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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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A lição de Churchill

24 jan, 2018 • Opinião de José Miguel Sardica


Não é um intocável da história, mas esteve do lado certo da história quando foi necessário salvar as democracias.

“The Darkest Hour”, em exibição nos cinemas, é uma grande evocação de um político fora de série e de um dos momentos mais cruciais da história europeia e global. O político é Churchill e o momento é o período de Maio-Junho de 1940, quando a Grã-Bretanha decidiu resistir à avalanche da “Blitzkrieg” nazi, então dada como invencível.

Winston Leonard Spencer Churchill foi uma figura “bigger than life”.

A sua biografia poderia ter sido um fracasso; em vez disso, proporcionou-lhe o contexto para o melhor da sua personalidade cunhar a lenda. Estudante mediano e soldado-jornalista durante a Guerra dos Bóeres, Churchill estreou-se na vida política em 1900, como deputado conservador.

Em 1904 mudou-se para o Partido Liberal, por onde chegou à liderança do Almirantado. O desastre de Galípoli, na I Guerra Mundial, custou-lhe o lugar, ainda que Lloyd George o tenha depois resgatado para postos ministeriais.

Em 1924, regressou ao Partido Conservador. Todavia, por estes ziguezagues e pelo seu modo de ser – gentleman, sem dúvida, mas impaciente, por vezes cortante e politicamente incorreto – era olhado pela classe política como pouco confiável.

Por isso ninguém quis ouvir os seus prescientes alertas acerca da militarização da Alemanha nazi, nos anos 30, e achou-se que tinha mau perder por criticar Neville Chamberlain quando este cantou vitória após a Conferência de Munique, em 1938.

Depois de Hitler invadir a Polónia e varrer a Europa, dos países nórdicos à França, nos primeiros meses da II Guerra Mundial, o governo de Chamberlain soçobrou.

Churchill tinha 65 anos quando chegou ao cargo de primeiro-ministro, a 10 de Maio de 1940. Estava-se a um ano e meio de Pearl Harbour e da entrada do amigo Roosevelt e dos EUA na Guerra, e o contributo antinazi da URSS de Estaline era ainda uma miragem.

Contra os que lhe recomendavam que negociasse uma qualquer paz com o novo dono da Europa, Churchill traçou a sua linha vermelha, e explicou-a em discursos memoráveis, de retórica apaixonada e de clarificação ideológica.

A Grã-Bretanha era o derradeiro bastião da liberdade, por esta se entendendo as mais veneráveis tradições e legados da civilização ocidental. Com “sangue, suor e lágrimas”, combateria o nazi-fascismo e jamais se renderia. O visconde Halifax e outros achavam que isto era patriotismo suicida.

Mas foi essa determinação que produziu o milagre de Dunquerque, que animou a martirizada Londres durante a Batalha de Inglaterra e que manteve acesa a chama da liberdade até a Guerra mudar de rumo. Em 1945, por injustiça poética, Churchill perdeu as eleições gerais para Clement Attlee. Ainda voltaria a Downing Street entre 1951 e 1955. Morreu uma década depois, já na era dos Beatles.

Democrata conservador e campeão da “Britishness”, Churchill não é um intocável da história (os críticos lembram a sua defesa da eugenia, o seu imperialismo ou o seu quase silêncio perante o Holocausto). Mas no fundamental – quando foi necessário salvar o mundo livre e as democracias a que tudo devemos – esteve do lado certo da história; foi ele, aliás, um dos grandes obreiros desse lado certo da história. E era, também, um grande europeísta, companheiro de Schuman, Monnet ou Adenauer, mesmo considerando a especial geografia marítima da sua Ilha.

Na II Guerra, a Europa salvou-se, não só, mas muito, pela resistência tenaz da Grã-Bretanha. Por isso, hoje e para o futuro, é doloroso pensar numa Europa sem o Reino Unido, e é preocupante que Theresa May não consiga emular Sir Winston (embora os contextos históricos sejam naturalmente diferentes), ou que o isolacionismo de Trump esteja nos antípodas da solidariedade atlântica de Roosevelt.

