20 jun, 2024 - 07:30 • Hugo Tavares da Silva
A história desta conversa com Ljubinko Drulovic, o histórico futebolista que passou muitos anos em Portugal e atual selecionador sub-21 sérvio, foi exatamente assim:
– Ljubinko, estou aqui a ver o Jugoslávia-Eslovénia de 2000. Não podemos falar um bocadinho?
– Liga-me para o WhatsApp.
E assim foi (com o bónus de ele estar a acompanhar a seleção na Alemanha).
O canhoto especial que viveu várias temporadas dentro das fardas de Gil Vicente, FC Porto, Benfica e Penafiel, foi um dos melhores futebolistas do Campeonato da Europa de 2000, um torneio que ficou marcado por esse Jugoslávia-Eslovénia. Os eslovenos estiveram a ganhar por 3-0, com dois golos e uma assistência do maravilhoso Zlatko Zahovic, mas depois aterrou no relvado do Stade du Pays de Charleroi o conto de fadas, mesmo com a expulsão de Sinisa Mihajlovic. Drulovic fez um golo e uma assistência e a Jugoslávia empatou 3-3.
Esta tarde, esses velhos conhecidos voltam a encontrar-se 24 anos depois (14h00), os mesmos que passaram ser estar num Europeu. Em entrevista a Bola Branca, o senhor da trivela mágica fala dos seus jogadores, das hipóteses e expectativas da Sérvia, do tal jogo contra a Eslovénia, de Boskov, de Chalana e de 1984 e ainda do seu ídolo, Diego Armando Maradona.
O que tem achado do Europeu?
Para já, tudo bem, bons jogos. Praticamente todos os jogos foram muito intensos e muitos resultados acabaram com pouca diferença, talvez dois ou três jogos com resultadaos mais dilatados. Muito competitivo.
Está cá ou em casa?
Eu estou na Alemanha.
Está a acompanhar a seleção?
Sim. Sou o selecionador sub-21, estou ao lado deles [risos].
Que tal o espírito?
Tudo ótimo, tudo tranquilo. Temos um jogo importantíssimo, é como se fosse uma final. Nesta fase de grupos, temos de ganhar se queremos passar. No primeiro jogo perdemos com a Inglaterra. Se conseguirmos vitória hoje, ficamos com boas chances.
É muita pressão isso de jogar para ganhar, não?
Temos jogadores experientes, muitos deles estão naquela idade adulta, seja na vida, seja como jogador. Acredito que vão dar uma resposta muito positiva. Eles já estão habituados a jogar com essa pressão. Jogam em boas equipas, em grandes clubes da Europa.
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Quantos jogadores passaram por si nas camadas jovens da Sérvia?
Tenho seis, foram campeões da Europa [sub-17] comigo [em 2013]. Praticamente 25% da equipa, são muito influentes. Rajkovic, Veljkovic joga a central, o Aleksandar Mitrovic a ponta de lança, o Milinkovic-Savic a médio, o Maksimovic que estava no Getafe e agora foi para o Panathinaikos e o Gacinovic, que estava no Eintracht e agora está no AEK de Atenas. H
Como é que os jovens olham para o Drulovic?
Eu tenho uma excelente relação com todos os jogadores. Trabalhei como adjunto na seleção principal até novembro, a partir daí passei para selecionador sub-21. Nos últimos seis meses estive fora, mas sempre muito perto. A relação é boa, falamos muito. Dou aquele apoio necessário, conversas que temos de fazer. Falamos de várias coisas. É importante ajudá-los para recuperarem psicologicamente depois desta derrota, por exemplo, para seguirem em frente. É levantar a cabeça e trabalhar bem.
Hm, hm
Temos um jogo muito importante contra a Eslovénia, é um adversário que, como nós, joga um Europeu depois de 24 anos. Existe esta realidade pela ex-Jugoslávia e não sei quê, eles ficam muito motivados quando jogam connosco. Vai ser um jogo bastante complicado, por isso tenho ajudado o jogador nesse aspeto. Dou-lhes alguns conselhos. Muitos deles viram aquele jogo que fiz contra a Eslovénia, no último Campeonato da Europa, em 2000. Foi há muitos anos, mas mostraram muito este jogo, principalmente por estes dias na imprensa da Sérvia. Na altura, foi considerado um dos melhores jogos do Campeonato da Europa.
