Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Taça Asiática

"Entusiasmo e talento existem em todo o mundo": Vingada lembra Taça Asiática de 1996 e passagem pela Jordânia

09 fev, 2024 - 17:35 • João Filipe Cruz

Em conversa com Bola Branca, o treinador alentejano, de 71 anos, explica a diferença de recursos entre os finalistas da Taça Asiática (sábado, às 15h00), Catar e Jordânia, e deixa umas palavras para José Peseiro, que pode imitar uma façanha sua.

A+ / A-

Foi em 1996 que Nelo Vingada se transformou no primeiro treinador português a conquistar um competição continental de seleções. Na altura, ao serviço da Arábia Saudita, ganhou a Taça Asiática, o torneio que este sábado conhece mais um campeão. Na altura levou a melhor, nos penáltis, contra os Emirados Árabes Unidos. Desta vez, a contenda será entre Catar, a equipa da casa, e a Jordânia, que Vingada também treinou entre 2008 e 2009.

Em conversa com Bola Branca, o técnico natural de Serpa, de 71 anos, aborda a realidade jordana que viveu e agora conhece, os mind games, as surpresas e méritos e ainda o trajeto da Nigéria de José Peseiro no CAN, o português que procura imitar os feitos de Vingada e também de Fernando Santos, que conquistou o Euro 2016. Em comum, os três treinadores portugueses tinham e terão pela frente a seleção da casa.

Vamos ter uma final inédita, com a Jordânia que tão bem conhece. O que mudou por lá para a seleção conseguir esta final?
Não deixa de ser surpreendente ver a Jordânia, mas também o Catar, embora seja o atual campeão e jogue em casa. Nas previsões, de quem quer que seja, não se imaginava que fosse dar uma final com estes dois contendores. Pelo que fizeram, pode dizer-se que há alguma justiça. Quanto à Jordânia, fui treinador lá para o Mundial 2010, já estava na altura numa fase evolutiva. Entrei para remodelar a seleção, confirmou-se com um conjunto de resultados agradáveis.

Mas claro que é surpreendente para todos, mostra a evolução do futebol asiático. Portugal não tem boa memória dos jogos com a Coreia do Sul. Eu disse que dos cinco candidatos – Arábia Saudita, Coreia do Sul, Japão, Irão e Austrália – ia sair um vencedor. Enganei-me, o que significa que o futebol é tão imprevisível que mesmo quem trabalha nele, por mais experiência que tenha, nunca acerta, senão acertávamos sempre no Totobola.

Claro.
Ainda que me tenha surpreendido, confesso que depois vi uma equipa com argumentos bons, muito bem treinada, bem organizada, com uma ideia de jogo bem definida, especialmente com dois ou três jogadores muito bons.

A mesma dimensão posso atribuir ao Catar. Posso acrescentar que nestes últimos quatro ou cinco meses estava muito mais identificado com o Catar, porque lá estive com o professor Carlos Queiroz, porque andei a seguir alguns adversários da seleção. Colaborei com ele, sem qualquer ligação formal à federação do Catar, segui alguns adversários. Confesso que me surpreendeu que a prestação do Catar, que foi em crescendo, lhe permita chegar à final.

Certo.
Se me perguntar, como adepto do futebol, fico satisfeito, especialmente pela Jordânia, com quem tive uma ligação muito boa, senti-me muito bem, fui muito bem tratado. Para o futebol é bom, demonstra que só não consegue quem não tenta. A Jordânia e o Catar deram uma lição de que no futebol tudo é possível, todos os resultados começam 0-0. Quando se tenta com alma, determinação, organização, talento e com sorte também, no futebol é possível.

No Catar, com o Mundial, conseguíamos perceber o investimento feito no desporto do país, mas quanto à Jordânia não tínhamos tanto acesso, não é?
Oiça, os recursos da Jordânia ao pé dos do Catar são ínfimos. Recordo-me que, quando estava lá, o campeonato era disputado em três campos de futebol, dois em Amã e outro em Irbid, perto da fronteira com a Síria. As infraestruturas eram muito poucas, especialmente para o futebol jovem. O entusiasmo e o talento existem em todo o mundo, já trabalhei em 11 países, sei que é possível, até na Índia, haver jogadores super talentosos. Depois, as condições de trabalho não têm nada a ver com os padrões da Europa e das Américas.

