15 jan, 2017 - 18:47
Todos os cenários estão em aberto à volta do futuro do Novo Banco. Nacionalização definitiva, nacionalização temporária ou venda. Estas são as saídas defendidas pelos partidos à esquerda e à direita. Dois anos depois o Novo Banco continua sem solução à vista.
O processo de venda é conduzido pelo Banco de Portugal, mas, no final do processo, a decisão poderá ser política e assumida pelo Ministério das Finanças. A venda é o cenário ainda preferido pelas Finanças, mas BE e PCP defendem a nacionalização definitiva com o PS a admitir só a nacionalização temporária. À direita do PS, PSD e CDS defendem a venda, mas são algumas as personalidades que defendem a nacionalização para posterior venda.
A nacionalização será sempre a pior das soluções na perspectiva do contribuinte, defende Álvaro Santos Almeida, no Conversas Cruzadas deste domingo. “Para além de obstáculos legais, autorizações do BCE que podem não surgir, a nacionalização tem ainda um problema de fundo. A nacionalização tem muitos mais custos para o contribuinte que qualquer das outras soluções”, sustenta o economista.
Álvaro Santos Almeida: “Nacionalizar implica logo 1% do PIB”
“A nacionalização implica, para começar que o Estado pague ao Fundo de Resolução. Ou seja, não estou a admitir que a nacionalização se fará por expropriação ao Fundo de Resolução”, diz Álvaro Santos Almeida.
“Nesse caso ficaríamos com mais um problema: o Fundo de Resolução teria um buraco de 5 mil milhões de euros a ser pago pelos bancos, incluindo a CGD que tem 25% do fundo. Admito que quem defende a nacionalização proporá que no mínimo dos mínimos o Estado pague ao Fundo de Resolução o mesmo que a melhor proposta que está em cima da mesa”, nota.
“Mas essa opção significa que são 750 milhões à cabeça, mais 750 milhões de aumento de capital, ou seja 1500 milhões de despesa adicional para o Estado. 1500 milhões é 1% do PIB", diz. Algo que "teria um grande efeito no défice, mas mesmo que as questões da meta do défice fossem ignoradas seria muito dinheiro para um país endividado como Portugal".
"Este seria apenas o efeito imediato da decisão, porque, depois, a partir do momento em que o Estado nacionaliza o banco há a possibilidade de ter de assumir todas as perdas que o banco venha a ter”, alerta o economista antigo quadro superior do FMI, em Washington.
“Ao contrário: se o vender as perdas são do accionista. Mesmo na hipótese que se discute do Estado ter de dar uma garantia de 2500 milhões de euros ao comprador, mesmo nesse caso a perda potencial do Estado está limitada a esses 2500 milhões de euros. Numa nacionalização não há limite para a perda.
“No caso do BPN nacionalizado em 2008 dizia-se também que não haveria perdas para os contribuintes e o BPN acabou pior custar qualquer coisa como entre seis mil e sete mil milhões de euros aos contribuintes e o BPN é 4 ou 5 vezes mais pequeno que o Novo Banco”, afirma o professor de economia da Universidade do Porto.
Carvalho da Silva: “Dizem que não pagamos, mas pagamos sempre”
Já o sociólogo Manuel Carvalho da Silva defende a nacionalização integrada numa intervenção do estado na banca portuguesa na “dimensão necessária” à resolução dos problemas. “Enuncio notas muito curtas: a nacionalização expõe os custos de forma directa, enquanto outras soluções, muitas vezes, permitem esconder custos. Nas soluções que não passam pela nacionalização temos visto como as pagamos. Dizem-nos sempre que não pagaremos, mas depois pagamos de mil e uma formas”, sustenta.
“No BPN a factura ficou escondida na mesma lógica com que se esconde nas privatizações. Tem que haver transparência e rigor nas opções. Outra questão: os entraves europeus só poderão surgir para criar problemas políticos, mas, no contexto actual, não estou a ver entraves complicados. Duas notas finais: porquê há certos entraves à nacionalização?", questiona Manuel Carvalho da Silva.
“Porque há receio de qual possa ser o seu rumo. Porque há duas hipóteses de nacionalização: uma orientada para a procura de compradores a curto prazo que não é exactamente o mesmo que uma nacionalização sem prazo”, alerta o professor da Universidade de Coimbra.
“Num caso trata-se de gerir para engordar o mais depressa possível e obter resultados financeiros a curto prazo e no outro é uma perspectiva estratégica. Nem todos os que defendem a nacionalização estão a defender o mesmo tipo de nacionalização. Isso cria obstáculos e muita argumentação escondida”, observa.
“O que é preciso no país é uma intervenção do estado na banca na dimensão em que tiver de ser feita e não apenas para fazer negócios e propiciar ao mercado bons negócios. Que seja mais que isso e contribua para o desenvolvimento do país”.
Luís Aguiar-Conraria: “Desconfio quando vejo muitos a defender o mesmo”
“Não sou especialista em banca nem sistema financeiro, nada disso, mas não consigo deixar de desconfiar quando vejo muitos e diferentes sectores da sociedade a defender a mesma coisa”, diz, por seu turno, Luís Aguiar-Conraria.
