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Entrevista

Marina Silva. "Esquerda tradicional errou ao achar mais fácil enfrentar Bolsonaro com polarização contra extrema-direita"

30 dez, 2019 - 07:33 • José Pedro Frazão

Ex-candidata presidencial, ambientalista e defensora dos indígenas, defende que antes de pensar em nomes é preciso debater ideias para uma alternativa a Jair Bolsonaro. Em entrevista à Renascença, critica as conivências com "atrocidades da esquerda" que retiram moral ao combate à extrema-direita e pede um "Florestão", que investigue as florestas como a Petrobás foi investigada.

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A biografia de Marina Silva ensina-nos que tudo se pode esperar desta ecologista e historiadora, analfabeta até aos 16 anos, ex-ministra do ambiente do Governo de Lula, com quem se incompatibilizou politicamente há dez anos. Saiu do PT, concorreu pelo Partido Verde contra Dilma em 2010 e perdeu por ser terceira. Filiou-se no PSB, assumiu nova candidatura em 2014 por morte inesperada de Eduardo Campos, voltou a ser terceira. Formou o partido Rede Sustentabilidade e avançou pela terceira vez como candidata, ficando em oitavo lugar. Um ano após a posse de Bolsonaro, Marina Silva não abre o jogo sobre uma possível nova corrida presidencial. Aos 61 anos, aquela que foi a mais nova senadora de sempre no Brasil, diz-se apenas pronta para contribuir para um debate de ideias e não de nomes.

Na última semana da Conferência do Clima em Madrid, Marina Silva fez diversas intervenções críticas em relação ao Governo Bolsonaro, às suas políticas ambientais e à sua estratégia na COP25, marcada pela forte oposição do Brasil a alguns dos documentos centrais da Cimeira. Num dos debates a que a Renascença assistiu, a ex-ministra pediu uma investigação aprofundada ao que chama de "corrupção nas florestas" no Brasil.

Tomei nota da sua frase: "a corrupção passou do Petrolão para o Florestão". Quer explicar?

Hoje há uma ocupação ilegal de florestas. Em vez de combater essa grilagem de florestas [N.R. "grilagem" é o termo usado para descrever uma falsificação de documentos dando aparência envelhecida por via de inserção do papel numa caixa com grilos, para que sejam usados como documentos antigos que alegadamente provam a propriedade de algo] o Governo sinaliza a todo tempo que vai legalizar essas áreas ocupadas ilegalmente. É preciso usar a mesma tecnologia para combater a corrupção nas florestas, inclusivé de forma mais aperfeiçoada e sem os erros que porventura foram cometidos no combate à corrupção da Petrobrás. Elas rendem dividendos económicos para quem invade floresta pública e terra indígena, seja para desmatar ou para mineração ilegal. E rendem votos para quem legaliza essas áreas em prejuízo do interesse público e da protecção do meio ambiente.

Está a falar de tecnologia para investigar.

A investigação feita para desvendar o caso de corrupção na Petrobrás passou por tecnologia que pode também ser usada agora para combater a corrupção da ocupação ilegal das florestas. É o mesmo princípio: não permitir que nenhum tipo de corrupção , de dinheiro público ou património público natural, seja feita. Do mesmo jeito que combatemos com afinco a corrupção em relação ao petróleo, tem que ser combatida a corrupção em relação à Amazónia, que usa da violência, da grilagem, de leis feitas para regularizar áreas invadidas de forma criminosa e ilegal.

Como se combate Bolsonaro? Dialogando ou confrontando?

Em primeiro lugar, não podemos personalizar. Bolsonaro é uma visão política,uma prática política. Infelizmente a esquerda tradicional cometeu o erro de achar que era mais fácil enfrentar o Bolsonaro se fosse mais polarizado com extrema-direita de um lado e esquerda do outro. E não é, porque a polarização endurece-se cada vez mais. Temos que discutir uma alternativa que estabeleça quais os princípios e valores que temos para o nosso país, para a nossa sociedade e para as nossas instituições. E temos que nos orientar por esses princípios e valores e não relativizá-los em função de ter, por exemplo, um aliado politico que faz o que fez Chavez na Venezuela e nada se faz para o desautorizar.

Acha que existe esse risco no Brasil?

Infelizmente essa polarização aconteceu no Brasil. O prejuízo já é muito grande para os direitos humanos, para os povos indígenas, para a protecção do meio ambiente, para a cultura e para a educação em todas as áreas.

Mas essa alternativa será corporizada em alguém. Haverá por certo um momento de polarização em torno de pessoas e a senhora já foi candidata presidencial. Tem que haver um candidato único contra Bolsonaro?

Neste momento temos que restaurar a conectividade de ideias e projectos de alternativas para o Brasil com a sociedade. Uma parte está decepcionada e indignada, a outra parte está totalmente distribuída entre pólos. Temos que fazer um debate sobre as saídas para a sociedade. Concerteza uma liderança política sairá desse processo. Agora, para mim, será um erro se começarmos a discussão em cima de nomes de pessoas. Respeito os nomes das pessoas que eventualmente estejam a ser colocados. Por exemplo, Ciro Gomes tem abertura para dialogar. Espero que o diálogo seja mais forte em torno das propostas e das ideias do que à volta de partidos e pessoas.

A fase de Marina-candidata já terminou?

Eu já dei uma contribuição por três vezes. Vou continuar a contribuir para o Brasil, com ideias e propostas. Até porque para mim o projecto de poder nunca vem à frente do projecto de país.

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