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Basquetebol

O apuramento para o Europeu não foi por acaso: “Encontrámos as pessoas certas, a madurez e a ousadia"

21 fev, 2025 - 12:05 • Redação

A Renascença conversou com o selecionador e a capitã da seleção nacional de basquetebol. Apesar de tudo, não foi uma caminhada simples: "Nem sempre a vida premeia o esforço"

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A seleção nacional feminina de basquetebol conseguiu, pela primeira vez, o apuramento para o Campeonato da Europa. Num jogo decisivo contra a Sérvia, seleção que ocupa a 5ª. posição no ranking europeu e a 9ª. a nível mundial, Portugal garantiu a vitória com uma margem de 17 pontos, o que permitiu a realização de algo inédito por parte das portuguesas.

Ricardo Vasconcelos, treinador da seleção nacional há 15 anos, em entrevista à Renascença, confessa que sempre foi um sonho chegar aqui, “mas nem sempre a vida premeia o esforço”.

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Com um trabalho árduo, ao longo de muitos anos, a vitória sobre a Sérvia trouxe à seleção uma explosão enorme de alegria e satisfação. Já todos, dentro da equipa, foram campeões nacionais ou detentores de títulos importantes, mas e que tal este objetivo? “Era o mais inatingível”, confessa Vasconcelos.

Quando o conseguiram, com a ajuda dos 2500 adeptos que sonharam com elas e que continuam a sonhar, o orgulho foi geral e o sentimento de gratidão diretamente proporcional à satisfação pelo trabalho feito.

A capitã da seleção nacional, Sofia da Silva, também recorda o caminho até esta conquista e a felicidade quando se tornou real. “Estava ali no momento, mas também voltava um bocado ao passado”, admite. “Tudo o que nós sofremos para chegar até aqui… foi um misto de emoções que até hoje ainda não consigo explicar, mas estava muito, muito, muito feliz.”

A chegada a este momento vem de um esforço realizado e de uma corrida que levou “oito a dez anos atrás do objetivo”. Uma necessidade de constantes reajustes, de reinvenções para melhores estratégias e de jogadoras totalmente focadas para que fosse possível o sucesso vivido atualmente.

Ricardo Vasconcelos considera que este foi o momento certo e que se sentiam mais preparadas do que nunca. Afinal, agora “encontrámos as pessoas certas, encontrámos a madurez em determinadas jogadoras, a ousadia noutras e a juventude e a irreverência noutras. Conseguimos criar um bloco de gente, de jogadoras, de staff, em que toda a gente sabia o seu papel e estava disponível para pôr em prática”.

A federação também teve um importante papel ao longo dos últimos 15 anos, diz o técnico, mudando a visão sobre o feminino e sobre a própria seleção e contribuindo com mais ferramentas que permitiram à equipa fazer melhor.

O caminho foi longo e com altos e baixos. Entre apostas falhadas, o mundo do trabalho como prioridade sobre o desporto, ajustes na estrutura e investimentos da federação, a resiliência foi a chave.

Como primeiro ponto fundamental, a seleção esperava encontrar jogadoras com disponibilidade, que se dedicassem ao basquetebol profissionalmente ou que fossem estudantes e semiprofissionais. Mas as lacunas levaram o seu tempo a serem superadas. "Às vezes, começávamos por apostar em alguém que depois ia para os Estados Unidos e já não podia voltar”, revela Vasconcelos.

E continua: “Tínhamos de apostar noutra jogadora ou em alguém que entrava no mundo do trabalho, que realmente tinha uma ótima carreira para seguir, e obviamente que o basquetebol é uma etapa e não é o fim”.

Além disto, ao nível da estrutura, a evolução também foi notória. A seleção não contava com a presença de um preparador físico, não tinha fisioterapeuta nem médico. Atualmente, estes fazem parte de uma estrutura que apenas deu frutos assim.

A luta foi diária para que tudo fosse possível, com o trabalho em conjunto onde “tudo foi essa conjugação de pessoas, da parte da equipa, que é a mais importante, mas também falo da parte do staff, que é fundamental também”.

Dentro de campo, a preparação fez-se ao longo de cada verão, com cada vez mais hipóteses de jogar contra mais equipas e daí conseguir extrair e melhorar o nível de competitividade.

Uma vez que no inverno, as atletas estão com o foco nos seus clubes e, ao longo do verão, precisam de trabalhar, “foi necessário as jogadoras abdicarem de férias, de tempo com a família e das vidas pessoais” para que fosse possível a realização de jogos de treino e estágios longos, algo considerado fundamental por Ricardo Vasconcelos.

Encontrar pessoas disponíveis para isso, as tais “pessoas certas" e que têm a arte de jogar bem basquetebol, foi uma dificuldade.

