08 jan, 2025
António Manuel de Sousa Sardinha foi uma das mais singulares figuras do complexo campo das direitas portuguesas do primeiro quarto do século XX. Morreu no seu Alentejo natal, em Elvas, de uma septicémia malcurada, a 10 de janeiro de 1925, com 37 anos. Deixou incompleta, mas sem dúvida influente, uma vasta obra na qual se descobre a riqueza da pluralidade das suas intervenções cívicas e a sinuosidade do seu percurso intelectual, que o fez evoluir da utopia republicana da juventude para o conforto espiritual do ideário católico e monárquico que insuflou o pensamento e a ação do “seu” Integralismo Lusitano.
Nascido em Monforte, em 1887, e formado no ambiente da crise monárquica finissecular, começou por encontrar um antídoto contra o decadentismo do tempo numa adesão entusiasta à promessa republicana de regeneração, democracia e progresso. Depois de 1910, contudo, mergulhou depressa num enorme desencanto perante o rumo seguido pelo novo regime, que reproduzia, nas fraudes eleitorais, no parlamentarismo estéril, na guerra religiosa ou na impossibilidade de reformas de fundo, alguns dos vícios de que a monarquia finda padecera. O problema de fundo português não se resolvera e parecia estar até a agravar-se.
Sardinha fez então uma autêntica conversão mental, redescobrindo o catolicismo e um ideal de organização política tradicional, municipalista e corporativa, com um rei, líder natural de uma “respublica” cívica devolvida à terra e à devoção patriótica de antanho. Em 1914, Sardinha, Hipólito Raposo, Alberto de Monsaraz, Luís de Almeida Braga e outros lançaram a revista “Nação Portuguesa”, que apresentava ao público o chamado “Integralismo Lusitano”. Foi o mais eloquente sinal de que a juventude portuguesa passara a estar à direita, como defensora de um “reaportuguesamento” que propugnava o regresso à “integralidade” católica, ruralista e monárquica tradicional.
A partir de 1915, os integralistas evoluíram da reflexão filosófica para a doutrinação política: dinamizaram conferências na Liga Naval, constituíram uma Junta Central, criaram o jornal diário “A Monarquia” e colaboraram com o sidonismo. Em 1919, envolveram-se na tentativa de restauração monárquica, cuja derrota fragmentou a causa, exilando uns (Sardinha viveu em Espanha durante dois anos, até 1921), ou prendendo outros.
Quando o fundador do Integralismo Lusitano pôde regressar a Portugal, veio para se dedicar à sua obra literária e histórica, na crise final da República, a cuja queda já não assistiu, em 1926, às mãos dos militares. Se não tivesse morrido tão cedo, Sardinha teria tido decerto o percurso dos integralistas mais puros, jamais aceitando, como outros monárquicos fizeram, diluir-se no Estado Novo, antes criticando o que Hipólito Raposo um dia crismou como a “Salazarquia”, ou seja, o partido único, a repressão, a censura e a autocracia do presidente do Conselho.
Os adversários de António Sardinha diminuíram-no muitas vezes como um simples reacionário neomiguelista, um traidor do republicanismo, se não mesmo - o que é injusto - um dos inspiradores de salazarismo. Os seus admiradores, pelo contrário, sempre destacaram nele o visionarismo que pôs na defesa da essência mesma da sua vida e da sua reflexão - a qual não era simplesmente restaurar a monarquia e a religião em Portugal, mas restaurar Portugal através da monarquia, como instrumento agregador de uma reeducação integral do povo português. Para lá das fórmulas, rótulos ou mitos políticos vazios, sempre quis cuidar do conteúdo. Por isso, nos valores, e ainda mais nesta intenção cívica de procurar instrumentos para um Portugal melhor, a atualidade de António Sardinha mantém-se um século após a sua morte.