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FC Porto

Vítor Bruno. Porque correu mal

21 jan, 2025 - 17:10 • Hugo Tavares da Silva

Esta história, uma sucessão inopinada, é feita de frases feitas e sinónimos sem fim com uma aceleração admirável. Fissuras na liderança fizeram brotar casos e deram-se decisões questionáveis.

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O sol iluminava as cadeiras do Dragão lá atrás, uma metáfora para a esperança daqueles que ali se iam sentar num futuro próximo. Os sorrisos acompanhavam. Os abraços e as palavras idem. Vítor Bruno foi apresentado como novo treinador do FC Porto no sétimo dia de junho.

O processo não foi singelo. Afinal, era o adjunto de Sérgio Conceição, um homem que quase chegou ao patamar de Pedroto (na exigência e números, não tanto na inovação), que ficava a assumir a equipa. Como reagiriam o povo e os jogadores àquela sucessão, para alguns traição? A incógnita era grande, até porque o projeto desportivo de Villas-Boas, Andoni Zubizarreta e Jorge Costa afinal assentava num número 2 que já ali estava. Era estranho, quem sabe. Perguntaram ao técnico, celebrado pelos calções que tanto usa até perante invernos siberianos, sobre o elefante na sala. Ele disse que era "elefante" ou “formiga”, dependia do olhar.

Prometeu coragem, agradeceu a coragem de André Villas-Boas, que ganhara sem discussão umas eleições históricas contra Pinto da Costa, e prometeu devolver-lhe essa coragem. Falou dos miúdos como “ouro da casa” e não prata da casa, como habitualmente se faz, é que se valoriza muito o que vem de fora, lembrou. Quando faltasse talento, teria de haver “caráter, ambição, capacidade de trabalho e paixão”, nisso seriam “imbatíveis”, garantiu, para “encarnar o espírito do sócio e adepto do FC Porto”.

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Mas há mais. “Toda a gente tem de ser viciada em ganhar”, declarou ainda, talvez para mostrar que um certo ‘conceiçãozismo’ corria nas suas veias. Interessante como é necessário dizer-se tanto que se quer ganhar. No fundo, foi todo um processo de intenções e desejos e esperanças e crenças e, como diria Florent-Claude Labrouste, o protagonista do livro "Serotonina" de Houellebecq, o amanhã trataria de cuidar do amanhã.

Uma vitória na Supertaça, contra o Sporting, e um arranque de campeonato sem golos sofridos, com gente em campo como Iván Jaime, Namaso e Vasco Sousa prometiam outros tempos, algo que era acompanhado pela comunicação e refrescante abertura da instituição. Até Galeno saiu do novo laboratório do Olival como lateral esquerdo, garantindo pujança no corredor e, surpreendentemente, golos. As exibições do clube na Europa eram menos boas.

O jogo dos portistias começou a decair, uma tendência que talvez tenha sido reforçada pela entrada de Samu, um avançado potente e goleador que porventura incentivou a pressa nos colegas para levar-se a bola para a frente.

A época ficou marcada essencialmente por dois momentos importantes: três derrotas em novembro, com Lazio, Benfica (derrota por 4-1 na Luz) e Moreirense (este na Taça), e outras três derrotas em janeiro, com Sporting (semifinal da Taça da Liga), Nacional e Gil Vicente. Entre outros, o problema com Pepê, que segundo o treinador se auto-excluiu da convocatória (comportamento no treino?) e a resposta do internacional brasileiro nas redes sociais (aconteceria antes?), tornou ainda mais problemático o cenário para Vítor Bruno.

E caiu.

“Falharam várias coisas”, começa a enumerar Francisco Sousa, comentador Bola Branca. “Harmonia na equipa, Vítor Bruno não soube casar perfis que falam a mesma língua futebolística”, denuncia, apontando ao raro encaixe entre Fábio Vieira e Rodrigo Mora. “Quando Samu entrou e com um impacto espectacular, acabou por se criar uma espécie de dependência, até na forma de jogar prejudicou o nível da equipa.”

Para Francisco Guimarães, outro comentador residente da Rádio Renascença, o problema estava na origem. “Vítor Bruno não era treinador para o Porto, não tinha perfil, não tinha dimensão, mas eu não esperava que ele saísse nesta fase tão precoce. Cometeu erros grosseiros que podia ter evitado.” Guimarães entende que o momento do FC Porto é delicado, “caótico” até, por todo o contexto da auditoria forense, da crise financeira e da mudança na presidência passadas quatro décadas, mas o problema também esteve dentro de campo e nas decisões.

“Nunca conseguiu conciliar os jogadores mais talentosos ao mesmo tempo, tornando o jogo previsível, repetitivo, monótono, muito irregular”, continua Guimarães. Até a comunicação é beliscável. “Nunca saiu daquele registo muito teatral, cheio de chavões e frases feitas, que causaram uma falta de ligação entre ele, jornalistas e adeptos.”

