13 fev, 2025 - 12:50 • Hugo Tavares da Silva
Valdano não conseguiu chorar. O “filósofo”, um elogio imenso que no futebol se arrisca a ser um insulto, acabara de ganhar o Campeonato do Mundo, no México, numa final em que até marcou um golo especial.
Nery Pumpido passou-lhe a bola, perto da baliza, imagine-se. Ele correu, correu e correu e tocou para Diego. De repente, como se o campo do Azteca fosse um pequeno jardim, estava perante Harald Schumacher e, sem sentir qualquer tremor no pé, desviou à Henry antes de Henry.
Já segue a Bola Branca no WhatsApp? É só clicar aqui
Valdano não conseguiu chorar. Agarrou-se, no chão e já depois do derradeiro apito, a Olarticoechea e Giusti, que entupiam o rosto de lágrimas, mas Jorge não foi capaz. “Se não choro hoje, sou uma má pessoa, algo está a falhar em mim”, pensou naquele domingo sagrado.
Esta história contou-a à Renascença, em abril e em Madrid, por ocasião dos 50 anos da revolução, onde se falou sobre a liberdade dos homens, e recuperamo-la para o Dia Mundial da Rádio, que se celebra a 13 de fevereiro.
Entrevista Bola Branca
A Renascença foi até Madrid, nas vésperas dos 50 a(...)
Dois anos depois daquele Mundial mexicano, que até marcou o regresso de Portugal ao torneio passadas duas décadas, Valdano encontrou-se. Já retirado, por causa de uma hepatite crónica, recebia no correio alguns beijos na alma. O irmão mandava-lhe cassetes a partir da Argentina com mensagens da família e música que cheirava a casa. “Esclarece às crianças o que eram cassetes”, disse a esta rádio, gargalhando entre o verbo, o ex-futebolista, sábio como os mais sábios.
Com os auscultadores, ou “cascos” como ele lhes chamou, ia correr para uma parque à frente de casa, soltando as pernas longilíneas, deixando assim a Argentina entrar-lhe pelos ouvidos como uma substância curativa. “A meio de duas ou três mensagens, o meu irmão gravou o meu golo na final com a voz [da rádio] que eu associava à minha infância”, recorda.
E, depois, a luz. Os olhos encherem-se de água. “Comecei a chorar como um menino, a chorar com ruído, tive de me esconder para chorar. Sempre acreditei que foi a palavra que culminou a ideia de culminação que é um golo na final do Campeonato do Mundo.”
Jorge Valdano lembrou-se desta história porque naquele momento da entrevista falava-se do mistério que em tempos idos colávamos ao Campeonato do Mundo. Surgiam jogadores e equipas inesperados e especiais. “O que acontece é que sou de uma geração na qual o futebol entrou através da palavra, através de uma revista, a 'El Gráfico', que era uma bíblia, e através da rádio.”
Ou seja, “não vi o Pelé jogar, mas estou disposto a defendê-lo como o melhor jogador da história ao lado de Diego, Messi, aos que não posso trair”, reconheceu. “Não era preciso ver um jogador para saber que era um génio.”
Ah, a magia da rádio.