Comentários
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  • Alexandre
    26 jan, 2018 Lisboa 13:36
    Sr. António Costa, por isso mesmo, Dresden não deixa de ser um crime de guerra de Winston Churchill. Fazer igual ao que os nazis fizeram não prova que os aliados eram melhores ou mais humanos. Churchill foi sempre um carniceiro e um racista contra os povos do terceiro mundo. Os próprios ingleses já reconhecem isso e alguns sentem-se embaraçados com este tipo de homenagem.
  • António Costa
    26 jan, 2018 Cacém 00:57
    O bombardeamento de Dresden, para quem não sabe, foi a largada ininterrupta de bombas incendiárias sobre a cidade. Isto gerou o que se chama uma "tempestade de fogo" que incinerou a cidade de Dresden. Evidentemente, as vitimas foram às dezenas de milhar. Os alemães que levaram Hitler ao poder, viram voltar-se contra si as atrocidades que tinham lançado contra os outros povos. Uma das primeiras "experiências" alemãs foi o bombardeamento de Guernica, pela Legião Condor. A Legião Condor, "embrião" da força aérea alemã, ajudou o General Franco a tomar o poder em Espanha, na sequência da terrível guerra civil que precedeu a II Grande Guerra. A posição firme de Churchill, frente a Hitler, foi a 1ª derrota que Hitler teve. A II Grande Guerra só iria terminar 5 (longos) anos depois.
  • Isaltino
    25 jan, 2018 Porto 19:59
    Isto de ter uma educação em grande parte assente no “Reader's Digest” leva-nos a questionar sempre a nossa própria opinião sobre a realidade dos factos porque a que tenho é de que ouve por parte de Hitler um “ódio de estimação”, nunca foi realmente executada a invasão prevista, deste facto os caloiros eram abatidos que nem tordos pelos veteranos, e poucos mais esforços foram realmente levados a sério nessa ofensiva sempre adiada. Teve um papel crucial na moral das tropas e tem o seu mérito (no rigorosamente e ajustado tempo de antena que os Ingleses lhe deram).
  • MASQUEGRACINHA
    25 jan, 2018 TERRADOMEIO 16:16
    E, já agora, a eventual "injustiça poética" política foi suavizada pela "injustiça literária" do Nobel que recebeu - que, de literatura, só teve o "politicamente poético". Nem os britânicos vivem só da "britishness", sobretudo a do estilo monty python, que era o de Churchill.
  • Sebastião Gomes
    25 jan, 2018 Lisboa 14:06
    Pelos crimes e patifarias cometidas no Afeganistão, na Grécia, na Alemanha (bombardeamento de Dresden), na Índia, no Irão, no Iraque, na Irlanda, no Quénia, na Palestina e África do Sul, Winston Churchill deveria concorrer à galeria de horrores do museu Madame Tussauds. Em vez disso, é celebrado por José Miguel Sardica como um grande herói da humanidade. Relembro ao autor que quando Churchill esteve no Sudão gabou-se pessoalmente de ter matado três «selvagens».
  • Alexandre
    25 jan, 2018 Lisboa 08:56
    Sobre o uso de gás mostarda no Médio Oriente, Churchill disse o seguinte: "Eu sou fortemente a favor do uso de gás envenenado contra as tribos incivilizadas ... isso espalharia um terror vivo". Para além disso, a seguir à grande guerra, Churchill doou fundos para a defesa do criminoso de guerra nazi, Erich von Manstien.
  • Pedro Silva
    24 jan, 2018 Lisboa 22:21
    Infelizmente, esqueceu-se de mencionar as políticas racistas de Churchill em relação a África e Ásia (mais precisamente o genocídio de Bengala). Que o digam o povo Pashtun do Afeganistão a quem Churchill se dirigiu com palavras de terror. Tal como no bombardeamento de Dresden, na Grécia, o massacre nas ruas de Atenas (em Dezembro de 1944) teve a sua colaboração. Sobre a Índia, Churchill disse: “I’d rather see them have a good civil war” Não será preciso traduzir estas palavras que exprimem bem o homem horrível que foi Winston Churchill.
  • MASQUEGRACINHA
    24 jan, 2018 TERRADOMEIO 18:21
    No rol das qualidades menos boas do velho Winston esqueceu o ele ser veementemente contra o voto das mulheres. O povo não foi ingrato, foi inteligente: sendo o homem certo para a circunstância da guerra, era, fora disso, um honorável fóssil vivo, todo status quo elites