“Quando vejo José Maria Ricciardi a defender a nacionalização do Novo Banco, quando vejo já muita gente do PSD a defender a nacionalização, quando vejo muita gente do PS a defender a nacionalização e, depois, também, claro, vejo o Bloco de Esquerda e o PCP - apesar de nestes casos eu achar que pretendem uma nacionalização diferente - passo a desconfiar muito destes consensos alargados na sociedade portuguesa”, diz o professor de economia da Universidade do Minho.
“Fico sempre com a ideia de que são consensos criados por uma teia de interesses. Portanto, tenho medo do que verdadeiramente isto possa esconder”, prossegue Aguiar-Conraria.
“O que Carvalho da Silva estava a referir é perfeitamente provável: a questão de poder ser uma nacionalização temporária que, no fim, vá beneficiar os mesmos de sempre. O que queria alertar é que podemos defender a nacionalização por diferentes motivos - e o BE e PCP de certeza que o fazem por motivos diferentes - mas, no fim se houver nacionalização, serão os interesses do bloco central a prevalecer e não outros”, diz.
“Sinceramente se for para entregar a banca a estes interesses preferia que se mantivesse o Novo Banco dentro do sistema privado, ou seja, que não se nacionalizasse o banco”, afirma o economista.
“O Álvaro Santos Almeida levantou uma questão importante: a das ameaças de nacionalização serem apenas para ganhar credibilidade negocial”, admite Luís Aguiar-Conraria.
Álvaro Santos Almeida contrapõe: “Só que ninguém acredita nessa teoria, porque João Galamba vem dizer que o que importa é o interesse do contribuinte. Ora, o interesse do contribuinte não é- nunca - a nacionalização. A nacionalização é sempre pior para o contribuinte que qualquer outra solução”, diz.
“Repito: não nos esqueçamos que o Fundo de Resolução não é exactamente um fundo do estado. Se houver uma nacionalização o estado vai ter de indemnizar o Fundo de Resolução. É uma questão central. Porque se não o fizer a banca portuguesa, no seu conjunto, sofre uma perda de 5 mil milhões de euros”, alerta Álvaro Santos Almeida.
“Quem vai pagar esses custos? Sabendo que a banca portuguesa está constituída pelos bancos nacionalizados, o Santander, o BPI e um BCP cheio de problemas. Como é que este sistema financeiro nacional consegue absorver essa perda de cinco mil milhões?”, interroga o antigo quadro superior do FMI.
Manuel Carvalho da Silva junta-se ao debate. “Há um problema que não foi colocado. A dimensão da banca portuguesa no contexto europeu e a estratégia da dinâmica de concentrações no sector bancário que secundariza e cilindra bancos de pequenos países como Portugal”, diz o sociólogo.
“Tudo o que está em marcha no plano europeu não favorece, portanto, a adopção de soluções sólidas em Portugal.
Há múltiplos interesses, Luís Aguiar Conraria, já avançou alguns e há a questão de fundo: tentar resolver o quê e para quê? Há ainda a velha imagem da família com uma franga pequena e pergunta se a vai comer ou vender ou se a vai engordar para chegar a adulta e pôr ovos. É nisso que estamos”, diz Manuel Carvalho da Silva.
Álvaro Santos Almeida: “Para quê nacionalizar? Basta pedir adiamento do prazo”
“O Carvalho da Silva aborda um ponto que eu gostaria de deixar claro. É fundamental distinguir as propostas de nacionalização de alguns que olham para a nacionalização como algo temporário daqueles que a defendem com carácter permanente”, diz o professor da Universidade do Porto. “Mesmo dentro do temporário há sub-divisões”, acrescenta Manuel Carvalho da Silva.
Álvaro Santos Almeida retoma o discurso referindo o eventual o adiamento do prazo de venda do Novo Banco como pista a debater. “Há duas opções radicalmente diferentes: nacionalizar para vender em melhores condições que as actuais, mas para isso o melhor é deixar estar como está - deixar que seja o Fundo de Resolução a fazê-lo. Para quê nacionalizar? Para quê mexer? Basta apenas pedir um adiamento do prazo”, sugere.
“A segunda alternativa é a nacionalização permanente, mas aí pergunta-se: é para termos dois bancos públicos? Para quê? Já temos a Caixa Geral de Depósitos para que é que precisamos de dois bancos públicos?”, interroga Álvaro Santos Almeida.
“O prazo de venda do Novo Banco é administrativo”, reitera Luís Aguiar-Conraria.
“De facto não há nenhum motivo para o prazo ser o que é. Porque não pode ser daqui a um ano? E na Europa as coisas desenvolvem-se de tal forma que o cenário ideal - e estou a ser irónico - era acontecer algo do género do Novo Banco noutro país mais importante que Portugal, ser encontrada uma solução e depois nós ficarmos com a nossa margem negocial mais alargada”, afirma Luís Aguiar-Conraria.
“E já vimos que António Costa é a pessoa ideal para usar toda a margem negocial que tiver”, conclui.