Estávamos a perder 3-0, empatámos 3-3, mesmo a jogar mais de meia hora com 10. Quase ganhámos, tivemos uma oportunidade, mas pronto. É isto, são estes pequenos conselhos que posso dar, de como se reage depois de uma derrota, de levantar a cabeça e seguir em frente. Se conseguirmos jogar o que jogámos na segunda parte contra a Inglaterra, temos grande hipóteses de sermos felizes depois do jogo.
Precisamente, Ljubinko, estou a ligar-lhe porque estava a ver esse jogo. Qual era o sentimento lá dentro? A desvantagem era tão grande, foram buscar o resultado. Mihajlovic foi para a rua aos 60’...
Sinceramente, com todo o mérito, a Eslovénia conseguiu uma vantagem enorme [risos], com golos dos meus ex-colegas, Zahovic e Pavlin, no FC Porto e o Zlakto no Benfica. Jogámos muito tempo juntos, eu e o Zahovic. Eles foram marcando golos e ficámos apáticos, não conseguimos reagir. Depois do primeiro golo, conseguimos jogar aquele futebol que a gente pretendia. A reação foi ótima. Mesmo com 10, conseguimos estar por cima, fomos melhores, controlámos o jogo e todas as situações. O momento psicológico foi importante depois do primeiro golo. Consegui marcar, com um passe do Mijatovic, o segundo golo e depois fiz uma assistência para o terceiro, para o Savo Milosevic, o nosso ponta de lança.
Tudo de trivela...
Sim, de trivela, foi uma jogada pela direita.
O golo e a assistência, não é?, tudo de trivela...
O golo marquei de bico!
Ah sim?
Eu também chutava bem assim. Foi um remate praticamente indefensável. Foi excelente. Mais tarde, quando trabalhei na Eslovénia, este guarda-redes era meu amigo e foi diretor desportivo, trabalhámos juntos e às vezes brincávamos com estas situações. Era o Mladen Dabanovič. Em termos individuais, foi excelente. Fiz um grande jogo. Depois da primeira fase do campeonato, estava entre os seis melhores jogadores escolhidos pelo jornal italiano “Gazzetta dello Sport”.
Não é brincadeira.
Sim! Outro dia saiu isso, fui o melhor assistente, com quatro assistências, em frente de, não sei, Beckham, Rui Costa, Figo, Berkgamp, que tiveram três. Só fiz quatro jogos, muitos deles fizeram mais. Foi mais uma marca na minha carreira [risos].
Havia poucos pé esquerdos melhores...
É isso, pá... Marquei contra a Eslovénia, depois contra a Noruega fiz a assistência. Fiz duas assistências contra a Espanha, perdemos 4-3, mas outra vez tivemos um jogador expulso. Tivemos expulsos em três jogos. Mas a Espanha ganhou-nos sem merecer, um árbitro francês ajudou-os muito. Se tivéssemos empatado ou ganho, eles não passavam, passavam a Noruega, que ganhou à Eslovénia.
Como era Boskov?
Era um treinador muito experiente, treinou muitos clubes...
Uma história longa.
Sim, uma história longa. Foi um dos melhores treinadores do futebol sérvio, trabalhou muitos anos em Itália. Foi, sem dúvida, um grande nome. Chegou com uma certa idade à seleção, mas deu tranquilidade. Era um senhor. Toda a gente gostava dele. Tinha uma maneira muito simpática de comunicar com os jogadores, foi sem dúvida um treinador importante, era um grande nome. Foi pena ter chegado um pouco tarde, podemos dizer. Mas toda a gente compreendia, treinou muitos anos em Itália, clubes como Sampdoria e Roma. Mesmo hoje em dia, falamos de algumas anedotas dele [risos]. Ele era uma pessoa muito boa e conseguiu ter sempre um bom ambiente no grupo.
E a bola do Europeu, gostava?