Aquele jeito de falar intrigava, multiplicando os sinônimos em várias orações, com acelerações admiráveis. Parecia estar a ler. Infelizmente para Vítor Bruno, ter um vocabulário sumarento não ajuda a equipa a sair de pressings alheios ou a encontrar caminhos para a baliza rival.

Foi de facto um tema e o drama é comprovado pela pesquisa que acabámos de fazer: “Michael Jackson + Vítor Bruno”. É que houve uma pérola a roçar o brilhantismo de Fred Astaire. Ora bem, resultados da pesquisa: “Só conheço uma pessoa que foi reconhecida por dar passos atrás: o Michael Jackson”. Palmas. A verdade é que a equipa deixou de dar passos em frente, até andou para trás sem a graça e exatidão de Michael Jackson, pelo que as más notícias estariam por vir.

É lembrado ainda por Francisco Guimarães que Vítor Bruno foi considerado o treinador do mês em dezembro e que não esteve longe de garantir a liderança da Liga há meros nove dias. “Isto parece muito ridículo. Se Villas-Boas decidiu despedir, é porque não havia condições para continuar e acho que se deve, principalmente, à falta de liderança de Vítor Bruno. A equipa não demonstra reação em campo, foram duas derrotas embaraçosas com Nacional e Gil Vicente.”

Este comentador aponta para outra camada essencial para entender esta história. “O Porto tem uma minoria que é super barulhenta, fundamentalista e fanática, que só quer o mal desta direção”, explica, provavelmente apontando para os Super Dragões ou claques afetas a Pinto da Costa e, por arrasto, Sérgio Conceição. “Acaba por se fazer ouvir muito em alturas de maior instabilidade. Talvez Villas-Boas tenha cedido a essa pressão…”

Os castigos aos jogadores – Iván Jaime, Otávio, Fábio Vieira e Pepê, por exemplo – também terão tido algum peso na forma como esta trama se desenrolou, nem que seja no diagnóstico problemático, nota Francisco Sousa.

“A equipa viveu sempre de dúvidas”, continua o comentador, desiludido pelo desmoronar da disrupção aparente do início da época. “Viveu na própria incerteza de Vítor Bruno, um treinador que me pareceu hesitante quanto ao melhor modelo e às melhores escolhas.”

"O futebol português não é uma ciência oculta"

E agora, o que vem aí? O cenário não é idóneo, mas também está longe de ser dramático. Já eliminados da Taça de Portugal e da Taça da Liga, os portistas estacionam no terceiro lugar da Liga, a quatro pontos do líder Sporting. Ao todo, registam-se 29 jogos, 18 vitórias, três empates e oito derrotas (28%), com 63 golos marcados (2,17 golos por jogo) e preocupantes 30 golos sofridos (1,03 golos por jogo).

Ambos os especialistas ouvidos para este artigo assinalam que o perfil ideal teria de ter experiência, saber navegar nas águas da adversidade e conhecer as vicissitudes do trabalho com os jovens.

“O treinador não tem de ser português ou estrangeiro, o futebol português não é uma ciência oculta”, defende Francisco Guimarães, que sugere que AVB está mais pressionado do que esteve Frederico Varandas nos seus inícios, e por isso com menor margem de erro. “O treinador tem de ser bom, tem de ter liderança, pegar na equipa, ter muita experiência a lidar com a adversidade, tem de ser um treinador com mundo. Acho que o Luís Castro, nesta altura, cumpre todos os requisitos.”

Já Francisco Sousa vai por outro lado. “Diria que há dois nomes sonantes até pela ideia de jogo: Paulo Fonseca e Xavi Hernández”, sinaliza. Estão ambos no desemprego depois de experiências no AC Milan e Barcelona, respetivamente. “No entanto, não sei se um clube que tem vivido uma crise financeira profunda está habilitado a avançar por nomes desta craveira.”

Seguem-se agora jogos com Olympiacos, Santa Clara, Maccabi, Rio Ave e Sporting e falta um treinador para devolver ao Porto o espírito tradicional do FC Porto e, claro, a qualidade de jogo, sendo que a mentalidade competitiva e voraz costuma ser inegociável e, até aqui, dada como adquirida.

Para animar as entranhas portistas, há um dado interessante num outro artigo da Renascença publicado esta terça-feira: em quatro das cinco ocasiões em que o treinador que chegou a meio da época se manteve para a época seguinte, foi campeão. Foi o que aconteceu com Artur Jorge, Bobby Robson, José Mourinho (lembram-se do murro na mesa?) e Jesualdo Ferreira (foi por isso que fomos ouvir Carlos Azenha).

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