04 mar, 2025 - 01:05 • Lusa
A Amnistia Internacional (AI) denunciou esta segunda-feira que a Rússia tem como "política sistemática", desde a invasão da Ucrânia, submetido prisioneiros de guerra e civis ucranianos a "tratamentos desumanos", como tortura ou desaparecimento forçado, que constituem crimes de guerra.
O relatório da organização de defesa dos direitos humanos, divulgado esta segunda-feira, documenta como prisioneiros de guerra e civis ucranianos mantidos em cativeiro pela Rússia desde a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 estão a ser deliberadamente isolados do mundo exterior, muitas vezes durante anos.
"As autoridades russas submeteram prisioneiros de guerra ucranianos e civis cativos a tortura, detenção prolongada em regime de incomunicabilidade, desaparecimento forçado e outros tratamentos desumanos, que constituem crimes de guerra e crimes contra a humanidade", afirma a AI no novo relatório.
A falta de transparência sobre o paradeiro destes presos e civis tem permitido que "continuem com total impunidade" a tortura e outros maus-tratos durante a detenção, e até mesmo os assassinatos ilegais de prisioneiros de guerra, adiantou.
O relatório da AI baseia-se em entrevistas com 104 pessoas na Ucrânia, entre janeiro e novembro de 2024, incluindo cinco antigos prisioneiros de guerra ucranianos, familiares de 38 prisioneiros de guerra, familiares de 23 ucranianos desaparecidos, 28 civis anteriormente detidos e respetivas famílias e dez prisioneiros de guerra russos atualmente detidos na Ucrânia.
"A detenção sistémica em regime de incomunicabilidade de prisioneiros de guerra e civis ucranianos por parte da Rússia reflete uma política deliberada destinada a desumanizá-los e silenciá-los, deixando as suas famílias em agonia à espera de notícias sobre os seus entes queridos", afirmou a secretária-geral da AI, Agnès Callamard.
Segundo a mesma responsável, a tortura tem lugar em completo isolamento do mundo exterior, estando as vítimas "inteiramente à mercê dos seus captores para sobreviverem".
"Não se trata de uma série de incidentes isolados -- é uma política sistemática que viola todos os princípios do direito internacional", adiantou Callamard.
Segundo a AI, é provável que dezenas de milhares de ucranianos, tanto militares como civis, estejam atualmente detidos em cativeiro na Rússia e na Ucrânia ocupada, desconhecendo-se o seu número exato.
"Muitos estão provavelmente detidos, enquanto outros podem ter sido mortos", afirma a AI.
As autoridades russas, afirma a AI, têm negado o acesso das organizações internacionais a esses prisioneiros, no âmbito de uma política deliberada que visa colocar os prisioneiros de guerra fora da proteção do direito internacional.
A organização de defesa dos direitos humanos menciona vários casos de desaparecimentos forçados, como o do marido de Khrystyna Makarchuk, Volodymyr, que foi mostrado na televisão russa descrevendo a forma como foi capturado, e cujo cativeiro foi confirmado por outro militar ucraniano, sem que a Rússia tenha até hoje confirmado a detenção.
Nalguns casos, a Rússia reconheceu o cativeiro de prisioneiros de guerra individuais, notificando o Comité Internacional da Cruz Vermelha, tal como exigido pelo direito internacional, mas é provável que não tenha notificado esta entidade sobre o estatuto de centenas ou milhares de outros prisioneiros de guerra, segundo a organização.
Os civis, adianta, representam também "um número considerável das pessoas que se crê estarem a ser vítimas de desaparecimento forçado".
"Há muito que a Rússia recorre à detenção arbitrária, à tortura e ao desaparecimento forçado para intimidar a população civil nas zonas que controla. Estes atos constituem crimes contra a humanidade", sublinha a AI, que recolheu diversos relatos de tortura e recusa de tratamento médico no cativeiro russo.
As ações da Rússia "violam de forma flagrante as Convenções de Genebra", que garantem aos prisioneiros de guerra o direito a correspondência regular, acesso a cuidados médicos e visitas de organizações internacionais, afirma a AI, que apela à Rússia para que ponha termo a tratamentos desumanos e notifique as autoridades competentes do estatuto de todos os seus prisioneiros de guerra e permita o acesso sem entraves das organizações humanitárias a prisioneiros, para além de repatriar diretamente os prisioneiros de guerra gravemente doentes e feridos.
"A comunidade internacional deve utilizar toda a sua influência e instrumentos, incluindo a jurisdição universal, contra a Rússia para pôr termo a estes crimes hediondos ao abrigo do direito internacional e garantir a sua responsabilização", afirmou Agnès Callamard.
A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e "desnazificar" o país vizinho, independente desde 1991 - após a desagregação da antiga União Soviética - e que tem vindo a afastar-se do espaço de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.