28 abr, 2016 - 07:28 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque
Ted Cruz surpreendeu esta quarta-feira toda a gente ao anunciar Carly Fiorina como a sua candidata a vice-presidente. Antiga CEO da Hewlett Packard, uma das maiores companhias de computadores do mundo, Fiorina candidatou-se às primárias republicanas, mas desistiu da corrida em Fevereiro por falta de apoios e em Março decidiu apoiar o senador do Texas. Trata-se de uma mulher ultra-conservadora, que, tal como Cruz, se identifica muito mais com o Tea Party e o seu discurso anti-"establishment" do que com o mainstream do GOP (Grand Old Party).
A surpresa consistiu antes de mais no “timing”, porque os candidatos a vice-presidente só são seleccionados e anunciados pelo nomeado do partido a presidente quando tem a garantia de que é ele mesmo o candidato. E isso sucede habitualmente nas vésperas de reunir a convenção que o consagrará como candidato oficial, nunca a meses dessa reunião magna e muito menos quando ainda nada está decidido.
A racionalidade do mecanismo é evidente: só aquele que vai disputar a Casa Branca necessita de ter consigo um candidato a vice-presidente, não os que disputaram as primárias e foram derrotados. E Ted Cruz neste momento é muito mais um candidato a derrotado do que a vencedor. Ao convidar Carly Fiorina para a sua equipa, Cruz está a convidá-la mais para companheira de infortúnio do que para ocupar um segundo lugar na hierarquia do poder norte-americano.
A única vez que um candidato a vice-presidente foi anunciado antes de o candidato a presidente estar consagrado pelo partido foi em 1976. Nesse ano, Ronald Reagan disputou a nomeação republicana com o então presidente Gerald Ford e decidiu revelar quem seria o seu companheiro de lista nas vésperas da convenção partidária. As eleições primárias já tinham acabado e Reagan tentava convencer alguns delegados a apoiá-lo, disputando a maioria com Ford. Esse trunfo acabou por não resultar e, apesar da luta dada por Reagan durante a própria convenção, Gerald Ford obteve a nomeação do partido.
Jogada táctica
Desta vez, porém, esta escolha surge mais como uma jogada táctica para as próprias primárias e não como um trunfo para a eleição nacional. Ted Cruz tem na próxima terça-feira, dia 3 de Maio, um teste de sobrevivência política no estado do Indiana, no qual concorre sozinho contra Donald Trump graças a um acordo feito com John Kasich, que desistiu neste estado para favorecer a luta anti-Trump.
Após duas derrotas humilhantes nas primárias de Nova Iorque e de cinco estados da costa Leste nas duas últimas semanas, Cruz joga tudo no Indiana, onde as sondagens o dão atrás do multimilionário, mas a curta distância. Se vencer, pode arrecadar os 57 delegados em disputa e manter acesa a chama da esperança em travar Trump na convenção do partido. Se perder, essa hipótese, hoje remota, torna-se ficção.
A escolha de Fiorina parece, pois, ser um trunfo mais para jogar de imediato no terreno do que propriamente a pensar na vice-presidência. O facto de ser mulher, um segmento do eleitorado que Trump hostilizou desde o início da campanha, ser bastante combativa, ser ultra-conservadora, ter sido publicamente insultada por Trump (“olhem para aquela cara, alguém vota naquela cara?”) a quem respondeu com elegância, recomendam-na para conquistar votos ao multimilionário.
Além disso, Fiorina não pertence à chamada classe política, tem uma imagem pública de empresária/gestora de sucesso que sempre trabalhou no sector privado e não na administração pública, tal como Trump. Quando se lançou nesta corrida, no ano passado, porém, houve quem contestasse o seu alegado sucesso como gestora e a responsabilizasse por vários falhanços empresariais. E ainda quem lembrasse que, no tempo em que foi CEO da Hewlett Packard, despediu mais de dois mil trabalhadores de uma só vez. Confrontada com este facto, deu uma resposta lapidar: só se arrependia de não os ter despedido mais cedo.
Trunfo ou embaraço
Neste aspecto, portanto, parece ter currículo à altura de Trump, que durante anos conduziu o célebre concurso em que a frase mais proferida era justamente “está despedido”. Um currículo que poderá funcionar positivamente em estados conservadores do interior americano onde a classe política é vista como parasita e o espírito empreendedor venerado. Neste aspecto, Fiorina empresta alguma credibilidade à candidatura de Cruz, que apesar de atacar sistematicamente a classe política é, ele mesmo, um político.
Mas em estados mais urbanos e mais liberais a sua entrada no “ticket” de Cruz poderá não ajudar, já que são dois candidatos com dificuldade em apelar ao eleitorado mais moderado. Algo que não parece preocupar o senador do Texas. Na Califórnia, por exemplo, o estado onde estará em disputa a maior fatia de delegados até ao fim das primárias, Fiorina poderá ser mais um embaraço do que um trunfo. Foi aliás neste seu estado-natal que fez em 2010 uma primeira incursão na política, candidatando-se a senadora federal, mas perdeu a eleição.
Donald Trump não está preocupado com a sua (re)entrada na corrida, que classificou de “insignificante” e uma “pura perda de tempo”, dado que na sua opinião Ted Cruz já está impossibilitado de ganhar a nomeação do GOP. Foi mais um acto de desespero, acentuou. E esta expressão não foi apenas usada pelo multimilionário. Alguma imprensa americana de referência usou exactamente o mesmo termo para classificar esta escolha inesperada do senador texano.
Para já, porém, ela teve uma virtude para o candidato: durante o dia (quase) não se falou de outra coisa nesta campanha eleitoral, atraindo a atenção mediática para Cruz e ofuscando um discurso de Trump sobre política externa. A menos de uma semana da eleição no Indiana, do que Ted Cruz precisa é justamente de atenção mediática e por isso o anúncio de Fiorina para o seu “ticket” cumpriu plenamente a sua função instrumental.
Uma função que, contudo, parece apoucar o cargo de vice-presidente, mesmo na sua forma tentada.