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Euro 2024

Uma viagem até àquele 'danish dynamite' 5-0 Jugoslávia de 1984: "Foi uma das equipas mais populares e queridas que o futebol teve"

25 jun, 2024 - 09:55 • Hugo Tavares da Silva

Os dinamarqueses, protagonistas da década de 80 com Laudrup e Preben Elkjaer Larsen, ofereceram um festival de vertigem, técnica, correria e arte. Esta terça-feira joga-se o Dinamarca-Sérvia para o Euro 2024

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Eram eletrizantes. Corriam para a frente como touros mas com a elegância de uma bailarina galardoada. A pradaria do Stade de Gerland, em Lyon, transformou-se num jardim pulverizado com a fragrância do paraíso.

Estávamos a 16 de junho de 1984, na segunda jornada do Grupo 1. A Dinamarca do revolucionário Sepp Piontek perdera na estreia contra a anfitriã França, com golo de Michel Platini, mas pior que isso perdeu, por lesão, Allan Simonsen, o ‘bola de ouro’ que trazia fama ao grupo. Desta vez, diante dos nórdicos estavam os jugoslavos, uma terra com futebolistas especiais.

“Se para nós, portugueses, o Europeu de 84 vai ser sempre o de Chalana, Jordão e desse mítico jogo com a França, a grande surpresa e a grande figura, excetuando os campeões franceses, foi a Dinamarca”, conta a Bola Branca o escritor Miguel Lourenço Pereira, autor de livros como “Bring me that horizon” e “Sueños de la Euro”, precisamente sobre este torneio. “Esse jogo antecipou o que seria uma década dourada que culminaria com o título europeu de 92.”

O apuramento para o Euro 1984 já havia sido surpreendente, a Dinamarca deixou pelo caminho a Inglaterra. Naquela tarde de junho os touros bailarinos mostraram como se joga futebol. Olharam para a frente, até descurar a defesa, mas o que fizeram com a bola pertence à coletânea dos poemas não escritos com espírito de ficção científica.

Ping, ping, ping, tac, tac, tac. Ora se viam toques de calcanhar, ora tabelas, seja com a cabeça, com a peitaça, com o pé dominante, com o outro que era mais curioso. Correrias e mais correrias, trocas de posição, zero cordas invisíveis, ninguém e nada poderia segurá-los. Surgiam ali feras que iam marcar esta dourada década do futebol dinamarquês. Há somente 10 anos era um futebol semiprofissional, lembra o escritor ouvido por Renascença.

Havia Preben Elkjaer Larsen, Frank Arnesen, Soren Lerby e, abençoado seja, Michael Laudrup, que se mostrava no maior palco. Estava enfiado na camisola 14 de uma das fardas mais bonitas já olhadas e babadas. Era tão bonita a vestimenta que, como diz uma jornalista da nossa praça, podia facilmente levar-se a um baptizado. Até esteticamente batiam com a cabeça nas nuvens.

“Com a ausência de Simonsen, todos imaginavam que eles seriam eliminados facilmente, mas aconteceu o contrário no jogo seguinte”, conta Lourenço Pereira. “Viu-se uma vitória absolutamente histórica e esmagadora contra uma seleção repleta de talento, com muitos jogadores a fazerem a transição da importante geração jugoslava dos anos 70 para aquela que, no final da década, ia despontar com o título europeu do Estrela Vermelha. Era sobretudo uma Jugoslávia com um pedigree que a Dinamarca não tinha.”

Mas a bola começou a derreter-se com o toque dos rapazes de vermelho, espalhados pelo campo com alguma ordem mas com ordens para desordenar. Um caos alucinante e faiscante. Era belo. Os jugoslavos eram maravilhosos com a bola e o resultado engana, não só pelo desacerto dos avançados, como pela grande exibição de Ole Qvist. Também na baliza jugoslava fez diferença, apesar de tudo (esteve mal no 0-1), um tal de Ivkovic.

O 5-0 foi avassalador. Mas mais interessante foi a febre do drible e da combinação entre dinamarqueses, touros promovidos a artistas. Preben Elkjaer Larsen, o senhor da camisola 10, fez um golo, Laudrup ofereceu três, Arnesen marcou dois, Berggreen um e John Lauridsen fez o que falta, com um jeito admirável. Foi um delírio ofensivo daqueles dos bons.

“Esse jogo foi um dos mais importantes da história dos Europeus de futebol”, contextualiza Miguel Lourenço Pereira. “Foi um resultado ligeiramente enganador, a Dinamarca fez uma exibição estratosférica, num sistema tático montado pelo alemão e grande responsável pela revolução no futebol dinarmaquês Sepp Piontek. Foi um dos primeiros a aplicar o 3-5-2, mas com uma vertente extremamente ofensiva.”

Para alguém que sofra de um caso de desamor com o futebol, sintonizar nesta bela 'danish dynamite', como eram conhecidos durante esta década especial, é o remédio santo. Foi o festival do desperdício, mas esse Dinamarca-Jugoslávia foi principalmente a festa da vertigem, da correria, da potência, da técnica, da arte, da coragem e do futebol mais perto do povo.

Os dinamarqueses seriam eliminados nesse Euro 1984 nas meias-finais, nos penáltis, pela Espanha. “Foi uma das equipas mais populares e queridas que o futebol alguma vez teve”, revela o escritor. “É uma geração que exprime o melhor que teve o futebol dos anos 80. Extremamente atrativo, ofensivo, técnico e vistoso, bastante líquido na troca de posições, com um trabalho pioneiro de liderança de Piontek e com uma série de jogadores que eram desconhecidos e que acabariam por pulular entre os maiores clubes da Europa.”

Com gerações já mescladas, esta mágica Dinamarca converteu-se em mais pragmática em 1992, quando substituiu a Jugoslávia no Europeu. O conto de fadas já todos conhecemos. Esta terça-feira, na Alemanha, há uma reedição desse clássico entre a Dinamarca e a agora Sérvia, o que foi uma bela desculpa para lembrar a rapaziada-dinamite.

*veja os resultados, as contas dos grupos e as estatísticas dos jogadores

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