05 mar, 2025 • Ângela Roque
O que sente uma criança retirada à família biológica e colocada em acolhimento residencial? Como é vista pelas outras crianças e pela sociedade? Taciana Mendes, de 20 anos, entrou para uma instituição aos 17, com muitos receios alimentados pelo que lhe diziam.
“Eu não tinha a noção do que é que era o acolhimento, porque só ouvia coisas negativas: ‘se te portares mal vais para uma casa de acolhimento e lá tratam mal os meninos’. O que é mentira!”, conta no podcast Vidas Invisíveis, da Renascença.
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Para a jovem, que agora está já em fase de autonomia, é muito importante desmistificar a realidade das instituições de acolhimento, para que quem está acolhido não tenha medo de o assumir. “O acolhimento tem rosto, e é importante darmos a nossa cara, não é nenhuma vergonha!”.
Miguel Simões Correia é presidente da associação CANDEIA, que apoia com atividades lúdicas e campos de férias cerca de 300 crianças e jovens acolhidos em 40 instituições diferentes. Confirma que para muitos ter sido retirado à família é um estigma.
“Têm vergonha de dizer que estão uma casa de acolhimento, porque a primeira pergunta que ouvem muitas vezes é ‘o que é que fizeste para ir lá parar?’. Ou seja, a criança ou jovem é retirado para sua proteção, mas aos olhos da sociedade é retirado porque fez alguma coisa de mal”.
Numa altura em que o sistema de proteção e cuidado das crianças e jovens em risco está a ser avaliado, Miguel Simões Correia, que também lidera o projeto Amigos P’ra Vida, diz que é preciso apostar mais na prevenção e no apoio às famílias.
Vidas Invisíveis
No primeiro episódio do podcast Vidas Invisíveis, (...)
“É importante um foco grande no trabalho da parentalidade, na capacitação dos pais, porque as pessoas que não nascem ensinadas e na criação de rede nos contextos mais desfavorecidos”. Espera também que se se criem mais condições para os técnicos que trabalham nesta área. “Na parte específica do acolhimento é preciso dar mais visibilidade e valorizar os técnicos, que estão a rebentar pelas costuras, e dar mais palco a soluções de desinstitucionalização”. No fundo, investir mais nesta área.
Para Taciana Mendes – que foi ajudada pela CANDEIA e hoje é monitora da associação e dos Amigos P’ra Vida - há muita coisa a mudar no sistema de proteção, mas a começar por algum lado, que seja por quem trabalha nas instituições.
“O Estado tem de olhar para o acolhimento enquanto estrutura e também olhar para as pessoas. Porque é difícil! Um técnico que entra para a vida de um jovem, é criada uma ligação, é muito trabalho, são muitas horas, é muito cansativo. É trabalho extraordinário, porque vai para casa e acho que ninguém que trabalhe com o coração e que ama o que faz vai conseguir ter um jovem a pedir ajuda à 1h ou 2h da manhã e desligar o telefone. É importante o Estado português proteger estas pessoas que trabalham na área social e no acolhimento”, sublinha.
Miguel Simões Correia diz que não se pode diabolizar o trabalho que é feito nas instituições, mas espera que a atual campanha nacional de promoção do acolhimento familiar resulte, porque é sempre melhor solução para as crianças.
“Se reparar, nenhum país tem zero por cento de acolhimento residencial. O acolhimento residencial é importante e deve existir, e há casos em que o melhor para a criança é ir para o acolhimento residencial. No entanto, para a maioria das crianças o melhor é ter uma família de acolhimento. Mas é preciso mudar muito as mentalidades até que isto seja um facto assente dentro da promoção e proteção”.
Vidas Invisíveis é um podcast Renascença em parceria com a associação CANDEIA, com novos episódios todas as quartas-feiras.