Em Portugal, a quantidade de jogadoras profissionais é reduzida, tendo em conta os poucos clubes capazes de ter jogadoras totalmente dedicadas ao basquetebol. Para o treinador Ricardo Vasconcelos, a possibilidade de evolução é maior quando um atleta se dedica inteiramente àquilo que faz.

Contudo, defende que a nossa liga, ainda que não conte com as melhores jogadoras da Europa, é “muito equilibrada e isso faz com que as jogadoras que estejam na liga portuguesa saibam jogar jogos de equilíbrio, saibam a sensação de entrar num jogo em que nunca sabe se vai ganhar ou se vai perder”.

As ligas onde as vitórias se deduzem previamente acabam por “tirar a capacidade de evolução e crescimento das jogadoras”, sendo, assim, a liga portuguesa vista como tendo um ponto chave que permite a melhoria da competitividade.

Numa competição europeia, a experiência das jogadoras no estrangeiro conta muito e é vista como uma mais valia pelo selecionador nacional, ainda que nem sempre seja fácil sair da zona de conforto e arriscar em prol de um sonho.

A seleção nacional conta com a maior parte das atletas a jogar noutras ligas, com uma competição acrescida face a Portugal, de acordo com Vasconcelos, “o que as prepara desde logo para aquilo que é a adversidade do Europeu, aquilo que é jogar contra as grandes equipas da Europa”.

Sofia da Silva, atual jogadora do Azul Marino Mallorca Palma e capitã das “linces”, confidencia que representar Portugal é o que mais a preenche enquanto desportista. Ainda hoje, após largos anos na seleção lusa e inúmeras internacionalizações, confidencia que “sempre que toca o hino, não há um dia que não consiga parar de chorar mesmo, é muito emocionante, é inexplicável”, conta.

“Para mim, é uma honra poder fazer parte disto.”

Segundo Ricardo Vasconcelos, o segredo está no foco a 100% no basquetebol, com um pensamento intrínseco de “estou no estrangeiro, estou para fazer isto. Saí do meu conforto, da minha família, da minha casa para fazer tudo isto”. O técnico diz ainda que este fator se torna importante quando se fala de crescimento, capacidade de superação de obstáculos e resiliência.

Para o último jogo da fase de apuramento, Portugal trouxe consigo uma mão cheia de vitórias em seis jogos. A única derrota foi contra a Sérvia, com uma diferença de mais de 30 pontos. Num jogo decisivo contra esta mesma seleção, e com apenas dois dias para preparar o jogo, Ricardo Vasconcelos confidencia que a estratégia passou por não permitir o contra-ataque das adversárias, na tentativa de baixar o ritmo de jogo e “parar o bloqueio direto da jogadora mais influente”.

Para Sofia da Silva, ouvida por Bola Branca, a estratégia foi também emocional. Para a capitã, o segredo estava, além da estratégia de jogo, na capacidade de gerir as emoções e na aprendizagem adquirida ao longo dos anos.

“Já tivemos situações em que perdemos jogos no último segundo, jogos que tínhamos na mão e deixámos escapar por não gerir essas emoções”, recorda. Mas, desta vez, todos acreditavam que podia ser diferente.

A mensagem passada pelo selecionador nacional foi assente em três pilares fundamentais: o primeiro consistia na capacidade de perceber e solucionar o erro; o segundo passava por ter orgulho pelo caminho que já tinham feito; e o terceiro era acreditar, porque a confiança dizia que nunca tinham estado “tão preparados como naquele momento”.

Ou seja, “nunca o grupo foi tão coeso, nunca o grupo foi tão disciplinado, nunca o grupo teve tanta experiência como agora daquilo que foi acumulando ao longo do tempo”, contextualiza o treinador. “Portanto, aquele era o momento em que realmente podíamos sonhar…”

Com a maior parte dos campeonatos a terminar em maio, o pensamento já está na preparação do Europeu, mas apenas a nível estrutural “onde se pode estagiar, quantos jogos podemos fazer, que orçamento dá para tudo isto, que equipas estão disponíveis para fazer torneios e jogos de preparação”, refere o treinador Ricardo Vasconcelos.

Com 16 seleções em competição, a primeira presença da seleção lusa num Europeu vai ocorrer entre os dias 18 e 29 de junho. Para a equipa, o objetivo é estar bem, física e mentalmente, para retirar os melhores resultados possíveis e manter a competitividade ao mais alto nível.

Sofia refere que as expectativas não são altas, uma vez que os grupos ainda não são conhecidos. Mas a esperança vive e os adeptos também fazem parte do jogo, ainda que fora de campo. O desejo da capitã portuguesa é que “continuem a apoiar, e a acreditar que o sonho também começa agora”.

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