Gostava, sim [risos]. Era bonita. Já passaram 24 anos, é muito tempo e o tempo passa rápido, mas gostei muito. Foi o primeiro e último Europeu que fiz como jogador. Marquei no meu primeiro jogo contra a Eslovénia, no meu primeiro jogo num Campeonato da Europa, num jogo que foi considerado um dos melhores de todos os tempos dos Europeus. Quando falam comigo e se lembram de mim, toda a gente fala desse jogo da Eslovénia e de um jogo na República Checa, quando ganhámos contra uma excelente equipa, conseguimos aí a qualificação para o Campeonato do Mundo, dois anos antes. Estes dois jogos marcaram a minha carreira na seleção.
Disse há pouco que os eslovenos querem muito ganhar aos sérvios. Politicamente, é um tema sensível?
Nós temos uma boa relação com a Eslovénia, não é aquela rivalidade, rivalidade como se fosse um jogo contra a Croácia. Como faz parte da antiga Jugoslávia, pronto, também podemos dizer que existe uma rivalidade. Fizemos jogos na Liga das Nações contra eles, lá estivemos a ganhar 2-0 e conseguiram empatar na segunda parte. Ganhámos o jogo em casa. Agora, 24 anos depois, jogam um Campeonato da Europa, como nós, numa competição como esta, que é espectacular, uma das melhores competições ou a melhor de seleções nacionais. O melhor futebol joga-se na Europa. Eles terão uma grande motivação de certeza, fizeram um excelente resultado contra a Dinamarca. Vão fazer tudo para, pelo menos, não perderem connosco. Vão lutar muito. Tem vários jogadores de grande nível, principalmente o Oblak, um dos melhores guarda-redes do mundo, e depois este Sesko, que joga lá na frente, é uma promessa do futebol europeu, vai ter uma grande carreira.
Felizmente, não há Zahovic, não é?
Não há, mas há outra geração, como na Sérvia. Já disse há poucos dias para um canal sérvio, esta geração vai fazer um resultado melhor do que nós fizemos. Passámos o grupo naquele Europeu e depois perdemos contra a Holanda. Espero que esta geração faça melhor.
Tem ideia da sua primeira lembrança de um Europeu?
Não sei... Lembro-me do Campeonato da Europa de 1984, em França, até me lembro do jogo entre Portugal e França. Jogava o Platini, um dos melhores e que eu gostava de ver. Havia Giresse, Fernández. Portugal, jogava muito o Chalana. Depois, tive sorte de conhecê-lo e trabalhar com ele de perto. Foi um grande homem, um dos maiores jogadores da história do futebol português. Portugal tinha grandes jogadores, mas o Chalana marcou aquela época. Lembro-me desse jogo. Eu tinha seis anos, o futebol já era a minha vida. Ver estes grandes jogadores era uma coisa muito bonita.
Quem era o seu ídolo de infância?
Gostei sempre do Maradona, foi ele que marcou a minha geração. Tive pena da vida que fez, mas como jogador foi um fora de série, era impressionante. O que ele fez no México, por exemplo... Lembro-me de ficarmos toda a gente à espera dos jogos da Argentina. O Maradona era uma coisa de outro mundo.
Para acabar, Ljubinko. Como vê esta seleção portuguesa?
Há pouco tempo estive em Lisboa, falei com o selecionador. Vi o jogo todo de Portugal, pensava que Portugal ia ganhar com mais facilidade. Fiquei surpreendido com a equipa que entrou em campo, mas são opções e análises que se fazem, cada um prepara a equipa como quer. Portugal é uma das melhores equipas deste Campeonato da Europa. Tem muita qualidade, tem jogadores de classe mundial, jogam todos em grandes equipas. É um dos favoritos, agora depende da sorte de quem lhe calhar. Portugal pode fazer muito melhor do que fez terça-feira, na minha opinião, tem jogadores de grande capacidade para jogarem contra qualquer equipa.
Tem muito talento, não é?
Muito talento, muita qualidade, tem opções impressionantes. Tem praticamente duas equipas de grande nível, qualquer que jogue pode fazer a diferença. Viu-se isso, entrou Jota, Neto e o miúdo Conceição, há muita qualidade individual. Muitas vezes, esta qualidade resolve os jogos, é o que faz a diferença no futebol moderno, porque toda a gente trabalha bem em termos táticos. Mas em 1x1, em situações para ganhar desvantagem, Portugal tem muito. São jogadores de grande classe. Com tempo, Portugal vai jogar ainda melhor, vai chegar longe... até pode vencer este Campeonato da Europa.