A Jordânia está muito distante dos padrões do Catar, que tem outra riqueza. Quando eu era treinador da Jordânia, estivemos duas vezes no Catar, na Aspire Academy, mas hoje aquilo evoluiu, campos e estádios fantásticos, nada falta nesse aspeto. Mas também demonstra que foi por isso que o Catar chegou onde chegou.

E reconhece que foi feito algum investimento na Jordânia?
Sem dúvida. Já o disse publicamente, o presidente da Jordânia é fantástico, foi dos melhores presidentes que encontrei no futebol, que dedica um carinho especial ao futebol e às seleções. As condições de trabalho da seleção estão num patamar claramente acima do que os jogadores têm nos clubes.

Há uma coincidência entre a Arábia Saudita de Nelo Vingada, Portugal de Fernando Santos e Nigéria de José Peseiro: os três enfrentaram o anfitrião na final.
[risos] Sim, é engraçado…

Peseiro reconheceu que, a caminho do jogo das meias-finais, houve dificuldade para circular pelas estradas da Costa do Marfim. Lembra-se de algum tipo de dificuldade, provocada ou não, para tentar mexer com vocês, os tais mind games?
Em África, não me surpreende. Eu treinei o Zamalek e muitas vezes viajei para disputar as competições africanas. Lembro-me que, na Mauritânia e no Ruanda, houve esse tipo de mind games e esse tipo de dificuldades provocados nos adversários. Os campos para treinar eram sempre os piores, não havia balneários. Em África, admito que possa acontecer.

Hoje, com o padrão de exigência e rigor, até a respeitabilidade que a competição deve ter, é mais difícil acontecer. Às vezes tem a ver com a própria situação do país. No CAN anterior, o Carlos Queiroz chegou duas vezes atrasado às conferências de imprensa porque era uma quantidade de pessoas e um trânsito caótico… A federação do Egito e o Carlos Queiroz foram multados por causa disso, injustamente, não havia condições para circular. Não há, autoestradas é um super luxo lá, temos de entender isso. Acredito que possa haver alguns obstáculos, acredito que vão lá para a porta do hotel da Nigéria fazer barulho e cantar. Em 1996, não houve esse tipo de problemas, as deslocações eram muito pequenas.

Vi um vídeo há pouco tempo em que dizia que, quando estava na Arábia Saudita, saiu porque foi pressionado…
Sim, esse vídeo foi gravado quando estava no Egito, indevidamente gravado e sem a minha autorização. Mas, de facto, não é mentira [risos], retrata a verdade. Eu estava na Arábia Saudita, tinha sido campeão da Ásia, estava à beira de apurar a equipa para o Campeonato do Mundo de França, como se veio a confirmar, nesse próprio jogo acabámos por ganhar ao Catar. Mas, ao intervalo, sofri pressão para substituir um jogador e meter dentro de campo um jogador que era referência na Arábia Saudita, ligado ao Al Hilal. Estive um ano e pouco lá na seleção, já depois de ser campeão asiático e de um trajeto fantástico, sofri essa pressão.

Mas, acredite, não deve haver um treinador no mundo, por mais badalado que seja, que não tenha sofrido e sentido. Ainda há bocado vi que Carvalhal saiu do Olympiacos por isso também, é o que a notícia indicia. Faz parte da vivência de treinador. Eu era muito novo, reagia de uma maneira emotiva demais, se calhar hoje conduzia de outra maneira. Fiz o que achei que devia ter feito, resultou que não orientasse a equipa em França. É sempre um sonho estar num Mundial...

O que diria a José Peseiro no autocarro a caminho da final?
Diria o que se diz: a final é para ser ganha, não é para ser jogada, bem ou mal não interessa. É para ser desfrutada. Ele saberá melhor do que ninguém que tipo de jogadores tem, mas acho que é o jogo que menos pressão eles devem sentir. Já há a pressão inerente à final, a Nigéria é o país mais populoso de África. O percurso não foi muito descansado, houve altos e baixos, até houve uma controvérsia, mas está na final. É para desfrutar, gozar e é para ganhar!

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+