10 fev, 2025 - 19:56 • Sandra Afonso
O Presidente norte-americano, Donald Trump, gere as taxas alfandegárias como “contas de mercearia”, defende Azeredo Lopes, em entrevista à Renascença.
O antigo ministro da Defesa considera que o mais recente anúncio, de um agravamento de 25% sobre todas as taxas do alumínio e do aço, serve para arrecadar receita, mas não tem em conta as consequências dentro e fora do país.
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Azeredo Lopes defende o reconhecimento do Estado da Palestina, mas não no atual momento. A prioridade nesta altura deverá ser garantir a autodeterminação, sublinha.
Nesta entrevista à Renascença, o antigo ministro da Defesa fala ainda da guerra na Ucrânia e do crescimento da extrema-direita na Europa.
Estes 25% sobre as taxas no alumínio e aço anunciados por Donald Trump, no fundo, vão afetar todo o comércio internacional, incluindo os EUA e a Europa, e Portugal?
É uma coisa interessante, esta interpretação, vamos dizer, muito peculiar do valor das tarifas, é quase uma questão de mercearia. Trump interpreta as tarifas, primeiro, como uma forma direta de proteção da indústria norte-americana, o que não creio que bata muito certo, pelas consequências diretas que vai ter sobre a inflação, a respectiva população e por aí adiante. Depois, são uma fonte de receita, não é uma questão de ação de política externa.
Ora, até agora, as tarifas cobradas pelos Estados Unidos, e em muitos casos já são muito elevadas, não ultrapassam 1% do PIB norte-americano. Vamos imaginar que elas dupliquem. Vale a pena uma ação tão disruptiva das relações internacionais, que pode até ter consequências maiores do que esse 1% nas exportações, para ter receitas, para baixar o défice.
Está marcada para esta semana, dias 14 e 15, a Conferência de Munique, para discutir o plano de paz para a Ucrânia. Qual é a sua expectativa para este encontro?
Há quem aguarde com alguma curiosidade, expectativa se quiser, a intervenção de J.D. Vance, o vice-presidente dos Estados Unidos. Acho que pode ser interessante, porque se conhece a hostilidade clara dele relativamente à continuação de qualquer apoio à Ucrânia. Vai ser interessante verificar se amaciou o discurso.
Há quem diga que, desde que Trump chegou ao poder, que a sua posição se foi alterando. Primeiro, porque percebe que Vladimir Putin não está à espera das ordens de Trump, e isso irrita o Presidente norte-americano. Depois, porque Zelensky foi conseguindo entrar na cabeça de Trump e com esta jogada das terras raras, já não estamos a falar de valores, da proteção da soberania, da integridade territorial, das mortes dos civis neste conflito, da destruição, estamos a falar de dinheiro.
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Que é a linguagem de Donald Trump…
Exatamente, e que ele transforma imediatamente em garantias. É a linguagem do direito privado, do direito comercial, é no fundo uma garantia para a continuação do apoio.
Mas podemos dizer que a Ucrânia está melhor?
No terreno, por muito cruel que isto possa parecer, as coisas continuam a correr francamente mal. Independentemente de um lampejo mais ou menos fugaz com a sua intervenção em Kursk.
Hoje em dia podemos dizer que várias cidades fundamentais estão a cair, Toretsk já caiu praticamente, Chasiv Yar está muito perto, Pokrovsk, diz-se, também já está praticamente cercada. A continuação do conflito beneficia sempre mais aquele que está a ganhar, independentemente de se dizer que a Rússia está a pagar um custo económico e humano gigantesco.
E acredita num processo de paz rápido?
Acho que não vai ser assim uma coisa tão radical como aquela que ele [Donald Trump] foi verbalizando durante a campanha eleitoral, acho que os tempos estão um bocadinho diferentes e o próprio Keith Keller, o mediador enviado pelos Estados Unidos, já fala em cedências mútuas, já fala num tempo que já não é o das 24 horas, já espera que possa ser no prazo de 2025.
Zelensky também vai falar, prevejo que seja uma coisa mais uma vez bastante apaixonada, bastante proclamatória. Hoje, tristemente, diria eu, Zelensky tem menos impacto, porque os europeus estão também preocupados com a sua própria vida.
Entrevista a Azeredo Lopes
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Uma das preocupações prende-se com o aumento da influência da extrema direita?
O que acontecer na Alemanha, no dia 23, vai ser muito importante para o nosso futuro comum, porque quando eu vejo sondagens que põem a Alternativa para a Alemanha (AfD) à beira dos 20%, isto é muito preocupante, muito preocupante. Quando vejo a direita alemã a namorar descaradamente com uma extrema-direita, com ligações neonazis, isto é muito preocupante.
O colapso do eixo franco-alemão, as dificuldades que a França continua a ter, independentemente do governo de François Bayrou, sempre com as ameaças de moções de censura. A Alemanha a resvalar a galope para uma direita. O que está a acontecer na Eslováquia, o que está a acontecer na Hungria, o que está a acontecer na Itália.
A Itália, sendo membro do Tribunal Penal Internacional, não assinou uma declaração que foi preparada pela Eslovénia, a criticar os ataques ferozes que estão a ser lançados contra os juízes do TPI. Estamos em tempos muito diferentes, muito menos liberais.
Temos hoje declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros sobre o Médio Oriente. Acha que o Governo português já devia ter reconhecido a Palestina?
Eu sou um grande defensor do reconhecimento da Palestina como um instrumento de intervenção nas relações internacionais, portanto, sou um grande defensor daquilo que fizeram a Noruega, a Irlanda, a Eslovénia, a Espanha.
Independentemente disso, a posição de Portugal não é uma posição isolada, aliás, o Estado português está no campo que ainda é maioritário dentro do nosso espaço europeu.
Infelizmente, com as notícias mais recentes sobre transações imobiliárias em Gaza, a minha perspectiva é que não vamos a caminho de uma solução que nos aproxime da paz. Ou seja, acho que isto foi uma pedrada no charco e, nesse sentido, posso compreender que politicamente não seja este ainda o momento do reconhecimento da Palestina. Neste momento, mais do que reconhecer a Palestina, trata-se de salvar minimamente, por razões até diria de decência, o direito dos palestinianos à autodeterminação. Não discutimos se vai haver Estado ou quando vai haver Estado, mas se vamos assistir no fundo à destruição completa, cultural, identitária, física do povo palestiniano.