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Entrevista Renascença

Proposta da Europa aos EUA sobre tarifas "será recusada por Trump", diz Vitor Constâncio

07 abr, 2025 - 19:18 • Pedro Mesquita

Na resposta às tarifas de 20% aplicadas pelos EUA a todos os produtos importados da União Europeia, a presidente da Comissão acena a Trump com uma "tarifa zero" sobre bens industriais. Entrevistado pela Renascença, Vitor Constâncio, o antigo ministro das Finanças, que também já foi governador do Banco de Portugal e vice-presidente do BCE, declara-se pessimista. Acredita que o Presidente dos EUA irá recusar a proposta negocial.

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Ouça a entrevista a Vitor Constâncio

Vítor Constâncio explica que as tarifas aplicadas pela União Europeia aos produtos importados dos EUA são, em média, de 1%. Se, como sugere Ursula von der Leyen, os bens industriais ficassem isentos isso não teria grande impacto para a Europa, do ponto de vista económico. Seria interessante, admite o antigo vice-presidente do BCE.

O problema, diz, é que Donald Trump irá provavelmente rejeitar a ideia: "Se o Presidente norte-americano estivesse a graduar as suas tarifas como uma reprodução das tarifas que outros países aplicam às importações dos EUA, isso poderia ser aceite, mas não é o caso", afirma Vítor Constância, em entrevista à Renascença.

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O objetivo de Trump, acrescenta Vítor Constâncio, "é eliminar os défices bilaterais entre os Estados Unidos e cada um dos países".

Se a Casa Branca recusar a proposta de Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia promete uma resposta à altura. E nesse caso, Vítor Constâncio desaconselha uma estratégia de "olho por olho". A atitude mais inteligente não será concentrar a resposta em tarifas, mas, sobretudo, noutras medidas como o "regime de impostos sobre as grandes empresas tecnológicas que operam na Europa" e "sobre a atividade dos grandes bancos americanos na Europa".

Que leitura faz da proposta que a presidente da Comissão Europeia enviou a Donald Trump?

Se pudesse concretizar-se, seria uma resposta positiva. O ponto é que as tarifas que, em média, a União Europeia tem sobre as importações de produtos provenientes dos Estados Unidos é apenas de cerca de 1%. Sobre os automóveis é 10%, mas a tarifa média é 1%.

Portanto, passar a zero nem sequer teria um grande impacto do ponto de vista económico. Seria interessante que o comércio de produtos industriais se fizesse com tarifas de zero.

Se a tarifa média aplicada pela União europeia aos produtos importados dos EUA é tão baixa (1%), como diz, parece-lhe que Donald Trump vai nessa cantiga?

A meu ver, será recusada pelo Presidente Trump. Se o Presidente norte-americano estivesse a graduar as suas tarifas do ponto de vista de serem a reprodução das tarifas que outros países aplicam às importações dos EUA, isso poderia ser aceite, mas não é o caso.

O objetivo do Presidente Trump, como ainda repetiu no fim de semana, é eliminar os défices bilaterais entre os Estados Unidos e cada um dos países. Erradamente, aliás, por causa do método utilizado, chegaram à tarifa de 20% que será aplicada aos países da União, a partir do dia 9. Enquanto que a Europa, neste momento, em média, como disse, tem tarifas sobre as importações americanas de cerca de 1%.

Ou seja, provavelmente Donald Trump irá recusar e depois? O que é que seria inteligente fazer nesse caso?

Do que vem sendo referido, a resposta da Europa não será concentrada nas tarifas em relação às importações americanas. Algumas haverá, na resposta. Mas não deve ser uma reposta concentrada apenas nisso, mas com outras medidas, desde o regime de impostos sobre as grandes empresas tecnológicas que operam na Europa, e outras possibilidades sobre a atividade dos grandes bancos americanos na Europa.

Todos esses aspetos estão em aberto, e são possíveis retaliações que seriam, a meu ver, mais inteligentes do que se fosse meramente aplicar também 20% a todas as importações americanas, e ficar por aí.

Esta pode também ser uma oportunidade para a Europa deixar de estar tão dependente comercialmente dos EUA. Seria uma boa solução a UE virar-se mais, por exemplo, para a China, a quem aplica de resto tarifas bastante elevadas? Seria uma boa solução virar-se para a China, nem que seja anunciar que o vai fazer para fazer estremecer de alguma forma Donald Trump?

Isso não seria eficaz e tem problemas. Por alguma razão a Europa aplica - não em todas as importações que vêm da China, mas seletivamente - em particular aos automóveis que funcionam apenas a eletricidade uma tarifa de 35%. Essa tarifa, aplicada pela Europa, é compatível com as regras da Organização Mundial do Comércio. Nas regras da Organização Mundial do Comércio não há uma proibição total, de todas e quaisquer tarifas. Há razões que são aceites para aplicar tarifas às importações de outros países. São, por exemplo - e é o caso da China - haver, do lado do país que exporta, subsídios e outras formas de apoio artificial às exportações, para as tornar mais baratas e poderem entrar com um preço bastante concorrencial com as produções europeias. Portanto, nesse caso, justifica-se aplicar tarifas.

Não seria portanto uma boa solução do seu ponto de vista, neste quadro de más relações comerciais com os Estados Unidos, a Europa virar-se para a China?

Não. Não em si mesmo. Há outro ponto que também é importante termos em conta: Se estas tarifas dos EUA continuarem, e em relação à China os 34% mais os 20% que já estavam em aplicação - ou seja, 54% de tarifas em relação às exportações chinesas para os Estados Unidos - vai haver uma certa redução das exportações chinesas para os Estados Unidos.

A China, nesse caso, tentará penetrar noutros mercados, particularmente no mercado europeu. Ou seja, as tarifas americanas poderão levar a um desvio de comércio das exportações chinesas viradas para a Europa de uma forma agressiva.

E isso levará a Europa, e isso já foi referido, a ter que aplicar medidas de salvaguarda. Portanto, este quadro é um aspeto adicional importante para se perceber que a solução não é simplesmente dizer: "agora vamos ter mais comércio com a China". Depende. Isso poderia acontecer se fossem respeitadas, do lado da China, todas as regras de concorrência leal, e não artificial (com apoios e subsídios que tornam os bens chineses mais competitivos e a preços mais baixos). Ou seja, isso também implica uma negociação também difícil com a China.

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