partidárias e nenhuma experiência profissional relevante tiveram.
Está tudo bem quando os dirigentes políticos não experimentaram vitórias e fracassos em empresas, escritórios de advogados ou no mundo da gestão.
Está tudo bem quando tais responsáveis são bacteriologicamente puros e esterilizados (talvez inertes) do ponto de vista profissional e nunca arriscaram fazer nada por si próprios.
Está tudo mal quando os chefes de governo ou alguns ministros deixaram a sua pegada profissional em diferentes setores da atividade económica.
Como se o exercício dos cargos políticos devesse ser reservado a profissionais da política, cujas qualidades nunca foram testadas fora desse âmbito.
Estreitar a porta de acesso à atividade política, reservando-a a quem nunca nada fez fora dela, significa afunilar os horizontes da própria política, como serviço essencial ao país.
Melhor: ter uma vida empresarial e profissional que não começou e não acaba na política permite, em geral, maior independência no exercício de funções públicas. Nada pior do que ter dirigentes cujo sucesso profissional depende exclusivamente da forma como exercem, em cada passo, os cargos políticos em que estão investidos.
Por estas regras puritanas que esterilizam o acesso às responsabilidades políticas, Francisco Pinto Balsemão, por exemplo, nunca poderia ter sido primeiro-ministro, dado os seus interesses como acionista do Expresso.
Sabendo como a comunicação social se relaciona com os mais variados setores económicos, poderia um fundador e acionista de um jornal de referência ser primeiro-ministro, à luz dos critérios para os quais, agora, nos pretendem empurrar?
Talvez este exemplo ajude alguns a perceberem o ridículo em que estão a cair, quais marionetas da extrema-direita ou da extrema-esquerda.
Levantar a cabeça do nevoeiro ajuda a esclarecer o caminho. Quando o mundo caminha para terrenos incertos e perigosos, isso é ainda mais indispensável. Porque é em momentos como este que estamos a viver no plano internacional que se veem os países grandes. E também os pequenos.