05 mar, 2025
A mais recente capa da «The Economist» apresenta uma fotomontagem de Donald Trump, com o boné MAGA, seguido de outros homens de negro - Vladimir Putin, Salman Al-Saud (o sheik saudita), Xi Jinping, Recep Erdogan e Benjamin Netanyahu - com o título «The Don’s New World Order». Essa nova ordem, na verdade um abominável mundo novo, segundo o articulista, será feita de “Don Corleones” que entre si querem mandar no mundo, com o mesmo realismo impiedoso com que as famílias mafiosas fazem negócios e dividem territórios entre si. Será “a might-is-right world in which big powers cut deals and bully small ones”.
A julgar por aquilo a que o mundo assistiu na passada sexta-feira, a revista britânica acertou no diagnóstico. A deriva caudilhista e isolacionista da nova (velha) administração Trump já era conhecida. Ainda assim, em nome de décadas de comprometimento norte-americano com a ordem internacional ocidental, erguida como antídoto contra guerras e ditaduras depois de 1945, acreditava-se que Washington não desertaria desse (deste nosso) lado do mundo, na maneira de ver o mundo e de perceber quem devem ser os seus aliados e os seus inimigos. Os acontecimentos mais recentes desenganaram-nos. Para Donald Trump, a Europa anda a “lixar” (sic) os Estados Unidos há muito tempo e o “estúpido” (sic) Joe Biden não o percebeu. Há uma semana, nos encontros com Macron e Starmer, o presidente dos EUA ainda manteve o verniz. Não com Zelensky - e daí a emboscada na Sala Oval ao presidente ucraniano.
Trump é um homem de negócios com tiques egotistas, sem a subtileza de um diplomata e ainda menos a grandeza de dever ser o líder do mundo livre. A guerra na Ucrânia é um conflito onde ele acha que já se gastou demasiado tempo e dinheiro (americano). E o preço para não a deixar cair estava estipulado - o acesso americano às riquezas do subsolo ucraniano, em troca do apoio a uma paz que salvaria uma Ucrânia desprovida das quatro províncias que a ditadura imperialista de Putin já recortou para si. Ou seja: Trump chamaria a si o papel de mediador do conflito, ganharia recursos para a guerra económica com a China e contentaria Putin o suficiente para se entender com ele, atraindo-o para fora da órbita de Pequim. Alguma coisa deve ter corrido mal, porque Zelensky não assinou o acordo. E na Sala Oval, diante do mundo, Trump e Vance decidiram tratar Zelensky como um irritante empecilho que impede a paz no mundo pela sua “teimosia” em liderar um povo que não quer vergar-se a um invasor!
A cena foi confrangedora e nunca vista. Jamais um presidente dos EUA, na solenidade da Sala Oval ou noutro local qualquer, tratou daquela forma quem luta pela liberdade. Diz-se que as más ações ficam com quem as comete. Mas o problema da retórica rufia de Trump e dos seus cães-de-fila é o que ela revela, a saber, que a agenda MAGA não escrupulizará trair velhos aliados e as próprias regras da convivência diplomática e dos grandes alinhamentos globais que tínhamos por adquiridas desde 1945. O inimaginável está aí: os EUA ao lado, em negociações ou em tensão vigilante com a Rússia, a Coreia do Norte ou a China, dispostos a deixar cair a Ucrânia e indiferentes à própria Europa. Os analistas hesitam se esta pode, ou deve, reconciliar-se com Trump. Seja como for, e a cimeira de Londres do passado fim de semana foi um bom sinal, o velho mundo tem de compreender definitivamente que já não vive no pós-1945. A proteção solidária dos EUA acabou - embora Trump e Musk não percebam que abandonar a NATO ou a ONU só tornará os EUA mais fracos, e por isso mais pobres. E sob a liderança do nuclear franco-britânico, o velho mundo terá de se fazer à vida. Por ora (para sempre?), o euro-americanismo transatlântico passou à história.