07 ago, 2024 - 14:25 • Rui Viegas
David Pina faz esta quarta-feira 28 anos, mas o grande festejo aconteceu há dias quando tocou o sino para o fim do combate de -51 kg com o uzbeque Hasanboy Dusmatov, na Arena Paris Norte. Perdeu e falhou a ida à final.
Todavia, como no boxe ambos os semi-finalistas recebem o bronze, o cabo-verdiano confirmou o maior feito da sua vida… feito de sangue, suor e lágrimas nos últimos três anos do (mais curto) ciclo olímpico que antecedeu estes Jogos de 2024.
O atleta, natural de Santa Cruz, Santiago, nas “ilhas pequenas” de Cabo Verde e com cabelo “esquisito”, trocou o seu país por Portugal atrás do sonho, mas a falta de dinheiro forçou-o a parar e a ter de trabalhar na construção civil para sustentar a família.
Não fosse a insistência de um treinador luso – Bruno Carvalho, do Privilégio Boxing Club, na Póvoa de Santo Adrião, Odivelas – que viu nele um “diamante” e o resgatou, e o golpe no destino não teria sucedido.
Foi no “clube do bairro” que, sem custos, afinou o punho para aterrar em Paris minimamente preparado.
“Em Setembro passado deixei de treinar, para trabalhar. Mas graças a ele, que ligou e insistiu, estou aqui”, reconheceu aos jornalistas portugueses David Pina, tão surpreendido como o mundo, sobretudo lusófono, com o que acabava de alcançar, numa história de sucesso em que não conseguiu esquivar-se ao sacrifício. E sempre com a família no centro das atenções.
“Trabalhei duro”, continuou. “Fiz isto pela minha família e para dar ao meu povo uma medalha. E para entrar na história dos Jogos Olímpicos. É uma história de superação. Quem não luta, morre e não vai a lado nenhum”, atira o pugilista irrequieto, na atitude e nas palavras, quando se depara com todo o mediatismo que, de um dia para o outro, invadiu o ringue da sua vida.
E, agora, sem apoios futuros (leia-se dinheiro), para além dos 700 euros mensais que recebe do Comité Olímpico Internacional (COI), e que em Portugal já ficaram “curtos”, David Pina receia um gancho que o afaste de vez da modalidade que ama.
“Só depois de um resultado como este é que se vai ver quais os benefícios. Mas se não tiver melhores condições, desisto do boxe e vou trabalhar de novo. O boxe ainda não me permite sustentar a família e tenho de o fazer”, declara o atleta, sem antecipar a meta de Los Angeles em 2028.
Para já, o governo da Praia promete que não o deixará morrer na praia. Elevado a herói nacional, aquele executivo já prometeu condecorá-lo, acompanhando a distinção de um cheque de 4.500 euros, como forma de agradecimento pela medalha inédita que conquistou para a vitrine do desporto cabo-verdiano e a terceira da África lusófona, depois dos dois 'metais' arrecadados pela moçambicana Maria Mutola, campeã olímpica nos 800 metros de Sidney 2000 e vencedora do bronze em Atlanta 1996.
E os próximos tempos mostrarão qual o futuro de David, que se agigantou em Paris. Se não tiver um final feliz, esta será uma história bonita, mas de rápido “knockout”.