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Deserto em expansão ameaça engolir casas na Mauritânia

22 fev, 2025 - 00:51 • Lusa

Chinguetti tem mais de mil anos de história e é a casa de mais de uma dúzia de bibliotecas com milhares de manuscritos, que são agora ameaçadas pela areia.

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A cidade de Chinguetti, na Mauritânia, que alberga mais de uma dúzia de bibliotecas com milhares de manuscritos está a ver a areia cobrir grande parte do núcleo antigo da cidade que data o século VII.

Durante séculos, poetas, académicos e teólogos afluíram a Chinguetti, um entreposto comercial trans-sahariano, mas a região está agora à beira do esquecimento com areias a invadir os bairros da sua atual orla e com os habitantes a conformarem-se com o seu destino.

À medida que o clima mundial se torna mais quente e seco, as tempestades de areia estão a depositar cada vez mais dunas nas ruas de Chinguetti e nas casas das pessoas, submergindo algumas completamente.

Os projetos de plantação de árvores estão a tentar manter as areias invasoras à distância, mas até agora não aliviaram as preocupações profundamente enraizadas sobre o futuro.

Chinguetti é um dos quatro sítios do Património Mundial da UNESCO na Mauritânia, uma nação da África Ocidental onde apenas 0,5% da terra é considerada cultivável.

Em África - o continente que menos contribui para as emissões de combustíveis fósseis - apenas a Somália e o Essuatíni sofreram mais impactos das alterações climáticas, de acordo com dados do Banco Mundial.

Os mauritanos acreditam que Chinguetti é uma das cidades mais sagradas do Islão e as suas casas de pedra seca e argamassa de barro, mesquitas e bibliotecas, guardam alguns dos textos e manuscritos do Alcorão mais antigos da África Ocidental, cobrindo temas que vão da lei à matemática.

O líder comunitário e Presidente da Associação Local para a Gestão Participativa de Oásis, Melainine Med El Wely, sente-se angustiado com o que está em jogo para os residentes e com a história contida nas paredes de Chinguetti.

"É como assistir a uma catástrofe natural em câmara lenta", disse.

"É uma cidade rodeada por um oceano de areia que está a avançar a cada minuto", explicou El Wely, acrescentando que "há sítios por onde ando agora que me lembro de serem os telhados das casas quando era miúdo".

A investigação sugere que a migração da areia desempenha um papel significativo na desertificação e os desertos, incluindo o Saara, estão a expandir-se a um ritmo sem precedentes e os "mares de areia" estão a ser reativados, com as dunas a transformarem as paisagens onde antes existia vegetação.

"O que há cinco ou dez anos considerávamos o pior cenário, parece agora um cenário mais provável do que tínhamos em mente", afirmou Andreas Baas, cientista do King"s College de Londres que investiga a forma como os ventos e o modo como sopram a areia estão a mudar.

Mais de três quartos da terra tornaram-se mais secos nas últimas décadas, de acordo com um relatório da ONU sobre a desertificação de 2024.

A aridez pôs em perigo a capacidade de sobrevivência das plantas, dos seres humanos e dos animais e rouba às terras a humidade necessária para sustentar a vida, mata as colheitas e pode provocar tempestades de areia e incêndios florestais.

"As alterações climáticas causadas pelo homem são as culpadas, conhecidas por tornarem o planeta mais quente, estão também a tornar cada vez mais secas as terras", afirma o relatório da ONU, explicando que "a escassez de água relacionada com a aridez está a provocar doenças e mortes e a estimular a migração forçada em grande escala em todo o mundo.".

Os cientistas e os decisores políticos estão mais preocupados com a degradação dos solos em regiões outrora férteis que se estão gradualmente a tornar terrenos baldios, do que com as áreas profundas do deserto do Sara.

No entanto, em Chinguetti, as alterações climáticas estão a provocar muitas das consequências para as quais as autoridades alertaram, com as árvores a morrer, os poços a secar e os meios de subsistência a desaparecer.

Os produtores de tâmaras, como Salima Ould Salem, de 50 anos, têm cada vez mais dificuldade em alimentar as suas palmeiras e têm agora de canalizar a água dos tanques e podar mais cuidadosamente para garantir que é utilizada de forma eficiente.

O bairro de Salima Ould Salem costumava estar cheio de famílias, mas estas foram-se afastando gradualmente, a areia bloqueia agora a porta de entrada da sua casa e uma casa de hóspedes próxima, construída por um investidor belga há décadas, está agora meio submersa numa duna.

Embora muitos tenham partido, Salem permanece, consciente de que cada vez que um membro da comunidade parte, a sua casa deixa de poder servir de baluarte e o resto da comunidade torna-se mais suscetível de ser engolida pelo deserto.

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